Testes de microbicida anti-HIV brasileiro serão iniciados em 2007

A iniciativa brasileira para o desenvolvimento de um microbicida anti-HIV – uma parceria entre o Instituto Oswaldo Cruz (IOC), a Universidade Federal Fluminense (UFF), a Fundação Ataulpho de Paiva (FAP) e o centro inglês Saint George's Medical School – iniciará em 2007 a testagem de substâncias com potencial atividade anti-HIV em animais de experimentação, em células humanas e em tecido humano. O objetivo é desenvolver um microbicida: um produto de uso tópico na área genital que possa prevenir a transmissão do vírus. A primeira substância a ser testada é um composto químico extraído de algas marinhas de origem nacional.

"Esse projeto é resultado da convergência de diferentes interesses científicos na investigação de um produto nacional que possa combater o vírus da Aids. O desenvolvimento de um microbicida anti-HIV significará uma grande economia para o país, que gasta quase R$ 1 bilhão por ano com a compra e fabricação de medicamentos que foram desenvolvidos no exterior", apresenta Luiz Roberto Castello Branco, chefe do Laboratório de Imunologia Clínica do IOC e coordenador do projeto interdisciplinar, que integra pesquisadores dos laboratórios de Imunologia Clínica, de Imunoparasitologia e de Pesquisa em Auto-imunidade e Imuno-regulação do IOC.

A primeira substância a ser testada, extraída a partir de uma determinada espécie de algas marinhas, mostrou-se bastante eficiente para o controle da replicação do HIV-1 em testes in vitro. "A substância, caracterizada como um dolabelano diterpeno, inibiu em até 95% a replicação do vírus em linfócitos e macrófagos, células envolvidas na resposta imunológica do organismo", confirma Dumith Chequer Bou-Habib, pesquisador do Laboratório de Imunologia Clínica do IOC que coordenou os estudos responsáveis por avaliar a ação do dolabelano diterpeno na inibição da replicação do HIV-1, realizados em parceria com a UFF.

O estudo do efeito da substância em animais de experimentação terá início em maio de 2007. "O estudo pré-clínico em animais é indispensável para a testagem em humanos. Já temos a autorização da Comissão de Ética no Uso de Animais da Fiocruz para realizar testes em camundongos", apresenta Fátima Conceição-Silva, pesquisadora do Laboratório de Imunoparasitologia do IOC que coordenará esta fase do estudo. "O teste consistirá na avaliação da segurança do produto em camundongos fêmeas, através da aplicação tópica da substância, para avaliar possíveis alterações locais na área genital e alterações sistêmicas, isto é, em outros órgãos e no sangue", descreve a pesquisadora.

Em paralelo, serão realizados testes em fragmentos de tecido humano do cérvix uterino, retirados por biópsia e mantidos vivos em cultura em laboratório. Essa técnica, denominada explante , é disponível somente na Inglaterra e por isso essa etapa da pesquisa será realizada no Centro de Testagem de Microbicidas da Divisão de Doenças Infecciosas do Saint George's Medical School. "Mais um ponto positivo deste projeto é a transferência da tecnologia de explantes para o Brasil, através de cooperação internacional. O objetivo é trazer a tecnologia para nosso país, para a realização de futuros testes em território nacional, o que já foi acordado com Robin Shattock, diretor do centro e idealizador dos testes", Castello Branco antecipa.

Além do avanço científico-tecnológico que representa e da economia financeira que poderá gerar, um microbicida eficiente contra o HIV significará a independência feminina na prevenção da Aids – até hoje, o único método preventivo eficaz contra a doença é o uso de preservativo, muitas vezes rejeitado por homens casados que mantêm relações extraconjugais e por culturas repressoras quanto ao papel da mulher.

"Esse é um projeto ambicioso, mas factível e necessário, e nós temos todas as condições para concretizá-lo através da abordagem abrangente de uma equipe interdisciplinar", Fátima avalia. Joseli Lannes, chefe do Laboratório de Pesquisa em Auto-imunidade e Imuno-regulação do IOC, concorda: "É essa riqueza de abordagens, que inclui considerações da área da patologia e da imunologia, estudos pré-clínicos, experimentação animal, entre outros aspectos, que torna possível a realização do projeto". Castello Branco completa, abrindo as portas para novas parcerias: "Recebemos importante apoio do Programa Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids do Ministério da Saúde, mas estamos abertos a novas colaborações", convida.


Bel Levy
15/01/07