Escape viral é tema de debate em seminário sobre patogênese do HIV

Se o organismo humano possui células de defesa capazes de reconhecer o HIV – os linfócitos T citotóxicos – por que mais de 40 milhões de pessoas morrem por ano, no mundo, de causas relacionadas à Aids? Com base nesta pergunta instigadora, o pesquisador David Watkins conduziu os debates do terceiro dia do Seminário Avançado sobre Patogênese em HIV/AIDS, realizado de 23 a 27 de outubro pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC) com apoio do Programa Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde. O tema deu continuidade ao debate inaugurado ontem (dia 24) pelo pesquisador, que apresentou o funcionamento da imunidade celular frente à infecção por HIV

A resposta para o questionamento exposto por Watkins reside sobretudo na alta capacidade de mutação do vírus. Para comprovar a afirmação, o palestrante expôs artigo publicado pela revista científica Nature em 2000 sobre um estudo que avaliou a reação imunológica de dez macacos infectados em laboratório por clones idênticos do vírus SIVmac239, microorganismo semelhante ao HIV que infecta símios e serve de modelo para o estudo da Aids.

Os autores do estudo avaliaram o número de linfócitos T citotóxicos que respondeu ao vírus, realizaram o seqüenciamento viral duas, quatro, seis e oito semanas após a infecção e constataram o escape viral quatro semanas após a indução da infecção. Isso significa que em apenas quatro semanas o vírus havia se modificado de tal forma que não podia mais ser reconhecido por linfócitos T citotóxicos.

Watkins ressaltou que, apesar de sua alta capacidade mutagênica, o vírus precisa conservar parte de sua estrutura para replicar-se e que devem ser justamente estas regiões preservadas a base para a investigação de um possível imunobiológico.

À tarde, o debate abordou os mecanismos de escape do vírus que tornam ineficiente a resposta de anticorpos presentes no organismo humano durante a infecção – questão que intriga pesquisadores envolvidos em estudos para a produção de uma vacina contra o HIV-1, uma vez que a maioria das vacinas bem-sucedidas para outras doenças, como a gripe, funcionam a partir da indução de anticorpos contra o patógeno.

No caso do HIV- 1, a indução de anticorpos é um desafio porque o vírus possui mecanismos de escape que “enganam” as células de defesa do hospedeiro e permitem sua replicação. Um dos empecilhos à ação desse tipo de resposta imune é o envelope do vírus, que contém uma camada de carboidratos que funciona como um escudo e impede a ação de anticorpos. Esse escudo esconde as proteínas essenciais ao vírus – que seriam o alvo dos anticorpos – e deixa expostas suas regiões não-essenciais, que podem ser reconhecidas por anticorpos, mas sofrem constantes alterações em função da propriedade mutagênica do HIV-1. Por conta desses mecanismos de escape, as estratégias utilizadas para a produção de uma vacina contra o HIV-1 não têm apresentado resultados concretos e a indução de anticorpos que neutralizem o vírus permanece como um desafio à comunidade científica.

Foram apresentados os trabalhos Genetic diversity of integrase in HIV-1 subtypes B, F and C prevalent in Brazil: study in drug naive and multidrug resistant individuals reveals impact for drug resistance , do Laboratório de AIDS e Imunologia Molecular do IOC; Biological and molecular characterization of HIV-1 intersubtype recombinants circulating in São Paulo State , do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP); Plasma viral load threshold for sustaining intra-host HIV-1 evolution , realizado em parceria pelo Laboratório de AIDS e Imunologia Molecular do IOC, o Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz), o Centro Nacional de Microbiologia e o Centro Sanitário Sandoval, ambos de Madri, Espanha; Effects of the compound 6-chloro-1,4-dihidro-4-oxo-1-(B-D-ribofuranosil) quinoline-3-carboxilic acid against the in vitro replication of the herpes simplex type 1 and HIV-1 , realizado em parceria pelo Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, os institutos de Química e de Biologia da UFF e o Departamento de Imunologia do IOC; e Caracterização genética dos genes CCR-5 e alelos HLA classe I B em usuários de drogas injetáveis do Rio de Janeiro infectados e não-infectados pelo HIV-1 , realizado em parceria pelo Laboratório de AIDS e Imunologia Molecular do IOC e o Departamento de Informações em Saúde do Centro de Informação Científica e Tecnológica (CICI/Fiocruz).


Bel Levy
25/10/2006

 

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