Publicação do Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz - Ano XIII - n0 34 - 08/11/2007

 

Estudo aponta falhas no método molecular usado para identificar o parasito Ascaris lumbricoides

Trabalho premiado no XX Congresso Brasileiro de Parasitologia abre caminho para formas mais apuradas de detectar o verme que atinge 1.4 bilhões de pessoas no mundo

Estudo realizado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC) aponta falhas no método utilizado para identificar o parasito Ascaris lumbricoides, causador da ascaridíase. O estudo mostra pela primeira vez que o marcador molecular usado para identificação genética do parasito – a região ITS-1 (Internal trancribed spacer 1) – pode variar dentro do mesmo indivíduo, o que coloca em xeque a utilização do ITS-1 para diferenciar as espécies de Ascaris sp. O trabalho, desenvolvido pela aluna de doutorado Daniela Leles de Souza no Laboratório de Genética Molecular de Microorganismos do IOC sob orientação da pesquisadora Alena Iñiguez recebeu prêmio de menção honrosa da categoria pôster no XX Congresso Brasileiro de Parasitologia, realizado em Recife entre os dias 28 de outubro e 1 de novembro.

A ascaridíase é a infecção humana pelo verme Ascaris sp., transmitido ao homem principalmente através do consumo de água ou alimentos contaminados com o parasito. O método de diagnóstico tradicional através da identificação dos ovos do parasito no exame parasitológico de amostra fecal, indica que as espécies de Ascaris sp. relacionadas ao homem e ao porco são morfologicamente idênticas. Por isso, precisam ser diferenciadas através de outras ferramentas, como as técnicas moleculares. A região ITS-1 costuma ser utilizada para a identificação de espécies e genótipos de Ascaris sp. Com base nesta metodologia, atualmente são conhecidos 5 genótipos do parasito em humanos e 3 em suínos.

Gutemberg Brito
Daniela Leles de Souza, aluna de mestrado do Laboratório de Genética Molecular de Microorganismos do IOC

Como Daniela explica, o ITS-1 é uma região não codificadora. “Ele está localizado, em eucariontes, entre os genes ribossomais 18S e 5,8S RNA. Como esta região sofre menos pressão seletiva, seria indicada para diferenciar estas espécies. Essa região é utilizada com sucesso para a diferenciação entre espécies de outros parasitos”, descreve. A região ITS é multi-cópia, e acreditava-se que no Ascaris sp. todas estas cópias eram idênticas, o que permitiria sua utilização para caracterizar a espécie do parasita.

Foram analisadas 11 amostras coletadas no Centro de Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP). “Os resultados do seqüenciamento direto da ITS-1 mostrou a presença de um genótipo nunca antes identificado. No entanto, uma contraprova apontou resultado diferente caracterizando os indivíduos como genótipo G1, o mais prevalente mundialmente.” A pesquisadora recorreu à clonagem da região ITS-1, que apontou a existência de regiões ITS-1 diferentes no mesmo indivíduo. “Em um único ovo, por exemplo, encontramos quatro clones de ITS-1 distintos”, Daniela conta. “Com isso, provamos que essa região não é um bom marcador para este parasito, porque existe variação intraindivíduo”. Dessa forma, a análise do ITS-1 não seria segura para a diferenciação das espécies de Ascaris spp.

Na pesquisa o grupo também encontrou um novo genótipo da região ITS-1, que propôs chamar de G6. “Descobrimos que esse genótipo era o mais comum nas amostras analisadas. No entanto, apresentavam variação intraindivíduo”, conta Daniela. Para a pesquisadora, identificar os genótipos em porco e em humanos deveria ser uma das principais preocupações de saúde pública relativas à Ascaris spp. “A população suína é tratada com anti-helmínticos constantemente e resistência a anti-helmínticos já foi verificada. Então, o homem corre o risco de já adquirir um parasito resistente aos fármacos usados para combatê-lo”, Daniela explica.

Para Alena Iñiguez, pesquisadora do Laboratório de Genética Molecular de Microorganismos do IOC e orientadora do estudo de Daniela, o resultado é muito importante também para a pesquisa em saúde pública. “Apesar de termos demonstrado que o ITS-1 não é indicado como marcador para diferenciação das espécies”, argumenta, “o novo genótipo identificado mostra que o Ascaris humano encontrado no Brasil é diferente do resto do mundo”. Por isso, o próximo passo da pesquisa, segundo ela, é realizar testes com outros marcadores moleculares e ampliar a análise em outras regiões do Brasil.

Segundo Iñiguez, a premiação do trabalho de Daniela tem uma grande importância para o laboratório e para a pesquisa genética dos parasitos helmintos. “A acaríase afeta 1,4 bilhão de pessoas no mundo, mas é considerado pela OMS como uma das doenças parasitárias negligenciadas”, afirma. Iñiguez também exalta a relevância da descoberta sobre o ITS-1. “A área que estuda a análise da variabilidade genética para esses parasitos está só começando”, explica. “Agora, vamos estudar outros alvos, como os genes mitocondriais, para podermos conhecer a estrutura da população deste parasito no país, identificar os possíveis marcadores moleculares de espécie e sub-populaçâo, assim como, tentar traçar a história evolutiva destes parasitos, comparando dados de amostras atuais com os de amostras arqueológicas”, antecipa.

 

Marcelo Garcia

 

IOC - Ciência para a Saúde da População Brasileira