Educação
superior entra em fase de internacionalização
A Unesco
tem estudos sobre a educação superior na América
Latina que deixam qualquer um de cabelo em pé. Os planos
para América baixa são cada vez mais soturnos.
Dependência,
estagnação e pensamento colonizado são alguns
dos 'presentes' que os organismos financeiros internacionais - os
que pensam (?) a educação no mundo - têm para
os que vivem no sul do mundo.
Quem
deixou isso claro foi diretor do Instituto de Educação
Superior da América Latina/Unesco, Cláudio Rama Vitale,
em palestra na cidade de Florianópolis, quando traçou
um perfil bastante preocupante para a vida das Universidades neste
novo milênio. Ao que parece, a tendência é mesmo
o ensino para o mercado e para a competição.
O instituto
trabalha com 200 estudos a cada ano, sobre a educação
superior na América Latina e, a partir deles, Cláudio
definiu três fases muito claras.
A primeira
delas foi resultado da Reforma de Córdoba, que instituiu
o ensino gratuito, autônomo e co-gestionado, priorizando a
educação das maiorias.
Foi
um tempo, nos anos 60, em que a latino-américa trabalhou
com a idéia de substituição de importação
e o princípio era formar cérebros para enfrentar os
desafios da realidade local. Naquele período, a educação
superior era totalmente pública.
Mas,
segundo Vitale, nos anos 60, o modelo de substituição
de importação entra em crise e o Estado se vê
incapacitado de continuar financiando, sozinho, o ensino superior.
Entra em cena, então, a segunda fase: o modelo dual, em que
a iniciativa privada ingressa no que se começa a chamar de
'mercado' da educação.
Na
verdade, o modelo de custeio público não entra em
crise do nada. O que acontece é que a maioria dos países
da América Latina vive sob ditaduras militares, bastante
afinadas com os planos de hegemonia dos estadunidenses. Assim, a
Reforma de Córdoba é esquecida em nome de receitas
mercadológicas de organismos financeiros como o Banco Mundial
e o FMI.
A expansão
do ensino privado vai se consolidando pelas décadas de 80
e 90. Nesse período, aumenta o número de mulheres
nas Universidades, reduz-se a regulação das políticas
públicas, cai a qualidade do ensino e há muitas restrições
para entrar.
Verifica-se
que há uma ausência de mecanismos de avaliação
e uma expansão desenfreada, principalmente no setor privado.
É uma espécie de volta ao passado já que, mais
uma vez, é a elite que toma conta dos bancos escolares, seja
no público ou no privado.
Conforme
Cláudio, o que se vê é um crescimento de Universidades
sem qualidade para uso de uma demanda reprimida e as de excelência
para uso exclusivo das elites.
Para
se ter uma idéia dos números, na Colômbia, de
cada quatro estudantes, três pertencem às camadas mais
ricas da população, no Peru, na Argentina, na Venezuela,
só os extratos mais altos entram na Universidade.
Na
Costa Rica, 71% dos estudantes são considerados ricos. Continua
também, e bastante expressiva, a exclusão de negros
e índios. O Equador, por exemplo, de população
quase 100% indígena, tem mais brancos nas Universidades.
O Brasil,
de maioria negra, tem menos de 8% de negros no ensino superior.
Os índios latino-americanos sequer conseguem chegar ao ensino
médio e mais de 220 milhões de pessoas vivem abaixo
da linha da pobreza, sem acesso a nada, quanto mais educação.
No
meio de toda essa exclusão e falta de qualidade no ensino
superior, entra-se no que Vitale chama de terceira fase da educação
universitária. É a internacionalização.
Hoje, são 12 milhões de estudantes na América
Latina e o índice de crescimento das Universidades se dá
de forma elevada nas instituições privadas. Enquanto
esse segmento cresceu 8%, o setor público avançou
apenas 2,55. A educação virtual já atende 164
mil alunos e, no Brasil, 1/3 dos estudantes do ensino superior está
nas privadas.
'Agora
estamos entrando no período da educação transnacional
em que é possível fazer alianças universitárias
e estabelecer padrões de qualidade internacionais. Esse é
o futuro', diz Cláudio.
Segundo
ele, no Chile, onde hoje não há mais nenhuma instituição
totalmente pública, 7,5% das matrículas já
são em educação transnacional. Ou seja, aumenta
o número de estudantes estrangeiros, de chilenos no estrangeiro
e as Universidades empresariais. No Caribe, isso já está
praticamente consolidado, em função da proximidade
com os EUA. Os projetos de educação transnacional
trabalham com a idéia da expansão virtual. Assim,
os alunos estudam via internet, e só prestam os exames de
forma presencial na Universidade-mãe. Esta é a proposta
básica da Organização Mundial do Comércio
que visa transformar a educação superior em um simples
comércio.
O diretor
do IESALC afirma que, agora, o que vai comandar a vida nas Universidades
é a competitividade. O estado vai ter participação
mínima, devem ser criados ministérios de ensino superior
em cada país e a avaliação vai ser internacional.
Haverá dois níveis bem demarcados: uma Universidade
com qualidade mínima para os pobres e uma de alta competitividade
e qualidade para a elite. É certo que vai aumentar a exclusão,
que vai diminuir o investimento público e que a iniciativa
privada vai crescer muito mais.
Conforme
Cláudio, as economias da América Latina estão
estagnadas e os países não têm como investir
no público. O que ele não disse - já que parece
achar bom o que anuncia - é que esse modelo é o que
é cantado em prosa e verso pelos agentes do Banco Mundial
e que, no Brasil, vai se fortalecendo pelas mãos do governo
Lula. O projeto de avaliação, proposto pelo ex-ministro
Cristovam Buarque, vai na direção da internacionalização
e as idéias de Tarso Genro, o atual, caminham na mesma estrada.
Privatizar e diminuir a intervenção do Estado. E isso
se dá não pela crise, mas pela opção
de se pagar uma dívida que já foi paga.
Nas
Universidades públicas não há tanta aceitação
da chamada terceira fase da educação superior. Tanto,
que já se movimentam professores, técnicos-administrativos
e estudantes para impedir a privatização dessas instituições.
A reforma universitária proposta pelo governo Lula não
é nada mais do que a normatização dessa etapa
proposta pelo Banco Mundial.
Já
tramitam no Congresso Nacional o projeto de avaliação,
o de cobrança de mensalidades e o de eleições
para reitor. Além disso, deve ser encaminhado também
o projeto de estatização de vagas privadas - se não
for editado como medida provisória - que manda dinheiro público
para as já lucrativas instituições privadas.
Não
é à toa que permanece, latente, o processo de resistência
dentro nas Universidades públicas.
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