Debate sobre open source reúne especialistas no campo da bioinformática

Pesquisadores de todo o mundo na área de bioinformática participam da 7ª Conferência Anual sobre Open Source em Bioinformática (BOSC), que começa amanhã em Fortaleza. A palestra inaugural da BOSC, evento satélite da 14ª Conferência Internacional sobre Sistemas Inteligentes para Biologia Molecular, que pela primeira vez acontece no Brasil, será apresentada por Alberto Dávila, pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC). Em entrevista, o bioinformata do Laboratório de Biologia Molecular de Tripanossomatídeos do IOC discute a evolução dos softwares frente aos desafios colocados pelo open source e seus desdobramentos sobre os conhecimentos em bioinformática.

Arte de Rodrigo Ávila
O mundo vivencia hoje a existência de duas importantes correntes no que diz respeito a softwares: os softwares proprietários e os open source. Como podemos definir estas correntes opostas?

Ambos, as patentes e o open source, são estratégias para o desenvolvimento. Com as patentes é possível garantir direitos autorais e pode-se lucrar financeiramente com isso. Embora seja uma filosofia diferente, no open source também é possível lucrar: existem diferentes licenças - a mais conhecida é a GPL - que explicitam que qualquer pessoa pode ter acesso ao código fonte do software, modificá-lo e redistribuí-lo desde que seja mantido e citado o nome do desenvolvedor original. É muito comum a confusão de que não se pode lucrar com open source - o que não é possível é vender o código, mas é possível, por exemplo, cobrar pela distribuição, suporte, consultoria, manuais.

 

De que modo o conceito de open source está relacionado à própria evolução dos softwares?

Graças ao open source, muitos softwares com função parecida com os proprietários têm aparecido. Isto tem sido crucial para o desenvolvimento desses e de outros softwares. É como um sistema de retroalimentação: a
comunidade do open source consegue resolver bugs com maior rapidez, pois os próprios desenvolvedores são também usuários. Os desenvolvedores de softwares proprietários usam os programas open source como fonte de "inspiração" para seus próprios desenvolvimentos. Sem open source, somente as empresas que desenvolvem software proprietário teriam acesso à tecnologia – ou seja, aos algoritmos – e, conseqüentemente, poderiam surgir monopólios.

Qual a diferença entre software livre e open source?

Precisamos ter cuidado ao usar o termo "software livre", que vem do inglês "freeware". Nem sempre o "freeware" é open source. Usar open source significa ter acesso ao código fonte. Isso significa ter acesso à tecnologia, poder modificar os algoritmos de acordo com necessidades e prioridades específicas do usuário. Considerando a enorme redução de custos em licenças que a adoção do open source implica, é inevitável mencionar que é preciso treinar recursos humanos no desenvolvimento e manutenção de open source; um custo que termina, ainda assim, sendo mais em conta do que o preço de não dotar o open source.

Em poucas palavras, a bioinformática combina conhecimentos científicos e de computação para processar dados biológicos. Para tratar os dados é necessário desenvolver softwares que podem identificar genes, por exemplo. Na bioinformática, podemos dizer que a questão do software open source é estratégica?

De maneira geral, a Bioinformática é multidisciplinar e tem como foco principal as inferências de informações biológicas a partir de genes, genomas, proteínas e estruturas. Em linhas gerais, o bioinformata pode ser um desenvolvedor de software, desde que cumpra os requisitos mencionados anteriormente, ou alguém que analise dados, como genes, genomas, proteínas e estruturas. A maioria dos programas usados em Bioinformática são open source, pois a maioria foi desenvolvida para Linux.

O desenvolvimento de novos softwares é um dos objetivos das pesquisas em bioinformática desenvolvidas no Laboratório de Biologia Molecular de Tripanossomatídeos do IOC?

Nosso grupo trabalha tanto no desenvolvimento de software para análise e anotação de genomas, como na própria análise de diferentes genomas, o que chamamos de genômica comparativa. Investigamos a evolução desses genomas e também procuramos identificar alvos potencias para o desenvolvimento de diagnósticos e drogas.

Você edita a revista eletrônica Kinetoplastid Biology and Disease . De que forma o conceito de open access está inserido na dinâmica da publicação?

A revista Kinetoplastid Biology and Disease está entrando no seu quarto ano de funcionamento e recentemente recebeu um fator de impacto, ainda não-oficial, de 1.94. Este índice colocaria a revista no quinto lugar entre todas as revistas de parasitologia e no terceiro lugar se considerarmos apenas as revistas de parasitologia que publicam pesquisas originais. Estamos trabalhando em conjunto com o comitê editorial visando sermos avaliados pelo ISI assim que possível, pois somente assim poderemos ter finalmente um fator de impacto oficial. Nós fomos pioneiros no uso do formato "open access", o que significa que todos os artigos publicados segundo este modelo são disponíveis gratuitamente no website da revista – qualquer um pode baixar o conteúdo e redistribuí-lo, desde que preserve a citação original dos autores do artigo.

Como você avalia a situação do debate sobre open sources no Brasil atualmente?

O debate tem evoluído bastante no Brasil, e o open source, principalmente o Linux, está ganhando bastante espaço nos desktops, sendo que o Linux já era reconhecidamente o preferido em servidores. Singapura, entre outros, é um dos países onde o open source e Linux estão sendo adotados em massa.

Qual tema você apresentará na abertura da Conferência?

Falarei sobre o consórcio BiowebDB e sobre como a plataforma de genômica comparativa que está sendo desenvolvida pelo Laboratório de Biologia Molecular de Tripanossomatídeos do IOC em colaboração com a UFRJ, IME e UFSC poderá evoluir para uma plataforma de biologia de sistemas tendo como foco preliminar as doenças negligenciadas.

Como surgiu o convite para participar da palestra de abertura junto com Amos Bairoch, um dos principais expoentes no tema?

O convite surgiu porque a Open Bioinformatics Foundation (OBF), que organiza o evento, ficou sensibilizada com o paper Tropical diseases, pathogens, and vectors biodiversity in developing countries: need for development of genomics and bioinformatics approaches [ Davila AM, Steindel M, Grisard EC]. O Dr. Amos Bairoch está certamente entre os pesquisadores mais importantes da Bioinformática, pois desenvolveu e mantém o Uniprot, o melhor e mais completo banco de dados de proteomas anotado funcionalmente e curado manualmente.

Raquel Aguiar
03/08/06


 

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