Bonn
e o fim do multilateralismo, artigo de José Goldemberg
O Brasil
poderia ter exercido papel de liderança na Conferência
de Bonn sobre energias renováveis, mas isso não aconteceu
José
Goldemberg é secretário do Meio Ambiente do Estado
de SPO. Artigo publicado em ‘O Estado de SP’:
Realizou-se
em Bonn, na Alemanha, de 1.º a 4 de junho, uma conferência
sobre energias renováveis, por iniciativa do governo alemão,
que já havia sido anunciada dois anos atrás em Johannesburgo,
na África do Sul.
Esta foi, provavelmente,
a última das grandes conferências das Nações
Unidas para discutir medidas para promover o desenvolvimento sustentável.
As fontes de
energia fóssil (carvão, petróleo e gás),
que representam 80% do consumo mundial, são a causa principal
da poluição das grandes cidades e do ‘efeito
estufa’.
É óbvio,
portanto, que a busca de alternativas às fontes fósseis
(que são limitadas) tem alta prioridade, o que foi, de fato,
reconhecido na Conferência de Johannesburgo, graças
- em boa parte – à liderança da delegação
brasileira. As energias renováveis são superiores,
sob vários pontos de vista, às fontes convencionais
de energia.
A Conferência
de Bonn tinha por finalidade dar continuidade às decisões
de 2002 e promover a utilização de fontes renováveis
de energia (hidreletricidade, energia eólica, fotovoltaica,
geotérmica e biomassa usada com tecnologias modernas).
Elas representam
hoje, no seu conjunto, cerca de 5% do total mundial e são
elas que precisam crescer, reduzindo a participação
da energia fóssil.
Energia nuclear
não estava na agenda da Conferência de Bonn, mas a
modernização do uso da biomassa – que é
usada de forma primitiva e não sustentável em muitas
partes da África e Ásia – estava.
Esta modernização
já ocorreu no Brasil, com o Programa do Álcool, mas
há muito a fazer nessa área no resto do mundo.
Grandes barragens
para a produção de eletricidade, desde que construídas
com cuidados que respeitem o meio ambiente, são renováveis,
mas uma discussão sobre as vantagens comparativas de pequenas
e grandes hidrelétricas distrai as pessoas sobre a verdadeira
natureza das opções.
Grandes hidrelétricas
podem ser ‘boas’ ou ‘más’, da mesma
forma que pequenas hidrelétricas, apesar de ambas serem renováveis,
e suas escolhas terão de ser feitas caso a caso.
A discussão
sobre a sustentabilidade desta e de outras opções
energéticas deve ser feita principalmente em nível
local.
A delegação
brasileira, chefiada pela ministra Dilma Rousseff, provocou discussão
desnecessária sobre hidrelétricas de grande porte,
o que não estava em discussão em Bonn, desviando a
atenção do problema básico, que é a
substituição dos combustíveis fósseis.
Nas próprias
palavras do chanceler Schroeder, o que se esperava da conferência
era a adoção de medidas concretas e efetivas que estimulassem
a adoção de energias renováveis e representassem
um avanço em relação às recomendações
de Johannesburgo, onde não foi adotada a proposta brasileira
de elevar a 10% a participação de energia renovável
no mundo até 2010.
Um dos métodos
para cumprir estas metas seria aumentar os recursos do Banco Mundial
e outros bancos multilaterais, abrindo maior espaço dentro
de seu ‘portfólio’ para energias renováveis.
Essa foi a proposta
da Secretaria do Meio Ambiente de SP encaminhada a Bonn com amplo
apoio dos especialistas brasileiros no assunto.
O Banco Mundial
reagiu positivamente às demandas por metas, anunciando que
vai aumentar em 20%, a cada ano, seus financiamentos em energias
renováveis, nos próximos cinco anos.
Além
disso, foi apresentado na conferência um ‘Plano de Ação
de Implementação’, que, na verdade, não
é um ‘plano’, mas simplesmente uma compilação
de comunicações de uma grande número de países
sobre as medidas adotadas internamente.
Foi também
adotada uma ‘declaração política’
que repete as platitudes usuais desse tipo de documento, evitando
medidas obrigatórias, o que é a finalidade de conferências
internacionais em que se negociam tratados e acordos.
Isso foi o que
ocorreu, por exemplo, com o Protocolo de Kyoto (para reduzir as
emissões de gases que provocam o ‘efeito estufa’).
Adotado em 1997,
o protocolo foi ratificado por inúmeros países, apesar
da resistência dos EUA e da Rússia, cuja oposição
impede que ele entre em vigor.
Em Bonn, a oposição
de países como os EUA – e outros – a ações
multilaterais foi tão forte – e até ideológica
– que intimidou os outros países a propor medidas concretas.
Em resumo, a ‘declaração política’
apela apenas aos países para que adotem energias renováveis.
A União
Européia e a China não se intimidaram e adotaram unilateralmente
metas e calendários para cumpri-las. A decisão da
China é a de atingir em 2020 uma fração de
10% de certas energias renováveis (miniusinas hidrelétricas,
biomassa e energia eólica).
A União
Européia aumentou suas metas anteriores para 20% em 2020,
mas a região da América Latina e Caribe reafirmou
apenas sua meta de 10% de energias renováveis, acordada em
2002, que parecia ambiciosa na época, mas parece modesta
hoje.
O Brasil, com
seu extraordinário programa de energias renováveis
(hidrelétricas, biomassa, Proinfa e outros) poderia ter exercido
um papel de liderança em Bonn, mas isso não ocorreu.
(O Estado de SP, 15/6)
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