Publicação do Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz - Ano XII - n0 37 19/10/2006

 

Debates sobre Ciência e Arte reuniram público e especialistas em simpósio

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Mais de 300 pessoas de oito Estados brasileiros participaram do Simpósio Ciência e Arte 2006, realizado de 9 a 11 de outubro com a presença de convidados do peso de Rhonda Roland Shearer, diretora do Laboratório de Pesquisa em Ciência e Arte de Nova Iorque (Estados Unidos), Marina Wallace, diretora da Artakt @ CSM e do projeto Universal Leonardo (Reino Unido), o poeta e ensaísta Affonso Romano de Sant'Anna e o escritor Moacyr Scliar, membro da Academia Brasileira de Letras.

Parceria entre a Fundação Oswaldo Cruz (por meio do Museu da Vida/Casa de Oswaldo Cruz e do Instituto Oswaldo Cruz), o British Council e o Centro Federal de Educação Tecnológica de Química de Nilópolis, com apoio da Faperj e do CNPq, o Ciência e Arte 2006 integrou em um só evento o 2º Simpósio Fazendo Arte na Ciência e o 3º Simpósio de Ciência, Arte e Cidadania. Realizado no campus da Fiocruz em Manguinhos (Rio de Janeiro), foi transmitido em tempo real para Recife, Florianópolis e Buenos Aires.

Escultora nova-iorquina discute o impacto social de teorias científicas

Os participantes que chegavam ao primeiro dia de atividades do Simpósio Ciência e Arte 2006, 9 de outubro, tiveram logo nos primeiros minutos uma prévia das surpresas que a programação lhes reservava ao serem recepcionados pelo Palhaço Matraca, personagem encarnado pelo cientista social Marcus Vinicius Campos para propagar informações sobre saúde entre a população de rua do Rio de Janeiro. Marcus é doutorando no Programa de Ensino em Biociências e Saúde do IOC e editou recentemente pelo IOC um vídeo sobre o trabalho do Palhaço Matraca junto à população de rua. Para dar início à programação, a performance musical coordenada por Leo Fuks, professor da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, contagiou os presentes. A dinâmica do Simpósio alternou constantemente espetáculos artísticos com conferências e mesas redondas.

Gutemberg Brito
O palhaço Matraca, encarnado pelo
cientista social Marcus Vinicius Campos, em performance ao saxofone

A escultora Rhonda Shearer, diretora do Laboratório de Pesquisa em Ciência e Arte de Nova Iorque (Estados Unidos), iniciou a conferência Arte ou Ciência? São os dois... explicando porque se envolveu com a ciência e a matemática. “Não entendia porque não se faziam esculturas de flores. Descobri quando decidi fazer e percebi um desafio tecnológico enorme”, contou. Rhonda discutiu a correlação na evolução da ciência e da arte. Segundo ela, descobertas como a de Copérnico, que constatou que a Terra é um planeta periférico, mostram que mudanças geométricas têm impacto social. “As pessoas não gostaram de saber que o planeta Terra não era o centro do universo. Em diversos momentos da história percebemos que estruturas geométricas dominantes na matemática da época estruturam o pensamento da sociedade”, comentou.

Gutemberg Brito

A escultora Rhonda Shearer criticou as
concepções que distanciam ciência e arte

Apontada como um marco por Rhonda, a descoberta da perspectiva durante o Renascimento significou uma revolução nas artes. “Este é um exemplo de que as maiores revoluções que ocorreram na arte têm relação direta com as grandes mudanças na ciência”, completou. Além disso, a artista falou sobre a dicotomia que faz com que a ciência seja mais valorizada que a arte. “A ciência é tida como superior por suas características masculinas, enquanto a arte é inferiorizada porque tem características femininas”, sintetizou. Para encerrar, a palestrante ressaltou a principal diferença entre a cultura das Ciências Exatas e a cultura das Ciências Humanas. “A produção na área de Humanas é avaliada pela publicação de livros e, nas Exatas, por teses e artigos. Em Humanas, o trabalho é desenvolvido por no máximo duas pessoas, enquanto nas Exatas o trabalho é desenvolvido em conjunto. Em nosso Laboratório, tentamos superar esta distinção e o resultado tem sido muito produtivo”, finalizou.

