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TaniaTania

No IOC desde 1983, a médica e pesquisadora Tania Araújo-Jorge tornou-se a primeira mulher a ocupar a direção do Instituto em seus 110 anos de história. Entusiasta das novas gerações de cientistas brasileiros, Tania ajudou a criar quatro programas de pós-graduação do Instituto, além de estimular a integração entre ciência, cultura e arte. Atual diretora do IOC, a pesquisadora ressalta o desafio e a responsabilidade de conduzir o Instituto em tempos de intensas transformações.

“Quando ingressei no Instituto Oswaldo Cruz, em 1983, não poderia imaginar todas as mudanças e transformações que a Fiocruz e o IOC iriam vivenciar nas décadas seguintes e muito menos que eu viria a fazer parte tão ativamente delas. Ingressei no antigo Centro de Microscopia Eletrônica como pesquisadora auxiliar para trabalhar com o desenvolvimento de culturas de células cardíacas e sua interação com o Trypanosoma cruzi, tema de minha tese de doutorado. Até hoje me recordo com carinho que a responsável por minha entrada no Instituto foi a pesquisadora Maria de Nazareth Meirelles, que dividiu com Wanderley de Souza a responsabilidade por minha formação. Já expressei em diversas oportunidades, desde os agradecimentos de minha tese de doutorado até as duas cerimônias de posse como diretora do IOC, meu carinho e meu agradecimento a ela e a José Rodrigues Coura, diretor do Instituto na época de minha entrada, e que aceitou a sugestão de Nazareth.

Com o ingresso no Instituto, teve início também meu aprendizado profissional. Formada no Instituto de Biofísica da UFRJ, fui aluna de Carlos Chagas Filho, mas foi no IOC que aprendi a ser uma pesquisadora profissional. Mais do que isso: foi no IOC que ampliei meus campos de conhecimento. Gradativamente, ganhei familiaridade com a área de gestão e fui conhecendo por dentro toda a grandiosidade do Instituto. Fui chefe de laboratório, chefe de departamento e atualmente sou diretora do Instituto, trajetória que venho percorrendo com muita alegria e constante entusiasmo.

Às vezes me perguntam como eu me sinto por ser a primeira mulher a dirigir o Instituto em toda a sua história, sustentando a responsabilidade do cargo que já foi de Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Lobato Paraense, José Rodrigues Coura, entre outros grandes inspiradores. Costumo dizer que me sinto honrada, que a vida me presenteou com essa oportunidade, pois as mulheres são absolutamente majoritárias em todas as instâncias do Instituto, das estudantes às pesquisadoras nos laboratórios, dos cursos e Câmaras Técnicas ao Conselho Deliberativo. Portanto, era uma questão de tempo uma mulher assumir a direção. Acho que aconteceu comigo pois sou uma conversadora experiente e uma construtora de parcerias, perfil que se adequa bem ao que um diretor ou diretora precisa fazer. E estou certa de que serei a primeira de muitas, que preencherão com fotos femininas nossa galeria de imagens dos diretores do IOC, exclusivamente masculina até agora. Isso apenas reflete o papel relevante que as mulheres estão assumindo cada vez mais na sociedade, no Brasil e no mundo.

Mesmo atuando em um cargo de gestão desde 2005, nunca perdi meu amor pela pesquisa de bancada, por fazer ciência de verdade. Hoje sinto um pouco de falta desse processo. Apesar de continuar coordenando diversos estudos no laboratório, em geral participo apenas do planejamento das pesquisas e da avaliação e discussão dos resultados. O mais gostoso da prática científica, hoje, infelizmente, não posso vivenciar com tanta intensidade, dados os compromissos que assumi com o passar dos anos no IOC. Por vezes me refugio em laboratórios de colaboradores no exterior, onde o telefone não me chama a cada cinco minutos, e posso voltar a brincar e me divertir com tubos, pipetas e microscópios, ler compulsivamente, escrever e articular ideias novas para explicar os resultados de um experimento. Isso é uma delícia.

