Globalização,
disseminadora de várias doenças
por:
José Pascoal Simonetti
Pesquisador Titular do Departamento de Virologia da Fiocruz (Rio
de Janeiro)
Os últimos anos têm sido marcados por diferentes episódios
de doenças emergentes, como casos de tuberculose resistentes
a várias drogas, infecções bacterianas agudas,
pneumonias causadas por vírus transmitidos por roedores,
hantaviroses, infecções de veiculação
hídrica, salmoneloses, cólera e outras. Existe, constantemente,
o acometimento de infecções múltiplas procedentes
do rompimento de ciclos internos a nichos ecológicos e invasão
o “mundo moderno” com alastramento vigoroso.
Mais de um século depois de identificados, meio século
depois de observados com o auxílio da microscopia eletrônica
e 40 anos após a replicação in vitro, com o
uso das técnicas laboratoriais de cultura celular, os vírus
permanecem, ainda, como um desafio para a comunidade científica
mundial. Os vírus são competidores reais, apresentando-se
como parasitas e elementos genéticos em seus hospedeiros.
Apresentam considerável capacidade para se envolverem em
diferentes direções, como também promovem mudanças
evolucionárias cumulativas nos hospedeiros, através
da interação celular genética e metabólica.
A capacidade de causarem efeitos citopáticos, de sobrevivência
em condições adversas e de mecanismos de fuga à
resposta imunológica do hospedeiro impõem a sua permanência
em sistemas hospedeiros suscetíveis, caracterizando fases
de infecção e ou doenças - agudas, crônicas
e latentes.
A humanidade sempre teve contato com agentes microbiológicos,
presentes em diferentes populações nos mais diversos
limites geográficos, proporcionando o aumento da variedade
de infecções emergentes. Alguns exemplos são
a varíola, com 10 a 15 milhões de casos mundiais,
em 1967; a sífilis, registrada na Europa desde 1493, e espalhando-se
por todo o mundo; a Febre Amarela, que emergiu no Novo Mundo, provavelmente
como resultado do comércio de escravos africanos, trazendo
o Aedes aegypti nos containers dos navios.
Igualmente, o aumento da incidência da Febre Hemorrágica
Dengue no sudeste da Ásia, na década de 40, é
atribuído à rápida migração para
as cidades com compartimentos abertos de água que favoreciam
a proliferação do mosquito e de outros vetores. Outros
fatos comprovam que o Aedes albopictus, um agressivo e competente
vetor do vírus dengue, foi levado para Houston em transportes
de pneus da Ásia estabelecendo-se, posteriormente, em 17
estados americanos.
Novos hábitos, novas viroses
A penetração de agentes etiológicos pode ser
facilitada pela crescente mobilidade humana, devido ao desenvolvimento
de transportes eficientes, e hábitos alimentares diversos,
estimando-se que, um determinado tipo de vírus, recentemente
introduzido em uma região distante do Pacífico, poderá
estar em cidades no litoral brasileiro em questão de horas.
Com a invasão do ambiente natural dos vírus, provocada
pela devastação de florestas e crescimento de cidades
limítrofes às mesmas, as viroses emergentes passam
a ser motivo de preocupação no cenário da saúde
pública de nosso país. Algumas mostram-se altamente
infectantes, com o desenvolvimento de doenças graves, como
a Hepatite causada pelo vírus Delta (HDV) e a Febre Negra
de Lábrea, em muitos casos fulminantes e com alto índice
de cirrose hepática.
Muitas viroses emergentes são zoonóticas (podem ser
transmitidas aos humanos por animais vertebrados, como os roedores).
Animais são a fonte mais comum de novos vírus. O fator
mais freqüente para o aparecimento de agentes emergentes é
o comportamento humano, que aumenta a probabilidade de transferência
de vírus de seus animais hospedeiros para o homem. Os roedores
e artrópodes são, em geral, os mais envolvidos na
transferência direta.
Mudanças na prática da agricultura ou condições
urbanas que promovam a multiplicação de roedores e
vetores favorecem o aumento da incidência de doenças
em humanos. Outros animais, em especial primatas, são importantes
reservatórios. A transmissão por artrópodes
(invertebrados com patas articuladas) é responsável
pela maioria das doenças infecciosas em animais em especial
as viroses emergentes epidêmicas.
A síndrome respiratória aguda severa (Sars), uma doença
viral, teve seu primeiro caso relatado na Ásia, em fevereiro
de 2003, espalhando-se para mais de 20 países na América
do Norte, América do Sul, Europa e Ásia. Um total
de 8 mil pessoas adoeceram e 774 foram a óbito. As evidências
de infecção e doença foram caracterizadas através
das avaliações laboratoriais colaborando com o diagnóstico
clínico e etiológico (da origem da doença).
Recentes estudos demonstram a grande associação com
animais portadores destes vírus. Este relato aborda as condições
epidemiológicas de transmissão pessoa a pessoa e da
disseminação através de contaminantes com secreções
respiratórias. É o caso do Vírus do Nilo Ocidental
(West Nile Virus), doença viral transmitida através
da picada de mosquitos, infectando homens, cavalos e outros mamíferos.
Epidemias têm ocorrido em várias partes do mundo. No
hemisfério ocidental, o primeiro caso notificado ocorreu
na cidade de Nova Iorque em 1999 e em Toronto em 2003. Acredita-se
na penetração em outros países do hemisfério
sul através de aves migratórias.
Outros agentes importantes são a Bactéria Necrosante,
que causa uma infecção subcutânea com necrose
tecidual (fascite necrosante) e os Príons (material protéico
de origem ainda desconhecida). As bactérias penetram através
de lesões da pele iniciando um processo de digestão
do tecido com a liberação de toxinas. Considera-se
até o momento que a doença seja causada por eventos
biológicos que modificam a patogenicidade de um tipo de Estreptococo.
Os Príons acometem animais, causando doenças cerebrais
importantes, sendo o "Mal da Vaca Louca" a mais conhecida.
A emergência e persistência de agentes causadores de
doenças graves podem ser atribuídas a reservatórios
animais induzindo a mudanças nos hábitos de vida e
de comportamento humanos. Cabe aos sistemas de vigilância
sanitária estarem estar mais atentos ao aumento gradativo
e rápido das doenças emergentes as quais devem crescer
nos próximos anos. Da mesma forma, metodologias laboratoriais
para o diagnóstico etiológico rápido deverão
estar à disposição da comunidade para evitar
uma rápida disseminação.
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