A influência mútua entre ciência e cinema

Na mesa-redonda A ciência vai ao cinema , Bernardo de Oliveira, da Universidade Federal de Minas Gerais, apresentou a palestra Utopias cinematográficas e o imaginário científico . Bernardo exemplificou com clássicos da telona como o senso comum vê a ciência e o futuro com as possibilidades oferecidas pela tecnologia. Entre os filmes analisados estavam Máquina do Tempo, de 1960, e Metrópolis , de 1925.

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Andreia Guerra ressaltou os benefícios do uso do cinema
no ensino de ciências

Andreia Guerra, do grupo Teknê, discutiu o potencial da sétima arte para o aprendizado de ciências no ensino formal. “A escola precisa ser pensada como um espaço de problematização e os filmes são uma porta de entrada para que a reflexão sobre a ciência se coloque”, avaliou.  Genilton Viera, chefe do Setor de Produção e Tratamento de Imagens do IOC, finalizou o debate. Em sua exposição, relatou aos ouvintes a evolução de seu trabalho com imagens científicas, que resultou na produção do documentário O Mundo Macro do Mosquito Aedes aegypti – Para combatê-lo é preciso conhecê-lo , premiado com a segunda colocação no Festival de Cine Y Vídeo Cientifico MIF-Sciences, em Cuba. Na seqüência, foi exibido o documentário que mescla imagens virtuais e reais para mostrar o ciclo do mosquito vetor da dengue.

Imagens e sons no contexto da ciência

Iniciando as atividades da tarde do dia 9, o grupo Ciência em Cena, do Museu da Vida/Casa de Oswaldo Cruz (COC), apresentou o espetáculo A vacina e seus dramas, que contou com a leitura dramatizada de cenas de duas peças teatrais: A vacina e A ribalta da vacina, inspiradas em charges publicadas no final século 19 para criticar ações do sanitarista Oswaldo Cruz. O espetáculo remonta à Revolta da Vacina, satirizando figuras como o presidente Rodrigues Alves e o próprio Oswaldo Cruz.

Gutemberg Brito
Atores em cena da peça A Vacina e Seus Dramas

A mesa-redonda Imagens e sons da ciência, coordenada pela pesquisadora Lucia de la Rocque, do Setor de Inovações Educacionais do Laboratório de Biologia Celular do IOC, reuniu artistas e cientistas para discutir a rica interação entre as duas áreas. Magali Romero Sá, da COC, iniciou o debate com a apresentação da palestra Da arte à ciência: ilustradores cientistas . A pesquisadora fez uma retrospectiva da ilustração científica no Brasil, narrando a transformação de artistas em ilustradores científicos, que traduzem o olhar do cientista com extrema fidelidade ao real, sem expressar-se subjetivamente. Através de uma seqüência de ilustrações, a pesquisadora acompanhou a evolução da representação fantástica de espécies vegetais e animais – como os monstros diabólicos reproduzidos por artistas do século 16 que descreviam o novo mundo – em retratos realistas produzidos a partir de uma linguagem científica padronizada.

Seguindo a temática de ilustrações, a palestra Práticas terapêuticas no século 19: entre o imaginário popular e as representações científicas , realizada por Flávio Edler, também da COC, expôs a amplitude de personagens envolvidos com as práticas terapêuticas aplicadas no Brasil do século 19. Entre procedimentos provenientes de tribos indígenas, de etnias africanas, do catolicismo popular e de concepções herdadas da academia, porém não mais consideradas essencialmente científicas, emerge a figura do médico – representado ora de forma positiva, ora de forma negativa.

