Esponjas de água doce deram origem à epidemia de doença ocular no Tocantins

A origem de uma epidemia ocular que em 2005 atingiu 200 crianças e jovens no município de Araguatins, localizado à margem esquerda do rio Araguaia, em Tocantins, acaba de ser desvendada por um esforço de investigação empreendido por um grupo multidisciplinar de pesquisadores e concluído no Laboratório de Patologia do Instituto Oswaldo Cruz (IOC). A conclusão é de que duas espécies de esponjas de água doce atuaram como agentes etiológicos causadores da infecção ocular . A descoberta acaba de ser publicada nas Memórias do Instituto Oswaldo Cruz. O estudo contou com a participação da especialista em esponjas fluviais , Cecília Volkmer-Ribeiro, pesquisadora da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, e também envolveu oftalmologistas e técnicos da Secretarias Estaduais de Saúde de Augustinópolis e Palmas , o pesquisador Fernando Oréfice, da Universidade Federal de Minas Gerais, e a pesquisadora Janice Coelho, do Instituto de Pesquisas Evandro Chagas.

Na imagem obtida através de microscopia confocal é possível visualizar as espículas
em cortes radiais.

“A relação entre as esponjas e a epidemia ocular de Araguatins já era uma hipótese , sugerida pela pesquisadora Cecília Volkmer Ribeiro , mas a presença dos espinhos que provocam as lesões ainda não havia sido confirmada. Como as lesões servem como porta de entrada para fungos e outros microorganismos patogênicos , e como o solo da região é rico em vermes , surgiram hipóteses sobre a origem parasitária da infecção – o que , no entanto , não foi verificado”, apresenta o pesquisador Henrique Leonel Lenzi , que coordenou o estudo no Laboratório de Patologia do IOC junto com o pesquisador Marcelo Pelajo Machado. “ Depois de estudar amostras de esponjas e de observar o material retirado de pacientes , percebemos a presença de espículas que caracterizam duas espécies de esponjas fluviais e pudemos, então , afirmar finalmente a origem das lesões oculares ”, Lenzi descreve.

As esponjas em questão possuem um esqueleto espinhoso , composto de espículas que as tornam mais resistentes e que , uma vez dispersas na água , podem penetrar na pele , em tecidos conjuntivos e mucosas ( olhos , boca , nariz e tubo digestivo ) de pessoas e animais que entrem em contato com a água do rio . Antigas tribos indígenas que ocuparam a região já reconheciam o perigo representado pelas esponjas em épocas de seca do rio , quando elas ficam expostas ao ar , secam e liberam as espículas. As águas ricas em espículas formavam uma espuma que os índios chamavam de cauí ou cauxi .

“O rio representa importante atividade turística para a cidade de Araguatins e por isso há muitos anos foram colocadas dragas em seu leito – o que alterou o fluxo de dispersão das esponjas , levando-as do fundo do rio para sua superfície”, Lenzi destaca. “Somado a isso , a intensificação do uso do rio para atividades recreativas como banho e mergulho pode ter ocasionado a epidemia. A confirmação de que essas esponjas podem causar patologias oculares alerta para o perigo do uso destas águas ”, completa .

Ao comprovar a origem da epidemia , o estudo alerta para a importância de avaliação e controle da qualidade das águas utilizadas para banho e mergulho, pois epidemias semelhantes já ocorreram em outras partes do mundo . Como as esponjas fazem parte da fauna local e sua extinção pode gerar grave desequilíbrio ecológico , com danos também à saúde humana , a única recomendação médica é a atitude preventiva, através da proibição do contato de crianças com a água do rio , da realização de programas de educação sobre saúde ambiental e do alerta sobre a epidemia por administradores públicos e serviços comunitários de saúde .

Para complementar a pesquisa e aprofundar o conhecimento sobre a patologia , como o mecanismo de entrada das espículas na conjuntiva, os pesquisadores estudarão uma infecção experimental induzida em coelhos – etapa que será realizada em parceria com a equipe do pesquisador Omar Carvalho , do Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR), unidade da Fiocruz em Minas Gerais.

Bel Levy
23/01/07