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Eloieloi

Eloi Garcia ingressou no IOC em 1982, mas frequentava Manguinhos muito antes, ainda estudante, quando sua presença na biblioteca era certa às quartas-feiras, dia em que as revistas científicas expostas eram renovadas. Presidente da Fiocruz de 1997 a 2001, esteve à frente da Fundação nas comemorações do centenário de Manguinhos. Membro da Academia Brasileira de Ciências, atualmente Eloi Garcia é pesquisador titular aposentado do IOC e continua a desenvolver seu trabalho no Laboratório de Bioquímica, Fisiologia e Imunologia de Insetos.

“São tantas as emoções vividas no Instituto Oswaldo Cruz (IOC) e na Fiocruz que será difícil selecionar algumas para relatar neste depoimento.

Lembro-me quando, em 1964, vim de Minas Gerais fazer vestibular na Universidade Rural do Brasil (hoje Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, UFRRJ), passei de ônibus pela Avenida Brasil e vi pela primeira vez o Castelo de Manguinhos. Fiquei arrepiado. Nunca tinha visto uma coisa tão linda e não poderia imaginar a importância daquele monumento em minha vida. Já cursando veterinária me deparei com um professor que me encantou. Ele não dava aulas, ministrava palestras; não realizava aulas práticas, fazia experimentos. A ciência contaminava a atmosfera da sala de aula e do laboratório. De tanto questionar para esclarecer minhas dúvidas, fui convidado para ser monitor de bioquímica e fisiologia. Este professor era Fernando Braga Ubatuba, que tinha como professor assistente Jorge Guimarães, atual presidente da Capes. Soube pouco depois que Ubatuba era um cientista do IOC. Imediatamente o associei ao Castelo de Manguinhos.

Ubatuba nos deu como primeira tarefa frequentar a biblioteca do Castelo. Em nossa primeira visita ao IOC, eu e Jorge chegamos de ônibus vindos da Rural, entramos pelo portão da Avenida Brasil e subimos caminhando pela ladeira. Vi o Castelo de perto, pela primeira vez. Que emoção inesquecível! Assim, de 1965 a 1970, vínhamos toda quarta-feira – dia de mudança das revistas na mesa da biblioteca – visitar o Castelo dos sonhos, e consultar, nas revistas mais recentes, os trabalhos de interesse. Isto aconteceu até Ubatuba ser um dos cassados de Manguinhos. Neste tempo nunca poderia imaginar que um dia “iria morar” naquele Castelo.

Outra forte emoção foi quando nos EUA, fazendo meu pós-doutorado no Laboratório de Doenças Parasitárias dos NIHs, encontrei com José Rodrigues Coura, então diretor do IOC, que me convidou para vir para o Instituto de Manguinhos. Era o sonho que tinha em minha vida. Trabalhar no Instituto no qual Ubatuba um dia foi cientista me enchia de orgulho. No dia 15 de maio de 1982, assumi o cargo de tecnologista (equivalente a pesquisador associado) no IOC. Nos primeiros dias após minha contratação encontrei, em um almoço na Casa de Chá, com Carlos Morel, velho conhecido das reuniões de doença de Chagas em Caxambu (MG) e então chefe do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular (DBBM) do IOC. Morel me convidou para visitar o Departamento, uma maneira sutil para depois me convidar para trabalhar lá. Foi a melhor coisa que aconteceu em minha vida científica. Morel me deu todas as condições materiais e políticas para criar o Laboratório de Bioquímica e Fisiologia de Insetos – o primeiro do Brasil – e desenvolver pesquisa. Minha carreira científica deslanchou e comecei a participar mais da vida política institucional e internacional, participando também de vários comitês do TDR/OMS.

Morel assumiu o cargo de vice-presidente quando Sergio Arouca foi nomeado presidente da Fiocruz. A Fiocruz se democratizou na gestão Arouca. No primeiro processo eleitoral para presidência da Fiocruz, participei ativamente na campanha de Carlos Morel. Veio o governo Fernando Collor, que não acatou a lista tríplice apresentada pela Fiocruz, e, após uma longa negociação, foi nomeado o virologista Hermann Schatzmayr para a presidência. Em 1991 fui convidado por Hermann para o cargo de vice-presidente de pesquisa. Com a saída de Collor da Presidência da República, Itamar Franco, que o substituiu, aceitou a reapresentação da lista tríplice institucional e nomeou Morel para exercer a presidência da Fiocruz. Fui convidado para continuar exercendo o cargo de vice-presidente de pesquisa. A vida institucional sob o comando de Morel era profunda e intensa e fui, vagarosamente, adquirindo uma experiência de gestão que me levou à ousadia de me candidatar, após o término do mandato do Morel, à presidência. No início de 1997, fui nomeado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso para o cargo máximo da Fiocruz. O menino que viu o Castelo pela primeira vez de dentro de um ônibus na Avenida Brasil assumia a presidência da instituição. No dia de minha posse subi a pé, da portaria da Avenida Brasil até o Castelo, lembrando-me do primeiro dia em que eu e Jorge Guimarães fomos, pela primeira vez, à Biblioteca de Manguinhos.

Como presidente, o momento mais inesquecível foi a comemoração dos 100 anos do Instituto de Manguinhos. Ser o presidente durante o centenário da instituição criada por Oswaldo Cruz foi uma das maiores emoções de minha vida. Tinha claro o que representava o evento para a história institucional e para o Brasil.

Gostaria de encerrar este pequeno depoimento lembrando que todo cientista gosta de formar talentos e ver nos estudantes a continuidade de seu trabalho. Mas tive uma sensação diferente recentemente. Minha filha Gabriela A. Garcia um dia chegou ao laboratório me dizendo que gostaria de fazer a prova de seleção para o programa de mestrado em Biologia Parasitária do IOC. Fiquei quieto, imaginando que seria muito difícil para ela, que ainda estava cursando o último semestre de veterinária na Rural. Não é que Gabi foi muito bem classificada e agora está desenvolvendo sua tese sob a orientação direta de Denise Valle? Quando faço a retrospectiva da minha vida, é com muita emoção e felicidade que tenho a sensação de que a ciência continua dentro de minha casa, nas mãos de minha filha, e que a continuidade do trabalho que realizo no IOC tem prosseguimento pelo entusiasmo de meus estudantes.”


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