A palestra O encanto da ciência, apresentada por Ildeu de Castro Moreira, do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, reforçou a relação histórica entre ciência e arte e ressaltou a necessidade de discutir a interseção entre as duas áreas em centros de ensino e pesquisa, uma vez que a arte traz uma dimensão crítica importante para a compreensão do mundo. Para comprovar a interação entre ciência e arte, o pesquisador apresentou exemplos da música popular brasileira que evocam ciência e tecnologia. Entre as composições examinadas, destacam-se os sambas A conquista do ar , composto em 1903 por Eduardo das Neves em homenagem a Santos Dumont; Ciência e arte, samba-enredo de Cartola e Carlos Cachaça que conquistou o segundo lugar na disputa de samba-enredo da Mangueira no carnaval carioca em 1948; e Quanta, de Gilberto Gil, que afirma: “sei que a arte é irmã da ciência, ambas filhas de um Deus fugaz”. O músico Roberto Mendes encerrou o primeiro dia do Simpósio Ciência e Arte 2006 com a performance ao vivo da canção Tempos quase modernos.

Gutemberg Brito

O músico Roberto Mendes encerrou as atividades
no primeiro dia do Simpósio


Como ciência e arte se misturam no processo criativo

O segundo dia do Simpósio Ciência e Arte 2006 teve início com apresentação do Coral da Fiocruz, que através de músicas como Bananeira, O brejo da cruz e O verbo e a verba deu o tom de interação entre ciência e arte que percorreu as conferências e palestras ao longo do dia. Após as apresentações, o coquetel literário Diálogos entre ciência e arte reuniu os participantes do Simpósio para o lançamento do suplemento temático sobre arte e ciência da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos , que encerrou as atividades do segundo dia do evento.

Gutemberg Brito
O coral é um dos espaços de expressão mais democráticos da Fiocruz: congrega profissionais de todas as Unidades, incluindo o IOC, de todos os cargos e carreiras, sem fronteiras hierárquicas. Até pacientes compõem as vozes

Durante a conferência O lado poético da ciência, o poeta, cronista e ensaísta Affonso Romano de Sant'Ana compartilhou com o público experiências pessoais que o convenceram definitivamente da proximidade entre ciência, arte e religião – segundo ele, três estratégias utilizadas pelo homem para lidar com o mistério, apreender sobre o desconhecido e atingir a quarta dimensão – ou a terceira margem do rio. “Física, para mim, é poesia pura”, admitiu. Não poderia ser diferente. O primeiro poema de Sant'Ana, Poema relativo a Einstein, foi escrito ainda na sala de aula, após a notícia da morte do gênio.

Para o autor – que desenvolveu uma tese de doutorado sobre Carlos Drummond de Andrade, em que um gráfico gerado por computador apresenta a recorrência de temas e recursos literários em sua obra – artista e cientista perseguem, através da criação, o mesmo objetivo: o conhecimento inalcançável e inexaurível. E é justamente esse constante diálogo com o mistério que os une na busca pela compreensão do mundo.

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Para Affonso Romano de Sant'Ana, o acaso une arte e ciência

Outro ponto de interseção entre artista e cientista, afirma Sant'Ana, é o acaso. “Como o cientista que descobre novos saberes através de experimentos, o artista deve experimentar com maestria o acaso, para descobrir no desconhecido sua obra. Como em uma fissão nuclear, o autor une palavras para extrair dali uma energia. E, se artista age através do método científico, cientista também utiliza a arte [na opinião do autor sobretudo a poesia] para descrever suas descobertas”, afirmou.

Temáticas científicas inspiram artistas brasileiros

A mesa-redonda Ciência e arte: visões de artistas brasileiros , coordenada por Jayme Aranha, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, retomou a discussão sobre interação entre ciência e arte através da análise da obra de três expoentes desta interface. Ao apresentar A arte híbrida de Eduardo Kac: questões éticas e estéticas, Nina Cruz, professora da Universidade Federal de Pernambuco, demonstrou como arte e tecnologia se fundem na obra do artista plástico brasileiro reconhecido internacionalmente por propor a arte transgênica, baseada no uso da engenharia genética, que tem a proposta de transformar seus produtores em “artistas da vida”. Nesta linha, Kac desenvolveu diversos projetos, como uma instalação em que uma planta é alimentada pela luz proveniente de webcams e a coelha Alba, de cor verde fluorescente por incorporar um gene para proteína fluorescente.

