Publicação do Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz - 06/03/2006

 

IOC atua no controle da doença de Chagas no interior do Ceará

A aplicação prática do conhecimento científico produzido em laboratórios para o benefício da saúde da população brasileira é um compromisso que acompanha o Instituto Oswaldo Cruz (IOC) desde o início de sua trajetória, há quase 106 anos. Um exemplo de que este compromisso permanece atual é o trabalho de uma equipe multidisciplinar do Instituto que, desde 2000, realiza um projeto de avaliação e controle da doença de Chagas no município de Jaguaruana, no interior do Ceará.

A iniciativa surgiu a partir da constatação de alta incidência na região de triatomíneos, insetos vetores da doença, feita por um grupo de voluntários de um projeto social que atuava na área rural da região. Amostras dos insetos foram enviadas ao Laboratório de Biologia e Controle de Insetos Vetores do IOC, que confirmou tratarem-se de Triatoma brasiliensis e T. pseudomaculata, duas espécies de triatomíneos comuns no Nordeste. O exame do conteúdo intestinal dos insetos indicou alto índice de infecção por Trypanosoma cruzi, parasito causador da doença de Chagas. Diante dessa constatação, um grupo de pesquisadores do Instituto deixou temporariamente as bancadas do laboratório e partiu para o interior do Ceará, com o objetivo de fazer uma avaliação geral da situação da infestação.

 
No início do projeto, os pesquisadores do IOC chegaram a coletar centenas de triatomíneos em uma única saída pela região rural de Jaguaruana. Hoje, esse número já está bem próximo de zero.

“Os resultados iniciais foram surpreendentes. Nas primeiras saídas pela zona rural de Jaguaruana chegávamos a coletar, em poucas horas, centenas de triatomíneos em galinheiros e chiqueiros muito próximos às residências e até mesmo dentro das moradias”, conta a biomédica Maria Marli Lima, chefe do Laboratório de Biologia e Controle de Insetos Vetores do IOC e coordenadora do projeto. “O exame laboratorial dos insetos revelava altos índices de infecção por T. cruzi”, completa.

Estava deflagrada assim a primeira etapa do projeto, coordenado pela biomédica Maria Marli Lima , chefe do Laboratório, com a colaboração de pesquisadores do próprio laboratório, como Otília Sarquis e José Roberto Mac Cord, e de diversos laboratórios do IOC e da Fiocruz, dentre os quais: José Borges Pereira, Márcio Bóia, Ana Jansen, Paulo Sérgio D´Andrea, Raquel Pacheco, Constança Britto, Pedro Cabello , Rosemere Duarte e Célia Brito, além de vários estudantes. Paralelamente à busca de triatomíneos, nas unidades domiciliares e nos ambientes silvestres, a equipe realiza triagem sorológica da população humana para investigar o índice de positividade para Chagas. Os casos humanos positivos são tratados e acompanhados clinicamente.

A alta incidência de triatomíneos nas casas de pau-a-pique de Jaguaruana chamou a atenção dos pesquisadores do IOC para a necessidade de um programa de controle da doença de Chagas na região

A segunda etapa do projeto já está em andamento e consiste na avaliação da presença de triatomíneos no perímetro periurbano e na avaliação dos índices de infecção entre os possíveis reservatórios silvestres e sinantrópicos - estes últimos referem-se aos animais que convivem no habitat humano. Os achados revelam que, em comparação aos índices verificados na zona rural de Jaguaruana, é pequena a quantidade de triatomíneos encontrada no perímetro periurbano. Revelam também que, enquanto na zona rural predomina a espécie T. brasiliensis, na zona periurbana predomina T. pseudomaculata. Em contraste à baixa incidência de casos humanos, a equipe tem constatado alto índice de infecção em animais sinantrópicos, como ratos (Rattus rattus) e gambás (Didelphis albiventris). A partir dessas informações, os pesquisadores identificaram a necessidade de avaliar a infecção chagásica também em animais domésticos, o que deverá ser feito durante a próxima expedição, prevista para junho.

Em relação à variedade genética da cepa de T. cruzi, isolada de triatomíneos e de humanos, tem-se verificado o predomínio de cepas do tipo I (silvestres). “O objetivo do projeto é mapear o quadro epidemiológico da doença de Chagas em todo o município de Jaguaruana, para que possamos fornecer subsídios para a realização de medidas de controle mais eficazes”, a pesquisadora afirma.

Paralelamente à busca de triatomíneos, a equipe deu início ao processo de orientação das autoridades locais, que passaram a fazer uma criteriosa vigilância epidemiológica na região e apostaram na aplicação regular de inseticida, o que tem reduzido sensivelmente a quantidade de triatomíneos no ambiente intra e peridomiciliar.

Em Jaguaruana, predomina a cepa silvestre do T. cruzi, microorganismo causador da doença de Chagas.

O projeto já deu origem a uma tese de doutoramento, no Curso de Biologia Parasitária do IOC. Desde o início, conta com o apoio da Fiocruz e das Secretarias de Saúde do Estado do Ceará e do município de Jaguaruana. Recebeu auxílio do PAPES – programa de financiamento institucional da Fiocruz - e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj).

Por Bel Levy