Fiocruz
Relatos: Juventude

A cama desfeita
“Desde cedo costumaram-n’o a conciliar os brincos da meninice com as obrigações escolares e domesticas. Ao levantar-se, cumpria-lhe compor o próprio leito, arrumar o quarto, tratar de si mesmo, sem auxilio de ninguém. Queriam-n’o trabalhador e independente. Nesse ponto eram os Paes tão rigorosos, que, certo dia, estando Elle no collegio primário, em plena aula, recebeu um recado da família, que o chamava á toda pressa. O professor ordenou que o menino partisse immediatamente, imaginando para logo qualquer acontecimento extraordinário. Entretanto, após curta demora, estava o pequeno de volta; e, todos, a começar pelo preceptor, cheios de natural curiosidade, o torturaram de perguntas, Mas não houve quem lhe arrancasse uma palavra. Só mais tarde se veiu a saber que se tratára de uma obrigação por cumprir: Oswaldo por esquecimento deixára a cama desfeita...” [Relato de Ezequiel Dias]

Tesourinha
“Oswaldo foi o que commumente se chama um menino de bôa índole; mas isso talvez não bastasse para tornal-o um homem tão prodigamente dotado para as victorias da vida. O facto é que, sem embargo da sua natural meiguice, não deixou de manifestar algumas das más tendências próprias das creanças. Elle mesmo contava, na intimidade, que, viajando uma vez n’um bonde, aproveito a distracção de uma pobre mulher para picar-lhe á tesourinha um bom pedaço do vestido novo. Horas depois, apresentava-se a victima em casa do Dr. BENTO CRUZ, narrando-lhe tudo, entre chorosa e indignada. Este ouvi-a com toda attenção, promettendo-lhe uma providencia satisfactoria. Regressando á casa, ia á velhota imaginando a tremenda sova que o fedelho devia apanhar, quando foi surprehendida pela chegada do mesmo ao casebre onde Ella morava, pedindo o favor de lhe confiar o facto para que sua Mãe o concertasse. Feitos os reparos com toda a pericia, tornou o menino a choupana para restituir a roupa á proprietária e ao mesmo tempo apresentar-lhe desculpas, accrescentando que não lhe trazia outro vestuário novo porque seu Pae, no momento, não podia arcar com tal despeza.” [Relato de Ezequiel Dias]

Métodos do Dr. Bento
“Era sagrada a hora do estudo. Todos os dias, houvesse festa ou visitas, o rapazelho havia de se retirar para o quarto afim de preparar as lições. Não tinha meios de fugir áquelle dever diário de consagrar 2 horas aos livros. […] O methodo paterno consistia em incutir no raciocínio do pirralho a necessidade daquelle modo de vida. Quando não era attendido, reprehendia-o. Quando a reprehensão não era sufficiente, vinham as sentenças comminatorias: em geral, privações de passeios e cousas appetecidas; na maioria dos casos, as penalidades não iam além da suppressão dos carinhos habituaes; bastava quasi sempre a recusa do beijo com que Pae e Filho á noite se apartavam.” [Relato de Ezequiel Dias]

O cigarro
“– Certa vez contava o Mestre – meu Pae surprehendeu-me a fumar. Admoestou-me com brandura, fazendo ver que as creanças não devem ter vícius. Apontou-me um a um os inconvenientes e malefícios que d’ahi podiam advir-me. Foi, em synthese, uma prelecção completa e cabal a respeito do mau habito que eu forcejava por adquirir.

Contudo, continuava Elle, o eloquente sermão não logrou convencer-me, porque dias depois fui novamente pilhado com o cigarrinho na bocca. Meu Pae mostrou-se então zangado, triste. Censurou-me com menos paciência do que a que lhe era habitual. Repetiu-me os conselhos anteriores e terminou por um appello formal á affeição que eu lhe dedicava. Mas eu lhe retorqui singelamente:

- Papae também não fuma?

Na verdade meu Pae era um fumante inveterado. Desde adolescente escravizára-se ao tabaco. Usava cigarros, charutos, e até cachimbo. Fizera varias tentativas para abandonar o vicio, sem nunca o conseguir. Pois bem: desse dia em diante, como por encanto, deixou para sempre, o habito de tão longos anos...

Oswaldo tambem nunca mais fumou; e tinha a preoccupação de converter os poucos fumivomos que lhe mereciam o affecto, narrando cheio de saudades e emoção esse “delicadíssimo episodio” em que se espelha integralmente a belleza da alma paterna.” [Relato de Ezequiel Dias]

Timidez
“Oswaldo sempre foi gênio concentrado. Esse retrahimento chegara a ser timidez nos primeiros passos da sua vida de estudante. Isso lhe valera uma reprovação em latim, o que Elle contava sem rancor, confessando que o caturra Fortunato Duarte, seu algoz, muito concorrera para que se apreciasse melhor o sabor das leituras clássicas. Sempre avesso a exhibições de qualquer natureza, era um mau examinando, cujas provas publicas nem sempre correspondiam ao seu preparo. Narrava Elle que, no exame oral de chimica orgânica, embora n’essa occasião já fosse interno de cirurgia, de tal modo se perturbara que affirmou perante os examinadores que o chloroformio, como anesthesico geral, era administrado pela bocca. Por esse e outros motivos o seu curso não teve o brilho que se devia esperar do seu talento e do seu amor aos livros. Mas isso não o preoccupava. Lugares de evidencia, prêmios, renome, tudo deixava aos outros, comtanto que alcançasse o seu objectivo: saber, saber muito, aprendendo rapidamente. Dir-se-ia que, já então, antevendo o seu fim prematuro, tinha pressa de viver...” [Relato de Ezequiel Dias]

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