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Nina Cruz apresenta a coelha Alba como exemplo
da arte de Eduardo Kac

Em A arte de Krajcberg: fronteiras entre estética e engajamento ambiental , Solange Vergnano, do Centro Federal de Educação Tecnológica de Química de Nilópolis e mestre em Ensino em Biociências e Saúde pelo IOC, utilizou a obra de Frans Krajcberg para exemplificar como a arte pode servir como manifesto ambiental – seja pelo emprego de suportes naturais ou pela denúncia, em obras de arte, da degradação do meio ambiente.

Na palestra Homenagem a Fayga Ostrower: visões paralelas de espaço e tempo na arte e na ciência , Luiz Alberto Oliveira, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, prestou um depoimento emocionado em que resgatou a personalidade da artista, produtora de xilogravuras, litografias, serigrafias, gravuras em metal, desenhos e aquarelas. Em coro à conferência de Affonso Romano de Sant'Ana, Luiz Alberto afirmou que cientista e artista compartilham uma afinidade essencial: buscam, cada um à sua maneira, concretizar as possibilidades abstratas do mundo, a fim de compreendê-lo.

À tarde, o espetáculo O mistério do Barbeiro foi apresentado na Tenda do Ciência em Cena. A peça conta de forma lúdica e divertida o caminho percorrido, no início do século passado, pelo pesquisador Carlos Chagas para descobrir o ciclo, vetores e reservatórios do Trypanosoma cruzi, parasito causador da doença de Chagas.

Projeto inglês revisita obra de da Vinci através de nova tecnologias

A artista inglesa Marina Wallace, diretora da Artakt@CMS e diretora do Projeto Universal Leonardo, surpreendeu a platéia com a conferência Leonardo da Vinci's Art, Science and Technology . Marina contou ao público sua experiência em projetos como a exposição Corpos Espetaculares , realizada na década de 90 a pedido da Hayward Gallery, que queria uma exposição sobre anatomia. Para montar a exposição, Marina e sua equipe visitaram uma série de museus temáticos em busca de obras. O resultado foi uma exposição que justapôs artistas contemporâneos e obras históricas.“Os museus de anatomia podem ser chatos e tristes. Eu fui exposta a isso durante alguns anos, analisando o que há de melhor na área”, comentou.

Gutemberg Brito
Marina Wallace compartilhou com o público sua experiência na montagem de diversas exposições

Uma das preocupações de Marina era desenvolver uma pesquisa exaustiva sobre o tema. Por isso, a artista se interessou em saber como um hospital localizado a poucos metros da galeria realizava as lições de anatomia com estudantes de medicina. “Antigamente, os cadáveres eram dissecados em praça pública, como um espetáculo. Pude presenciar e registrar em fotos as lições de anatomia dos alunos de medicina e foi surpreendente para mim quando o professor iniciou uma das aulas citando a nossa exposição. Acho que foi um trabalho de pesquisa completo”, a palestrante sintetizou.

Marina relatou também a experiência de participar de uma exposição sobre o poder do cérebro humano. “Uma crítica comum é a de que a relação entre ciência e arte não é frutífera. Com esta experiência, comprovei que isso não é verdade”, afirmou, ressaltando que a exposição contou com a colaboração de cientistas. Na época, a imprensa publicou diversas reportagens sobre o tema. Em uma delas, um jornal inglês de grande circulação convidou um neurocirurgião e um artista para que fizessem uma tomografia. Os resultados obtidos por ambos foram publicados e comparados. “Em resposta a um desses artigos, que afirmava, entre outras coisas, que arte é diversão e ciência não, o artista britânico Adrew Carrie publicou um texto que iniciava com a seguinte frase: A arte é importante demais para ser deixada só para os artistas e a ciência é importante demais para ser deixada só para os cientistas ”, completou a conferencista.