Vivi em todos estes anos de Instituto uma grande paixão pelo IOC. Até hoje não sei explicar com certeza se foi a mística da pesquisa no Instituto, sua rica história, sua incomparável trajetória de contribuição para a ciência e a saúde pública brasileiras, mas, desde que entrei em nossos muros, senti um prazer e um orgulho muito grande de ser Fiocruz e de ser IOC. No entanto, as coisas nunca foram fáceis, como nunca é para os pesquisadores no Brasil. Nunca recebi de presente um laboratório novinho, bonito e bem montado. Sempre tive que buscar recursos externos para equipar meu laboratório, conseguir bolsas para meus alunos, lutar por espaço e vagas, como todos aqui. Nesse sentido, posso dizer que sou um retrato dos pesquisadores dessa casa. Foi preciso muita luta e muita criatividade para superar os problemas, alguns ainda presentes, mas esse processo faz de nós ainda melhores.

É por isso que tenho muito orgulho das coisas que consegui construir aqui, sempre com a ajuda inestimável de equipes de amigos, além de profissionais. Consegui criar meu laboratório, um dos melhores do Instituto nos últimos anos, formar uma equipe muito forte, participei da formação de muitos alunos e, acima de tudo, esse processo sempre se deu com união e companheirismo. Esse espírito captei de Nazareth Meirelles, e o mantive em nosso antigo departamento nos seis anos em que estive na chefia. Mais tarde, procurei consolidá-lo à frente da diretoria do IOC, com uma gestão democrática e participativa. É muito gratificante observar que hoje o Instituto possui uma gestão com participação de centenas de integrantes da comunidade IOC ligados de alguma forma à discussão e definição dos rumos do Instituto, seja como membros do Conselho Deliberativo, das Câmaras Técnicas, das Comissões Internas ou das demais instâncias participativas que hoje existem.

Sem dúvida, por todo o reconhecimento que representa, minha reeleição para a Diretoria, em 2009, foi um dos momentos mais marcantes e emocionantes que vivi aqui. Mas muitos outros momentos viverão para sempre em minha memória. Jamais poderei me esquecer, também, da cerimônia de reintegração dos cassados de Manguinhos, que tanto me impactou, e do simbolismo do abraço ao Castelo, realizado pelos servidores em busca de melhorias em nosso plano de cargos.

Minha relação tão próxima ao ensino também me faz lembrar como momentos únicos cada defesa de mestrado e doutorado de meus orientandos, cada cerimônia de formatura dos cursos de pós-graduação do IOC, cada vez que assino os diplomas de nossos alunos. Em especial guardo com carinho a realização do primeiro Simpósio de Ciência e Arte, em 2002, e de suas edições posteriores, todos momentos de muita emoção. Em toda minha trajetória um de meus focos sempre foi a aproximação destes três campos, que tanto têm a contribuir mutuamente e que são essenciais para o cumprimento das ideias do próprio Oswaldo Cruz, que defendia que ciência e cidadania são faces de uma mesma moeda e discutia ciência em saraus de arte.

A nova geração de pesquisadores, dinâmica, engajada, atuante e bem preparada, representa o futuro do IOC e da ciência nacional. Eles encontrarão um Instituto e uma Fiocruz muito diferentes daqueles que conheci quando entrei pela primeira vez aqui. Naquela época, apesar de ter uma boa gestão e da qualidade das pesquisas, era difícil enxergar como toda a engrenagem funcionava e tudo parecia depender muito da iniciativa pessoal. Hoje, graças ao processo de modernização realizado pelas gestões desde então, há um sistema mais claro em funcionamento, mais transparente, democrático e robusto. Ao redor do IOC, o mundo se transformou, floresceram a biologia molecular, a biologia celular moderna, a bioinformática; ganharam força as ciências sociais e a interdisciplinaridade. As próprias atribuições da Fiocruz e do IOC mudaram: passamos a ser parte importante do Sistema Único de Saúde, implementado com a Constituição Federal de 1988, e não apenas mais um pólo acadêmico no sudeste do Brasil.

O grande desafio dessa nova geração e de toda a nossa comunidade é compreender a natureza e acompanhar a velocidade destas mudanças que vêm ocorrendo no Brasil e no mundo. Nos últimos anos, lutamos para estruturar e preparar melhor este centenário Instituto, para fazê-lo seguir na vanguarda sem nunca esquecer nossa história e nossa tradição.

Nestes 110 anos, o IOC deve olhar para o futuro, sem jamais esquecer as glórias de seu passado. A capacidade e união de sua coletividade devem ser a base sólida para passos ainda mais largos e para que continue ocupando papel de destaque na pesquisa em saúde pública para o povo brasileiro."



 
 

 

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