O futuro das patentes de biotecnologia, artigo de Claudia Ines Chamas*

A atual composição do Congresso americano, renovada em novembro de 2006, certamente trará novos rumos para a regulação da propriedade intelectual nos Estados Unidos. De acordo com a Associação Americana de Leis de Propriedade Intelectual, o mandato anterior (2004-2006) propiciou o surgimento de 40 projetos de lei nesta área.

Na presente legislatura, mais democrata do que republicana, não se sabe ainda qual o nível de prioridade que será dado ao processo de reforma do sistema de patentes e aos assuntos relacionados à proteção de produtos biotecnológicos. No entanto, pelo menos uma iniciativa já foi encaminhada.

Em 9 de fevereiro, o projeto de lei intitulado Pesquisa Genômica e Acessibilidade foi apresentado pelos deputados Xavier Becerra, da Califórnia, e David Weldon, da Flórida.

O texto propõe a proibição do patenteamento de material genético humano de ocorrência natural ou modificada. O impedimento visa garantir o acesso irrestrito aos resultados das pesquisas realizadas com genes humanos, evitando a formação de monopólios em uma área bastante sensível.

Se o espírito do Projeto Genoma Humano é permitir o avanço da ciência, visando ao bem-estar da coletividade, a apropriação privada da matéria torna-se alvo de questionamentos de ordem moral e econômica.

Inserido em um contexto de política tecnológica e industrial, o sistema de patentes busca favorecer os investimentos, na medida em que possibilita ao titular da patente manter, por tempo limitado, exclusividade na exploração comercial do seu invento.

Em contrapartida, para promover o equilíbrio e preservar o interesse geral da sociedade, o conteúdo da patente fica disponível em bancos de dados públicos. Assim, estimula-se a continuidade do processo de geração de inovações.

Qualquer interessado pode consultar este estoque de informações e gerar novas invenções e patentes a partir do contido no estado da técnica.

Desde a década de 1980, as patentes biotecnológicas inserem componentes complexos ao velho sistema. Patentes de amplo escopo são concedidas.

Muitas patentes são contestadas administrativa ou judicialmente por não atenderem, de modo satisfatório, os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial, tornando o sistema mais caro e lento.

Nos países desenvolvidos, incertezas de grande magnitude pautam a proteção das invenções biotecnológicas. Patentes de natureza excessiva exercem um efeito inverso ao esperado: inibem a pesquisa em função de temores quanto a violações de direitos de terceiros.

Como afirma o autor americano Michael Crichton, em recente artigo publicado no jornal The New York Times, patentes de genes não são benignas.

Ele lembra o caso das patentes dos genes BRCA para detecção de predisposição ao câncer de mama, que sofreram oposição no Escritório Europeu de Patentes, ocasionando perda substancial do monopólio. Métodos alternativos de diagnóstico foram desenvolvidos por institutos europeus a custos bem mais baixos.

Estudos realizados em 2006 ("Hopkins et al") com financiamento da Comunidade Européia apontam um cenário atual pouco favorável a ações especulativas com patentes de seqüências genéticas (humanas e não-humanas). Detectou-se uma tendência de concessão mais rigorosa para este tipo de proteção, mormente nos escritórios de patentes da Europa e do Japão.

A Lei de Propriedade Industrial brasileira, que data de 1996, adotou, em conformidade com o Acordo Trips, patamares mais reduzidos de proteção para pedidos biotecnológicos, em comparação aos Estados Unidos, Europa e Japão.

Explica-se tal opção pelos diferentes padrões de acumulação tecnológica de cada região. No Brasil, no campo da genética, a participação de titulares brasileiros nos depósitos totais realizados no Brasil entre 1998 e 2000 não chegou a 3% (Fortes e Lage, 2005).

A política de desenvolvimento da biotecnologia, recém-anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que prevê investimentos de R$ 10 bilhões nos próximos dez anos, destaca a promoção do uso estratégico da propriedade intelectual em prol da competitividade nacional.

Assim, faz-se necessário buscar soluções legais, gerenciais e educacionais que respaldem a proteção e a exploração da biotecnologia brasileira, considerando-se os interesses dos consumidores e as realidades da saúde pública, do agronegócio e do meio ambiente, estimulando-se investimentos em pesquisa, desenvolvimento e fabricação locais e, ao mesmo tempo, evitando-se abusos que não contribuem para o progresso do Brasil.

* Claudia Inês Chamas é doutora em engenharia de produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora do Instituto Oswaldo Cruz. O artigo foi publicado pela autora no jornal Valor Econômico.

11/06/07