Novas técnicas, como a do raio-x, proporcionaram a análise do interior do corpo humano sem que fosse necessário o uso de técnicas invasivas, como o corte. Esta tecnologia foi o ponto de partida para o projeto Universal Leonardo ( www.universalleonardo.com ), também desenvolvido pela equipe de Marina. Encomendado pelo empresário Bill Gates, o projeto tinha como objetivo principal encontrar uma forma diferente de mostra o trabalho de Leonardo da Vinci, um dos principais gênios da arte mundial. As técnicas de construção utilizadas por Da Vinci em suas pinturas foram analisadas pelo projeto com o auxílio de tecnologias como as de uma máquina de tomografia computadorizada. Ao analisar os desenhos em papel, os animadores ficaram surpresos ao perceber que ele utilizava as mesmas técnicas utilizadas por profissionais que atuam na área atualmente. “Se fosse nosso contemporâneo, Leonardo seria diretor de cinema ou designer”, Marina arriscou. O projeto, que inclui a análise de três importantes obras do artista, seus manuscritos e invenções, já percorreu as principais capitais da Europa e foi inaugurado recentemente em Londres. O ponto alto é a animação dos desenhos originais de Leonardo, apresentada em primeira mão por Marina.

Ciência e arte nos museus e centros culturais

Convidados especiais, como o médico e escritor Moacyr Scliar, uma mesa-redonda sobre a ciência em centros culturais e uma conferência sobre novas formas de comunicação, além de espetáculos de dança e teatro encerraram o Simpósio Ciência e Arte 2006 no dia 11 de outubro. No início do dia, a leitura dramatizada da peça Das Leben des Galilei , de Bretold Brecht, retratou a saga de Galileu Galilei, cientista perseguido na Idade Média por ter comprovado a teoria de Copérnico de que a o sol, e não a Terra, é o centro da universo. À tarde, a apresentação com pernas-de-pau Equilíbrio en Movimiento , da Cia. de Arte Cênica Fayanka, de um grupo de artistas colombianos em visita ao Brasil, contagiou o público. O encerramento do evento ficou por conta a estréia do novo e inédito espetáculo do Corpo de Dança da Maré: Fronteiras. O grupo presenteou os participantes do Simpósio com um lindo espetáculo em dois atos.

Gestores e diretores de centro culturais reuniram-se em uma mesa-redonda para expor iniciativas e reflexões sobre o íntimo diálogo entre ciência e arte nestes espaços. A palestrante Fátima Brito, diretora Casa da Ciência da Universidade Federal do Rio de Janeiro, apontou como a exposição Ciência dá samba? , realizada pela Casa da Ciência em 2004, mostrou a transformação da ciência em enredo da escola de samba Unidos da Tijuca no carnaval carioca. Segundo Fátima, experimentar diversas possibilidades permitiu que uma proposta nova surgisse para o espaço, que não tem público definido e nem exposição permanente. “É preciso ousar e não cristalizar as idéias. A ciência é um fazer humano, portanto é cultura. Temos o dever de sonhar e o direito de realizar. Transformar pessoas é a base para nosso trabalho”, explicou.

Gutemberg Brito
Carlos Pavão defendeu a importância de oferecer
atividades lúicas em centros de ciência

Diretor do Espaço Ciência, um dos maiores museus interativos do país – que ocupa uma área de 120 mil metros quadrados em Recife, Pernambuco –, Carlos Pavão ressaltou a importância de oferecer aos visitantes opções lúdicas. “Sou químico e me considero um artista, afinal de contas, todos representamos. Chegamos aos nossos objetivos de forma mais fácil com o lúdico. Museus de ciência são ambientes culturais preciosos, de conversação e construção do conhecimento”, afirmou. Roberto Guimarães do Instituto Telemar, que abriga o Museu do Telefone, salas de teatro e de exposição multimídia, apresentou a forte relação entre o centro cultural e a tecnologia desde sua criação.

