Publicação do Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz - Ano XIII - n0 29 - 20/09/2007

 

Debate sobre perspectivas futuras na área marcam encontro dedicado às famílias Simuliidae e Chironomidae

Foram iniciadas ontem, dia 19, as atividades do VI Encontro Brasileiro sobre Taxonomia e Ecologia de Chironomidae e o III Simpósio Latino Americano sobre Simuliidae. O evento, que acontece até o dia 21, é organizado pelo Laboratório de Simulídeos e Oncorcecose do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) e reúne cerca de cem participantes entre pesquisadores e estudantes que se dedicam ao estudo da família Simuliidae, cujos representantes são conhecidos popularmente no Brasil como borrachudos ou piuns, e da família Chironomidae, que inclui insetos de importância ecológica por sua utilização como bioindicadores. A homenagem ao pesquisador do IOC Sebastião Oliveira, um dos pioneiros no estudo de Chironomidae no Brasil, e discussões sobre as perspectivas futuras para área marcaram o primeiro dia de programação.

Em sua fala de abertura, a diretora do IOC Tania Araújo-Jorge afirmou ser um orgulho para o Instituto sediar o evento. “Num momento em que vivemos os desafios das mudanças no meio ambiente, é importante direcionar a inteligência de uma comunidade como esta para discussões relacionadas ao tema. Tenho certeza que daqui sairão recomendações importantes no campo da pesquisa e vigilância”, sintetizou.

Gutemberg Brito
Publico
Cerca de 100 participantes acompanham as apresentações e mesas redondas do evento, que acontece até o dia 21

Logo em seguida, foi realizada uma homenagem ao pesquisador do IOC Sebastião Oliveira, morto em abril de 2005. Um dos pioneiros no estudo de Chironomidae no Brasil, o médico veterinário iniciou suas atividades na década de 1940 e foi um dos dez pesquisadores cassados no episódio conhecido como Massacre de Manguinhos, em 1970. Autor de mais de 95 trabalhos científicos e de divulgação, defendeu sua tese de doutorado em 1998, aos 80 anos, no Programa de Pós-graduação em Biologia Parasitária do IOC.

“Fui convidada a organizar uma exposição de fotos para ilustrar a trajetória de meu pai. Pensei que seria fácil, mas me enganei. Por isso, resolvi fazer algo mais detalhado, que acabou virando um projeto com lançamento previsto para o ano que vem”, explicou Leila Oliveira, filha do pesquisador, anunciando o lançamento do projeto Sebastião Oliveira: Uma trajetória de amor à ciência – Vida e obra, que será realizado em 2008.

Gutemberg Brito
homenagem Dr. Sebatião
O projeto Sebastião Oliveira: Uma trajetória de amor à ciência – Vida e obra, foi anunciado pela filha do pesquisador, Leila Oliveira.

A Conferência sobre Taxonomia, com a participação dos pesquisadores Susana Trivinho-Strixino, da Universidade Federal de São Carlos, e Anthony Shelley, do British Museum, no Reino Unido, que já atuou com pesquisador adjunto no IOC, abriu o ciclo de palestras do evento. Em sua exposição Suzana fez um balanço dos 13 anos de encontros sobre a família Chironomidae, mostrando os avanços no conhecimento taxonômico da área e apontando os desafios a serem superados. “De 1996 a 2007 houve um aumento significativo no número de espécies descritas no Brasil. Porém, só conhecemos a forma larvar de apenas 24% dessas espécies”, ponderou.

Anthony Shelley iniciou sua palestra sobre a família Simuliidae relembrando pioneiros da área, como o pesquisador do IOC Adolpho Lutz, que reuniu 1.400 exemplares dos insetos em sua coleção. “Além da taxonomia, o estudo da família é importante porque estes insetos são vetores de filárias, como as causadoras da oncocercose e mansonelose”, avaliou. Shelley expôs os avanços nas técnicas para padronizar os estudos sobre simulídeos, desenvolvidas pelo British Museumem parceria com o Laboratório de Simulídeos e Oncocercose do IOC, e apontou as perspectivas para o futuro. “O DNA e a citologia devem ser utilizados nos estudos dos complexos de espécies e uma revisão da filogenia baseada em métodos taxômicos precisa ser feita”, provocou. 

À tarde, os participantes dividiram-se em dois grupos para debater as famílias Chironomidae e Simuliidae. Em atividades simultâneas, apresentações orais e mesas redondas abordaram aspectos da taxonomia de Chironomidae e Simuliidae neotropicais. No grupo da família Chironomidae, os pesquisadores Anália Paggi, do Museu de La Plata na Argentina, Ângela Sanseverino, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Maria da Conceição Messias, do Museu Nacional da UFRJ, foram as palestrantes convidadas. No grupo da família Simuliidae palestraram Sixto-Coscarón, também do Museu de La Plata na Argentina, Anthony Shelley, do British Museum, e Victor Py Daniel, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia.

