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Um é muito ágil, se reproduz em água limpa, ataca em plena luz do dia e é responsável por transmitir a dengue no Brasil. O outro prefere a madrugada, coloca seus ovos em água suja e rica em matéria orgânica em decomposição e atormenta as noites de sono com seu zumbido. Com a chegada do verão, acelera-se o ciclo reprodutivo e de desenvolvimento dos dois mosquitos mais urbanos do mundo: o Aedes aegypti e o Culex quinquefaciatus, o pernilongo doméstico.

O pesquisador José Bento Pereira Lima, do Laboratório de Fisiologia e Controle de Artrópodes Vetores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), apresenta as diferenças entre as duas espécies e aponta as principais medidas para eliminar seus criadouros.

É muito comum na época de chuvas encontrar larvas de mosquitos em águas sujas, cheias de material em decomposição, como esgotos e fossas. Essas larvas podem ser de A. aegypti?
Não. É importante lembrar à população que o A. aegypti só deposita seus ovos preferencialmente em águas limpas. Suas larvas não conseguem sobreviver em reservatórios poluídos, com dejetos e muita matéria orgânica. Quando são encontradas larvas em poças com água contaminada, muito barrenta, em esgotos a céu aberto, em valões ou outros criadouros semelhantes, certamente não são larvas de A. aegypti. Provavelmente, trata-se de larvas de Culex quinquefaciatus, o pernilongo doméstico. Ao contrário do A. aegypti, o Culex prefere colocar seus ovos em criadouros bastante poluídos, com muita matéria orgânica em decomposição.

Quais são os criadouros preferenciais dos dois mosquitos?
O A. aegypti só coloca seus ovos em água limpa, não necessariamente potável, mas obrigatoriamente com pouco material em decomposição. Por isso, é importante reforçar para a população que alguns cuidados básicos em relação aos reservatórios de água são fundamentais para o controle do vetor da dengue: tampar caixas e tonéis de água, desentupir ralos que possam acumular água, jogar fora pneus velhos, evitar deixar garrafas e recipientes que possam acumular água da chuva em área descoberta e virá-los de cabeça para baixo, eliminar pratinhos com água embaixo dos vasos de planta.

Depósitos de água suja e contaminada, esgotos, valões, fossas e todo reservatório de água com muito material orgânico são os criadouros preferenciais do Culex. Portanto, água contaminada acumulada e esgotos a céu aberto têm grande importância para a saúde pública, pois podem causar diversos problemas à população, mas não se configuram como criadouros potenciais do mosquito transmissor da dengue.

Ao lado do A. aegypti, o Culex é considerado uma das mais importantes pragas urbanas do mundo. Quais as diferenças entre os dois mosquitos?
O Culex é considerado uma espécie cosmopolita, ou seja, presente em quase todo o mundo, e é ainda mais urbano que o A. aegypti. Os dois possuem uma preferência por se alimentar de sangue humano e estão muito associados à presença do homem. No Brasil, quando nos afastamos de cidades e áreas urbanas, é difícil verificar a presença de qualquer um dos dois. Todo o seu ciclo de vida, o acasalamento e a postura dos ovos, se dá dentro ou próximo de domicílios. Apesar disso, os dois mosquitos apresentam muitas diferenças entre si. Além de preferirem criadouros diferentes, ovos, larvas e os próprios indivíduos adultos das duas espécies são muito distintos. Dentro das casas, é fácil diferenciá-los: quando adulto, o Culex tem uma coloração marrom e as pernas não possuem marcação clara, enquanto o A. aegypti é mais escuro e possui marcações brancas no corpo e nas pernas.

Gustavo Resende/IOC

O A. aegypti é escuro e apresenta marcações brancas nas pernas e no corpo, enquanto o Culex apresenta coloração marrom. Além dessas diferenças, os dois mosquitos apresentam hábitos bastante diferenciados em relação aos seus criadouros preferenciais e horários de maior atividade


É muito comum encontrar as duas espécies dentro das casas, em praticamente todas as regiões do Brasil. Como elas se relacionam no ambiente doméstico?
O A. aegypti está muito mais ativo durante o dia, em especial no início da manhã e no fim da tarde, alimentando-se de sangue, geralmente artes baixas do corpo, como pés e canelas. É um mosquito essencialmente diurno. É bom lembrar que isso não significa que ele não pique à noite. É um mosquito oportunista: se o morador deixar uma perna ou braço exposto próximo ao abrigo do A. aegypti, provavelmente será picado mesmo à noite. O Culex, por sua vez, é um mosquito estritamente noturno, que prefere se alimentar no horário em que as pessoas estão em repouso. À noite, no escuro, ele é atraído pelo gás carbônico emitido na respiração humana, voando próximo do rosto, e só depois escolhe um local para picar. É por isso que costumamos ouvir zumbidos tão característicos de sua aproximação. O A. aegypti é um mosquito discreto, raramente notado quando se alimenta de sangue, e muito arisco, fugindo com qualquer movimento mais brusco. O Culex chega fazendo barulho próximo ao ouvido e não é tão difícil de apanhar quanto o outro. Dentro das residências os dois convivem bem e costumam ser encontrados nos mesmos abrigos: debaixo de mesas, atrás de móveis, entre cortinas e em nichos de estantes, por exemplo.