Criatividade como traço comum entre ciência e arte; medicina e literatura

O médico e escritor Moacyr Scliar, foi apresentado pela diretora do IOC, Tania Araújo-Jorge, e pelo presidente da Fiocruz, Paulo Buss, que ressaltou a importância do Simpósio: “É grande a satisfação que temos em sediar este evento. Sou um entusiasta e existe um empenho enorme por parte da Fundação em articular estes dois mundos que tanto representam para a história da cultura humana”, comentou.

Convidado para fazer sua conferência sobre a criatividade na arte e na ciência, Scliar encantou o público com a experiência de um profissional que atua nas duas áreas. “As pessoas me perguntam como me tornei um escritor, sendo médico, e respondo que sempre foi um duplo prazer. Prova disso, é que nunca quis renunciar a nenhuma das duas atividades”, contou. Segundo Scliar, a criatividade é o traço comum entre a medicina e a literatura; a ciência e a arte. “Não conseguimos descobrir porque algo do mundo exterior mobiliza nosso poder de criação, gerando uma obra ficcional. Está no inconsciente, como no sonho”.

Gutemberg Brito
Médico e escritor, Moacyr Scliar mencionou exemplos históricos em que a criatividade inspirou tanto artistas quanto cientistas

O conferencista lembrou que na história da ciência existem inúmeros exemplos de como a criatividade é utilizada por cientistas da mesma forma como inspira artistas. “O cientista Kekulé [ Friedrich August Kekulé von Stradonitz ], propôs a idéia do anel hexagonal de benzeno a partir de um sonho com Ouroboros, a serpente que morde a própria cauda”, exemplificou. Scliar acredita que a criatividade deve servir para melhorar a relação entre as pessoas e afirmou que a aproximação entre ciência e arte é fundamental. “A criatividade significa a abertura para o inesperado e o inesperado é a vida nos dando um recado não habitual. É preciso ousar para promover o reencontro dessas duas culturas que estão seperadas”, finalizou.


Novas formas de comunicação integram ciência e arte

O poeta expressa o amor e outros valores que conhece bem, assim como o pintor, o artesão e o ator. E se estes artistas estivessem afinados com a química ou a biologia? O argumento é de Leopoldo de Meis, professor do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que apresentou a conferência Ciência e Arte para o ensino de ciências. Tratando das relações em sala de aula, o professor observou que seus alunos, apesar de acharem suas aulas boas, não se divertiam durante o processo de aprendizado.

“Descobri que isso ocorre porque, em geral, os estudantes relacionam a ciência ao lógico , ao racional”, Leopoldo refletiu sobre a dicotomia entre emoção e ciência levantada por seus alunos. A partir da premissa de que ciência e emoção se misturam e através de técnicas recentes de tecnologia da informação, o grupo de pesquisa coordenado pelo pesquisador explora as interações entre a ciência, as emoções humanas e a arte da comunicação. “Os músculos expressam nossas emoções. Isto é algo que pode ser ensinado nas salas de aula”, exemplificou, após exibir um dos vídeos em tecnologia 3D que mostra as relações dinâmicas da fisiologia humana. Para Leopoldo, uma das principais estratégias para unir ciência e arte é aprimorar formas de comunicação, checar a qualidade da informação científica e, por fim, questionar a chatice . “É preciso achar o meio-termo entre o lúdico e a chatice. É preciso perceber quando o público boceja”, brincou.

Para concluir os debates desenvolvidos ao longo dos três dias de Simpósio, Tania Araújo-Jorge e Luisa Massarani coordenaram um fórum que reuniu e franqueou a palavra a todos os participantes do evento ao final da tarde do dia 11 de outubro. A platéia foi surpreendida com a apresentação de um mini-monólogo e de performances improvisadas, como um soneto composto durante as conferências. Entre as propostas sugeridas no fórum, destaca-se a criação de uma rede virtual para que experiências sobre a integração de ciência e arte continuem a ser trocadas e o contato entre os participantes seja mantido, a criação de uma revista específica para a área e a manutenção de um site que reúna esses conteúdos e articule as diversas instituições que atualmente atuam nesse campo.

Bel Levy, Gustavo Barreto e Renata Fontoura
19/10/06

IOC - Ciência para a Saúde da População Brasileira