Publicação do Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz - Ano XIII - n0 23 - 09/08/2007

 

Relação entre esquistossomose e níveis de colesterol ganha nova perspectiva

Estudo verificou que alto nível de colesterol estimula a reprodução do parasito causador da doença no corpo do hospedeiro

A improvável correlação entre a esquistossomose e altas taxas de colesterol, patologias que divergem tanto por seus agentes causadores quanto por suas características epidemiológicas – a esquistossomose, uma doença parasitária presente, sobretudo em populações expostas a condições precárias de higiene e saneamento, e o hipercolesterolismo, relacionado a hábitos alimentares e independente de situação social – já foi apontada por diversos estudos desde a década de 80. Recentemente, uma pesquisa experimental do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) esclareceu um importante mecanismo que explica esta correlação: o alto nível de colesterol está ligado a uma maior taxa de reprodução do parasito causador da esquistossomose, indicando que a morbidade potencial da doença é ampliada quando associada a altas taxas de colesterol.

Laboratório de Helmintos Parasitos de Vertebrados do IOC
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Pesquisa desenvolvida no Laboratório de Helmintos Parasitos de Vertebrados do IOC confirmou a relação entre o alto nível de colesterol e uma taxa alta de reprodução do parasito causador da esquistossomose.

Em quatro anos de pesquisa, diferentes grupos de camundongos foram induzidos ao aumento de colesterol através de uma dieta elaborada por nutricionistas. Depois de seis meses submetidos a este regime alimentar, os camundongos, já apresentando altas taxas de colesterol, foram infectados com o parasito causador da esquistossomose. A partir da análise das fezes, foi verificado o aumento do número de ovos de Schistosoma mansoni, parasito causador da esquistossomose, na comparação com um grupo controle (animais com dieta normal). Os animais hipercolesristêmicos eliminaram o triplo de ovos nas fezes, sendo que o número de ovos viáveis (aqueles que de fato dão origem a novos parasitos) também era três vezes maior do que nos controles. A significância desses valores foi estatisticamente comprovada.

“Constatamos nos modelos experimentais um aumento na produção de ovos do parasita que causa a esquistossomose quando o colesterol é alto. Portanto, a associação dessas duas patologias se mostra importante, já que verificamos o potencial aumento de morbidade relacionada à esquistossomose”, explica a bióloga e atual pesquisadora visitante Renata Heisler Neves, que desenvolveu o estudo durante seu projeto de doutoramento desenvolvido no Laboratório de Helmintos Parasitos de Vertebrados do IOC.

“Estudos anteriores já evidenciavam que o colesterol é importante no que diz respeito à defesa do parasito. Nosso objetivo foi abordar uma nova perspectiva nesta relação”, a pesquisadora sintetiza. O estudo foi capa da edição de abril da revista Experimental Parasitology.

No Brasil, a esquistossomose está distribuída em todas as regiões do país.  Em pelo menos 19 unidades da Federação, há, segundo estimativas, em torno de 3 milhões de portadores e cerca de 30 milhões de brasileiros expostos ao risco de contraí-la. No mundo, a doença atinge cerca de 200 milhões de pessoas segundo dados da Organização Mundial de Saúde. Já as altas taxas de colesterol são responsáveis por cerca de 56% das cardiopatias e 18% dos acidentes cardiovasculares cerebrais. Entre as duas patologias, aparentemente distantes, a pesquisadora destaca importantes pontos de tangência. “Apesar de estar relacionada a áreas de pobreza, existem focos de esquistossomose em áreas mais nobres. Paralelo a isso, hoje em dia, em função de uma dieta rica em gordura e pobre em outros nutrientes, há um número muito grande de pessoas com alterações metabólicas, como o colesterol alto, independentemente da condição financeira”, Renata pondera, justificando a relevância estratégica de aprofundar os estudos sobre casos de associação.

O próximo passo do estudo aprofundará a investigação na fase crônica da doença – quando os sintomas são mais severos –, já que a primeira etapa foi restrita à fase aguda (inicial) da esquistossomose.  “Já sabemos que o colesterol alto cria um ambiente propício para o parasito na fase aguda da esquistossomose. Agora vamos procurar definir quais mecanismos estão por trás deste processo na fase crônica da doença”, Renata antecipa.

O estudo foi orientado pela pesquisadora Delir Corrêa Gomes, chefe do Laboratório de Helmintos Parasitos de Vertebrados do IOC, e pelo professor José Roberto Machado e Silva, subchefe do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ.

Renata Fontoura

 

 

 

 

 

IOC - Ciência para a Saúde da População Brasileira