“No segundo dia, estamos dando continuidade aos ciclos de palestras e mesas redondas. Na sexta-feira, último dia de evento, além da definição de itens relativos à próxima edição, os dois grupos apresentarão em uma conferência geral os resultados dos debates e trarão propostas para que possamos contribuir com questões relacionadas ao meio ambiente, taxonomia e epidemiologia com base no que foi discutido durante os três dias de encontro”, resume Marilza Herzog, uma das coordenadoras do evento e chefe do Laboratório de Simulídeos e Oncocercose do IOC, que atua como centro de referência nacional no tema para o Ministério da Saúde. 

 

Controle e conservação de insetos é tema do segundo dia de evento

No dia 20, segundo dia de evento, o controle e conservação de simulídeos e quironomídeos foram os principais temas. Na parte da manhã, três pesquisadores discutiram a ecologia destas famílias. A mesa redonda – mediada pelo doutorando Ronaldo Figueiró, do Laboratório de Simulídeos e Oncocercose do IOC e da UFRJ – contou com a participação dos pesquisadores Carlos Coutinho (Instituto Butantan/SP), Gilberto Rodrigues (UFRGS) e Fábio Roque (USP Ribeirão Preto).

O pesquisador do Instituto Butantan, Carlos Coutinho, destacou em sua fala o impacto do controle de simulídeos em uma área que abrange quatro municípios do litoral norte de São Paulo, apontando avanços e dificuldades. Coutinho destacou as dificuldades para averiguar resultados do controle e caracterizou a ecologia local e suas especificidades.

Para contextualizar as ações realizadas em São Paulo, Coutinho fez uma ampla abordagem do tema, traçando as ferramentas utilizadas mundial no controle dos simulídeos, como as técnicas de remoção de substratos (feita até os anos 1940), a utilização do pesticida Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT) – cujo impacto era notavelmente agressivo para o meio ambiente – e, mais recentemente, o organofosforado Temephos (dos anos 1970 até hoje), que desenvolve uma resistência cruzada no ambiente.

Dos anos 1980 para cá, explicou o pesquisador, começou a ser utilizado o biolarvicida Bacillus thuringiensis israelensis (Bti) – um grupo de bactérias utilizadas no controle biológico dos simulídeos e quironomídeos, entre outros mosquitos. Ele traçou um panorama do uso destas ferramentas no Brasil, desde os anos 1950, lembrando que até hoje os resíduos de DDT podem ser encontrados em alguns lugares, apesar da droga ter sido abandonada na década de 1970.

“Temos que lembrar que controlar inseto não é matar inseto. Trata-se de proteger a população humana”, ressaltou. Ele destacou que o biolarvicida é mais caro que os larvicidas químicos. “Só o programa de controle que é aplicado em quatro municípios do litoral norte de São Paulo consome 59 mil dólares por mês, o que causa uma pressão política muito grande para que o programa acabe”, afirmou.

O pesquisador Gilberto Rodrigues, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), destacou elementos da ecologia terrestre e aquática daquele Estado. “Sistemas aquáticos são corredores naturais com rica e diversa biota”, afirmou. Ele lembrou que estes são ecossistemas únicos, por possuírem fluxo contínuo de águas, aporte e transporte de material alóctone (proveniente de outro local), entre outros aspectos. “Estes elementos influenciam a diversidade local, a biomassa e a produtividade dos rios”, destacou.

O objetivo dos estudos desenvolvidos por Gilberto e sua equipe é entender os padrões das comunidades de mosquitos ao longo dos rios e na mata ciliar (formação vegetal localizada nas margens dos córregos, lagos, represas e nascentes). Entre as espécies pesquisadas, estão os quironomídeos.

O pesquisador Fábio Roque, da USP de Ribeirão Preto, abordou a conservação da biodiversidade e a criação de uma agenda para o estudo de quironomídeos. Fábio destacou a ausência dos quironomídeos e dos simulídeos nas listas internacionais de biodiversidade. “Será este o quadro real?”, questionou. Fábio lembrou que, nos anos 1980, surgiu a Biologia da Conservação, que reunia diversas disciplinas distintas e promovia uma interface entre várias áreas do conhecimento.

Segundo o pesquisador, os insetos são grande parte da biodiversidade no mundo – ainda pouco explorados e com estimativas grosseiras. “São muito importantes para a biomassa e para o fluxo de energia do planeta. Os insetos são importantes, pois os processos ecológicos são quantificáveis e até valoráveis”, lembrou. Outra questão notável é a econômica, como o exemplo das perdas com a produção de maracujá no Estado de São Paulo.

Entre os principais problemas apontados pelo pesquisador estão o mau uso do solo, as espécies invasoras, a fragmentação e perda de habitat e conseqüentes impactos sinergéticos, a poluição de áreas de conservação e as mudanças climáticas. Ao final da apresentação, o pesquisador Fábio Roque destacou o trabalho de dois projetos que tratam do assunto – o Projeto Biota e um projeto recente na Amazônia envolvendo instituições de todo o país. E concluiu, provocando a construção ética da conservação baseada puramente na construção humana: “Os insetos não têm o direito à vida. Nós é que não temos o direito de extinguí-los”.

Confira a programação completa www.ioc.fiocruz.br/ebcelas.

Renata Fontoura e Gustavo Barreto
20/09/2007

 

 

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