As larvas dos mosquitos também apresentam diferenças morfológicas e de comportamento?
Existem algumas diferenças entre as larvas dos dois mosquitos, como o tamanho da cabeça e do tórax, maiores no Culex, e a forma do sifão respiratório, menor e mais grosso no A. aegypti. Outra diferença é a sensibilidade à luz. As larvas dos dois mosquitos possuem fototropismo negativo, o que quer dizer que não convivem bem com o excesso de luz e, por isso, procuram as partes mais escuras dos criadouros. Porém, a aversão à luz é muito mais acentuada no A. aegypti. As larvas tendem a se acumular no canto mais escuro dos focos, enquanto as de Culex estão mais espalhadas por todo o criadouro. Se aproximarmos um feixe de luz de um foco, as larvas dos dois mosquitos se afastam, mas no A. aegypti esse movimento de fuga é muito mais acentuado, nítido.

Quanto ao ciclo de desenvolvimento, as diferenças são significativas?
Em geral, o A. aegypti e o Culex possuem um tempo de desenvolvimento – da eclosão da larva até o aparecimento do adulto – parecido, que varia de acordo com a temperatura, levando cerca de 8 a 10 dias no verão. No inverno, ambos têm ritmo de desenvolvimento mais lento.

Uma das principais dificuldades no controle da população do A. aegypti é a grande resistência de seus ovos ao ressecamento. O mesmo ocorre com o Culex?
Não. Os ovos das duas espécies são muito diferentes. O A.aegypti coloca os ovos na parte úmida próxima à lâmina d’água e não diretamente na água. Eles são capazes de ficar até um ano no seco e permanecer viáveis, capazes de originar mosquitos adultos quando encontram as condições propícias para eclodir. Juntas, essas características são muito importantes para a dispersão do mosquito e para a epidemiologia da dengue, uma vez que os ovos podem ser carregados para outras regiões pela ação humana e resistir até as chuvas do próximo verão, dificultando as ações de controle. Outra característica importante para a epidemiologia da dengue é que a fêmea do A. aegypti costuma depositar os ovos em diferentes criadouros em uma mesma postura.

O Culex coloca seus ovos diretamente na água, sempre todos juntos, no mesmo criadouro. Envolvendo cada um dos ovos existe uma substância viscosa que os prende uns aos outros, formando uma “jangada”, composta por dezenas de ovos, grudados entre si, flutuando na superfície da água. Os ovos do Culex não possuem resistência à dessecação e murcham quando retirados da água, não sendo mais viáveis.

Quantos ovos estas espécies chegam a colocar, em cada postura?
A quantidade de ovos colocados pelos dois mosquitos depende muito da quantidade de sangue ingerido pela fêmea, que é necessário para a maturação dos ovos. Em geral, as duas espécies costumam colocar cerca de cem ovos por postura, mas esse número pode chegar a 150 ou 200. O Aedes pode repetir o ciclo de alimentação e realizar a postura de ovos no intervalo de três a quatro dias. Mas é importante notar que nem todos chegam à fase adulta.

Qual a importância do Culex para a saúde pública?
O Culex não transmite o vírus da dengue. Porém, além do incômodo que gera para a população, em algumas regiões do Brasil ele é responsável pela transmissão da filariose e de algumas arboviroses. O Culex é o principal vetor da filariose, popularmente conhecida como elefantíase. A doença é causada por vermes nematóides, conhecidos como filárias, que se alojam nos vasos linfáticos do hospedeiro, podendo levar, na fase crônica, ao inchaço e aumento excessivo dos membros inferiores. A predileção do Culex por sangue humano e seu hábito noturno facilitam a transmissão da doença.

À noite, quando o indivíduo infectado está em repouso, as microfilárias deslocam-se para os vasos sanguíneos periféricos, ficando mais próximas da superfície da pele, o que facilita a infecção do mosquito quando este se alimenta de seu sangue. Apesar da incidência da doença ter diminuído muito no Brasil nas últimas décadas, a filariose ainda representa um problema grave em algumas regiões do país. O Culex é capaz de transmitir arboviroses, em especial encefalites e febres hemorrágicas graves, como a causada pelo vírus Oropouche, que no Brasil já ocorreu no Pará e em Rondônia. Além disso, o acúmulo de água contaminada e a existência de valões e esgotos a céu aberto, criadouros preferenciais do Culex, são demonstrações da falta de infraestrutura de algumas regiões do país e podem ser relacionadas a outras importantes doenças que ameaçam a população.

*Todos os conteúdos foram revisados por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz)


 


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