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josé JurbergRenato

A história de José Jurberg no IOC começou em 1960, exatamente meio século atrás. Um anúncio de jornal, um curso que acabou não acontecendo e assim ele se tornou discípulo de Herman Lent, um dos maiores especialistas do mundo em triatomíneos, vetores da doença de Chagas. Durante o governo militar, o pesquisador agiu como um verdadeiro guardião, protegendo do desmantelamento a coleção entomológica do Instituto, de imensa relevância histórica e científica. Hoje, Jurberg é chefe do Laboratório Nacional e Internacional de Referência em Taxonomia de Triatomíneos.

“Estar aqui sendo homenageado hoje é uma vitória no tempo e contra o tempo... “do suor do teu rosto comerás o pão”... Este foi um dos pensamentos que sempre me aflorarão à mente, pois o preceito bíblico não se aplicava ao meu trabalho.

Vim para o Instituto Oswaldo Cruz em setembro de 1960, atraído por um anúncio de jornal sobre um curso de especialização em Entomologia, para mim uma janela de esperança. Recém formado em Farmácia, estava desempregado. Como fui o único candidato inscrito, o curso não se realizou e fui admitido como estagiário do coordenador do curso, Dr. Herman Lent, chefe da seção de Entomologia, e passei a ser orientado por ele e por Hugo de Souza Lopes e a conviver com Ângelo Moreira da Costa Lima.

A alegria de poder estagiar no Instituto, mesmo sem salário, era indescritível. Logo comecei a trabalhar nos projetos do Laboratório, a receber uma bolsa e pensei no preceito bíblico. Eu estava saboreando o pão com alegria.

Fui admitido oficialmente como pesquisador em 1962. Durante cinquenta anos cresci nesta Instituição e vivenciei todas as escalas e emoções possíveis, boas e más. Faço parte da história desta instituição que comemora 110 anos.

Em 1970, assumi a responsabilidade da seção de Entomologia do IOC com a saída de todos os pesquisadores, estagiários e alunos que trabalhavam no segundo andar do Castelo Mourisco, devido à cassação política de todos os pesquisadores. Em poucos meses, fui transferido juntamente com o acervo da coleção Entomológica para um velho hospital abandonado.

A partir deste episódio, começou uma nova fase de lutas em minha vida e na da Entomologia no Instituto Oswaldo Cruz. Deixei de ser só pesquisador e professor para fazer política institucional. De lá para cá, vale destacar: criei o Departamento de Entomologia; mantive a Coleção Entomológica do IOC na Fundação Oswaldo Cruz e a transferi de volta para o Castelo anos mais tarde, pois pairava a ameaça do acervo ser doado para outras instituições; criei o curso de especialização em Entomologia Médica; transformei o Laboratório de Hemíptera num Centro de Referência Internacional após uma avaliação nacional promovida pelo Ministério da Saúde e pelo Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), em 1989. Sou um dos responsáveis pela criação da maior coleção de triatomíneos do mundo com a junção da Coleção Herman Lent e Coleção Rodolfo Carcavallo, comprada pelo IOC, e por promover e manter o maior insetário de triatomíneos do mundo.

Fui secretário do Conselho Científico da Fiocruz na administração Sergio Arouca, assessor da Presidência na administração do Dr. Hermann G. Schatzmayr e presidente da Comissão Eleitoral para escolha da Presidência da Fiocruz em três eleições consecutivas. Fui um dos responsáveis pelos jardins do Campus de Manguinhos, juntamente com a Dra. Ortrud Monika Barth, na gestão do Dr. Arlindo Fábio Gomes, quando implantamos uma diretriz de transformar o campus plantando milhares de árvores, criando jardins no entorno dos prédios, um horto e uma seção dedicada à manutenção e limpeza do campus.

Fui criador e editor da Revista Entomologia/Vectores e publiquei mais de 190 artigos científicos sobre entomologia, principalmente sobre triatomíneos.

Descobri dezenas de espécies novas em várias ordens de insetos, gêneros novos e fui homenageado com inúmeras espécies de insetos. Na triatominologia, estou homenageado com a espécie Triatoma jurbergi.

Publiquei dois livros e inúmeros capítulos, fui editor do Atlas dos Vetores da doença de Chagas nas Américas, orientei dezenas de estagiários, alunos de especialização, mestrado e doutorado.

Uma das minhas maiores alegrias foi ter promovido, juntamente com o Dr. Henrique Lenzi, o processo de construção do prédio da nova Biblioteca de Manguinhos, ouvido o Conselho Científico da Fiocruz.

Para ter concretizado estes feitos e os que estão em curso devo, em parte, aos pequenos tiranos que surgiram no meu caminho. Diz o célebre filósofo Carlos Castañeda: “... afortunados aqueles que tropeçam com um pequeno tirano na sua vida...”. As pedras colocadas por eles no meu caminho provocaram o desafio de lidar com pessoas intoleráveis em posições de poder. O tempo, senhor da verdade, se encarregou de mostrar a mistificação.

Passados 50 anos, continuo vindo ao Instituto com a mesma alegria dos primeiros dias. Mais experiente, sei identificar os pequenos tiranos e me dedico mais ao que sei fazer bem.”


 

 

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