Força-tarefa científica investiga caso inédito de leishmaniose registrado em Paraty
Pesquisadores se reúnem a partir da primeira ocorrência de Leishmania amazonensis na região

Pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) foram recebidos pela Secretaria Municipal de Saúde de Paraty na última terça-feira. O objetivo do encontro foi planejar a investigação da ocorrência de um caso inédito de infecção humana pelo protozoário Leishmania amazonensis no Estado do Rio de Janeiro. A espécie, que ocorre tipicamente na Amazônia, já havia sido identificada no Mato Grosso, Minas Gerais, Bahia e Santa Catarina e foi responsável recentemente pelo desenvolvimento, em Paraty, de um caso de leishmaniose cutânea difusa – forma rara e grave da doença. A iniciativa é o primeiro passo de uma força-tarefa composta pelos laboratórios de Imunoparasitologia, de Transmissores de Leishmaniose, de Díptera, de Biologia de Tripanossomatídeos, de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres e de Pesquisas em Leishmaniose do IOC para o estudo do ciclo de transmissão do parasito na região.

Gutemberg Brito
Sergio Mendonça
Os testes moleculares confirmaram a suspeita do parasitologista Sérgio Mendonça de que o agente etiológico causador do caso de leishmaniose diagnosticado em Paraty seria a L. amazonensis

 “A partir deste caso, decidimos aplicar uma abordagem interdisciplinar que contemple a caracterização molecular de parasitos isolados de potenciais vetores e reservatórios silvestres, assim como de casos humanos de leishmaniose tegumentar para tentar entender as condições de transmissão da L. amazonensis nesta área”, explica o parasitologista Sérgio Mendonça, pesquisador do Laboratório de Imunoparasitologia do IOC, responsável pela identificação do caso inédito que chamou a atenção por sua evolução clínica atípica, associada à infecção por L. amazonensis, em uma área considerada como de transmissão exclusiva de Leishmania braziliensis. “Após o tratamento para leishmaniose cutânea localizada, manifestação mais comum da doença, o paciente apresentou nódulos típicos da forma difusa da infecção. A ausência de resposta ao teste de Montenegro, utilizado tradicionalmente para o diagnóstico da leishmaniose tegumentar, sugeriu o diagnóstico da leishmaniose cutânea difusa, confirmado por critérios clínicos, imunológicos e histopatológicos. A análise molecular do parasito, realizada no Laboratório de Pesquisas em Leishmaniose do IOC, confirmou a presença de L. amazonensis”, o parasitologista descreve.

Mendonça alerta que outros pacientes podem estar infectados pela L. amazonensis, sem no entanto apresentar a forma difusa da doença. “No Brasil, a leishmaniose cutânea difusa é causada exclusivamente pela infecção por L. amazonensis que, na maioria dos casos, causa a forma cutânea localizada da doença – quadro provocado pelas demais espécies dermotrópicas de leishmânias", afirma. O pesquisador esclarece que a identificação da espécie do agente etiológico pode fornecer informações importantes para o tratamento e prognóstico da doença.

Diante deste quadro, a caracterização de parasitos isolados de casos humanos será a primeira ação da força-tarefa empreendida pelo IOC. “A análise molecular dos parasitos isolados de pacientes, realizada através da técnica PCR, indicará as espécies de leishmânia causadoras da doença na área. Este dado epidemiológico é imprescindível para o entendimento do ciclo de transmissão da doença”, avalia Elisa Cupolillo, pesquisadora do Laboratório de Pesquisas em Leishmaniose do IOC.

Gutemberg Brito
Mauricio
O entomólogo Mauricio Vilela investigará em campo a presença de vetores do parasito causador da leishmaniose difusa

Para o estudo de vetores, os laboratórios de Transmissores de Leishmaniose e de Díptera realizarão um inquérito entomológico com o objetivo de identificar as espécies de flebotomíneos encontradas na região e entender como os parasitos são transmitidos ao homem. “Segundo a literatura científica, a espécie de flebotomíneo responsável pela transmissão da L. amazonensis, a Lutzomyia flaviscutellata, tem preferência por realizar o repasto sangüíneo em roedores silvestres, mas pode se alimentar em humanos quando estes penetram na floresta. Este é um quadro observado na região amazônica, onde o protozoário é mais facilmente encontrado, e vamos investigar se o mesmo ocorre na região de Paraty”, afirma o pesquisador Mauricio Vilela, do Laboratório de Transmissores de Leishmaniose do IOC.

Os vetores serão capturados por armadilhas e analisados morfológica e molecularmente em laboratório. O pesquisador Gustavo Aguiar, do Laboratório de Díptera do IOC, acredita que a estratégia será eficiente: “Na década de 1990, o mapeamento de vetores de importância epidemiológica não identificou a presença de vetores conhecidos de L. amazonensis na região. A adaptação das armadilhas pode ser decisiva para a captura desses vetores”, finaliza.

Ana Jansen, pesquisadora do Laboratório de Biologia de Tripanossomatídeos, responsável pelo estudo de reservatórios silvestres na região, sintetiza os benefícios da ação científica integrada para desvendar uma situação epidemiológica nova. “Um problema complexo exige solução articulada. A formação de um grupo integrado de trabalho, multidisciplinar, é fundamental para que possamos entender todos os elos do ciclo de transmissão da doença: parasitos, vetores, animais e humanos”, pondera.

Renata Fontoura e Bel Levy
10/04/07