Em carta aberta, o parasitologista Luís Rey agradece as homenagens por seus 88 anos

Há vinte anos pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), responsável pela criação do Laboratório de Biologia e Controle da Esquistossomose no IOC , o pesquisador Luís Rey tornou-se conhecido por desenvolver projetos em esquistossomose em focos de baixa endemicidade, associando conhecimentos acumulados pela pesquisa cientifica à efetiva aplicação dos conhecimentos no controle da endemia. Rey também é autor do Dicionário de Termos Técnicos de Medicina e Saúde e da autobiografia Um Médico e Dois Exílios, entre outros títulos.

Em carta aberta, o pesquisador agradece as homenagens rendidas por seu aniversário de 88 anos, celebrado no último dia 25 de março e comemorado no dia 31 do mesmo mês com uma edição especial do Centro de Estudos do IOC, quando uma palestra dedicada a sua trajetória foi apresentado por Paulo D'Andrea, atual chefe do Laboratório criado por Rey. Durante o evento, que contou com um auditório repleto, superando as 150 pessoas, foi lançado o vídeo-documentário Dr. Luís Rey: O médico de dois exílios, produzido pelo Setor de Produção e Tratamento de Imagens do IOC. Com o roteiro baseado em sua autobiografia, o vídeo percorre a trajetória de vida do parasitologista, desde a carreira acadêmica como professor da Universidade de São Paulo e a viagem de cinco meses a diversas regiões do país até o eficiente trabalho de saúde pública realizado na Tunísia, país do norte da África, como epidemiologista contratado pela Organização Mundial de Saúde.

Confira, abaixo, a carta aberta do pesquisador:

" Agradecendo as homenagens pelos 88 anos 

Meus amigos,

É com grande emoção e alegria que recebo estas homenagens do IOC/Fiocruz pela capacidade de sobreviver depois de 88 anos de existência neste mundo estranho.

Nesta altura dos acontecimentos, não se pode evitar pensar no longo tempo vivido e em como ele foi utilizado. Apesar de já ter escrito minhas memórias para diversão dos curiosos e dos que perguntam o que eu tenho feito até aqui, volto sempre a me questionar.

Que aconteceu desde que fui concebido pelos meus pais, em um momento de grande alegria, e depois que eu fui violentamente expulso do paraíso uterino, chorando muito.

E então. Será que nasci para ser mais um mamífero sinantrópico, destinado a contribuir para manter o crescimento demográfico no planeta?

Ensinaram-me que não.

Mas o mundo aqui fora não é mole. Ter que aprender a ler e a escrever, a fazer cálculos complicados e em geral inúteis; saber quem construiu as pirâmides do Egito e como Jeová construiu o mundo em apenas seis dias (de domingo a sexta-feira), para compreender mais tarde que isso é pura bobagem.

Passar anos na Faculdade para saber como era a Medicina na primeira metade do século XX, e seguir depois correndo atrás das novidades a fim de mudar de classe social e passar a ser considerado um profissional compete e bem remunerado.

A Medicina que espera as pessoas adoecerem para depois ver o que se pode fazer por elas não me seduziu. Mas a Medicina Preventiva sim. Optei pela Saúde Pública e pelo controle das grandes endemias parasitárias.

Fazer pesquisas e ensinar Parasitologia na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) passou a ser uma atividade agradável; recreativa mesmo, como dizia meu amigo Leônidas Deane, mas socialmente bem aceita. O que me levou a fazer doutorado e livre-docência nessa área.

À medida que me viciava em ensino e comunicação científica, propus-me a organizar a Revista do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo – que já comemorou mais de 40 anos de existência.

Como sou muito preguiçoso, e para não ter que explicar a cada autor como deveria redigir seus trabalhos destinados à Revista , resolvi escrever um manual para isso, que agora se chama Planejar e redigir trabalhos científicos.

Pela mesma razão, e para não ter que preparar minhas aulas todas as vezes que me cabia ensinar, escrevi o livro Parasitologia . O que me assegurou grande descanso e mais tempo livre para tomar cerveja e passear.

Com a publicação do Dicionário de termos técnicos de Medicina e Saúde sucedeu algo parecido: cansei-me de andar buscando, nos numerosos dicionários que consultava com freqüência, termos e explicações que em geral não me satisfaziam. Então, decidi organizar de uma vez o dicionário que me convinha. Para financia-lo, negociei com a Editora Guanabara, que já editava a Parasitologia .

Valeu a pena; pois, além do Prêmio Jaboti-2000, tenho recebido inúmeros elogios das moças daqui e de outras instituições. A opinião dos rapazes me interessa menos.

Acontece que tanto o Dicionário como a Parasitologia pesam em torno de 2,5 kg cada e tenho notado que, quando as pessoas os retiram da estante para uma consulta, soltam um discreto gemido e fazem muito esforço para mantê-los entre as mãos.

Por isso, decidi fazer uma edição mais leve da Parasitologia , com 350 páginas em vez das 850 da outra, sob o nome de Bases da Parasitologia Médica . Edição esta que tem sido muito procurada.

Para as pessoas com musculatura delicada, já se encontra no prelo um Dicionário da Saúde , orientado sobretudo para essa área do conhecimento e com peso reduzido. A Editora Guanabara promete lançá-lo no mês de junho.

Escrever livros é uma diversão bem remunerada e que mantém a cuca do autor bem arejada. A atividade editorial é particularmente recomendada para pessoas que já entraram na terceira ou na quarta idade e que não gostam de ver televisão.

É uma forma de transmitir a experiência acumulada ao longo dos anos e de contribuir para a formação das novas gerações, na mesma especialidade. Para mim, é também um veículo para disseminar idéias renovadoras, baseadas no conhecimento científico, necessárias à vida no mundo de amanhã: um mundo seguramente muito melhor que este.

Quero aproveitar a oportunidade para agradecer as homenagens que hoje me são prestadas e pelas atenções e o carinho com que venho sendo tratado desde que ingressei no Instituto, há mais de vinte anos.

Muito obrigado a todos.

L. Rey "

04/04/2006

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