Organismos
Geneticamente Modificados (OGMs)
Juliana Hermont
de Melo é advogada, especialista em Bioética pela
PUC/Minas, membro-fundador do Capítulo de Bioética
da Sociedade Brasileira de Clínica Médica e atual
Vice-presidente do mesmo, Membro Consultor da Comissão de
Bioética e Biodireito da OAB Federal, membro-fundador e primeira
Presidente da Comissão de Bioética e Biodireito da
OAB/MG e consultora de bioética e biodireito do NEMS Núcleo
de Estudo Mulher e Saúde da Faculdade de Medicina da UFMG.
(julianahermont@bioconsulte.bio.br):
Tão polêmico
e apaixonante quanto à biotecnologia, os Organismos [Nota
1] Geneticamente Modificados (OGMs), uma das novas realidades tecnológicas
trazidas à baila pela própria biotecnologia, têm
proporcionado grandes debates jurídicos, políticos,
econômicos e éticos dentro e fora do Congresso Nacional.
Haja vista, uma séria de Medidas Provisórias (MP)
terem sido publicadas nos últimos meses sobre o assunto.
No entanto,
dúvidas pairam sobre a sociedade bem como sobre a comunidade
científica, pois essas MPs foram realmente a 'liberação,
ou melhor, a chegada dos transgênicos ao país' ou simplesmente
representam uma 'solução tampão' encontrada
para um problema econômico e político vivenciado pelo
governo brasileiro. Uma vez que a safra 2003/2004 já está
plantada e será colhida em breve, logo o que fazer com essa
produção indigesta?
Entretanto,
antes de respondermos aos questionamentos supramencionados, alguns
esclarecimentos técnicos a respeito da temática mostram-se
necessário, pois em observância ao princípio
bioético e filosófico da autonomia, só poderão
ser sujeitos, portanto pessoas autônomas, ante este e qualquer
outra questão se compreendermos e entendermos o assunto sobre
o qual devemos opinar. Devemos buscar ser sujeitos da história
e para isso Paulo Freire apregoa 'ser sujeito da história
significa ser. Ainda, ser livre. Livre para saber fazer, ser, criar,
participar, construir' isto só é possível se
introgetarmos o assunto.
O primeiro ponto
a se esclarecer é a diferença entre OGMs e transgênicos.
Apesar da mídia, algumas legislações e até
a própria literatura às vezes os tratarem como sinônimos
não o são. Essa falta de cuidado quanto a nomenclatura
tem sido motivo de muita confusão em torno do assunto. Uma
vez que tem levado a população a erro constantemente.
O posicionamento
ora adotado não é unânime; porém possui
grande aceitação pela comunidade científica.
Assim, por Organismo Geneticamente Modificado, entende-se todo aquele
que sofreu alteração em seu genoma original e trouxe
um algum tipo de melhoramento genético, como os híbridos
[Nota 2]. Já os transgênicos são os organismos
que tiveram inserido dentro de seu genoma um gen de espécie
alienígena, desta forma, resta claro que a técnica
de transgenia rompe a barreira natural existente entre as espécies.
Pode-se parafrasear uma máxima popular na tentativa de dirimir
a questão: todo transgênico é um OGM, mas nem
todo OGM será um transgênico. Esclarecendo que este
é um tipo daquele.
O procedimento
para se criar tanto um transgênico quanto um OGM é
o mesmo, qual seja através da tecnologia da engenharia genética
ou bioengenharia [Nota 3].
Segundo Borém
e Santos, [Nota 4], 'a construção de genes artificiais
e sua transferência para outros organismos podem ser obtidas
em um laboratório bastante simples'. Logo, não estamos
trabalhando com nada 'de outro mundo' ou produto de ficção
científica. Basta fazer uma visita as Embrapas e incubadores
de empresas espalhadas por todo o país.
Na realidade,
a grande questão envolvendo os transgênicos e os OGMs
é de cunho econômico. Como vocês poderão
observar após a leitura da MP 131 e sua exposição
de motivos publicadas em 25/09/2003.
Tanto esta legislação
quanto suas antecessoras, excetuando a Lei de Biossegurança,
lei no. 8.974 de 05/01/1995, as demais não se referem aos
transgênicos nem OGMs em geral, mas sim a um tipo bem específico
deles: a soja roundup ready (rr) do laboratório multinacional
Monsanto.
Essa variedade
de soja é resistente a um único tipo de herbicida,
o glifosato, comercializado pela própria Monsanto. A diferença
desta cultivar para as demais se encontra na inserção
do gen que a torna resistente à ação do glifosato,
princípio ativo do herbicida conhecido como roundup. Destarte,
a soja rr, portanto, é resistente somente ao herbicida da
Monsanto. Como ensina o professor João José Sady [Nota
5], 'a soja transgênica foi criada para ter uma única
grande qualidade: a razão de ser da 'roundup easy' é
ser tratada com o 'roundup herbicede'.
Deve-se pensar
porque liberar a plantação de uma cultivar internacional
se temos cultivares transgênicas de tão boa qualidade
e até melhores que estão aqui em solo pátrio?
Outro ponto
preocupante desta MP, destinada a plantação da soja
safra 2003/2004, é a inobservância explícita
ao princípio da precaução [Nota 6], uma vez
que os agricultores/produtores foram 'liberados' de apresentarem
o estudo prévio de impacto ambiental. Exigência clara
conforme o disposto no artigo 225, IV da Constituição
da República (CR/88).
Infelizmente,
o que se percebe é uma guerra, na qual como bem já
ensinou o senador norte-americano Hiram Johnson em 1917 'a primeira
vítima quando a guerra chega é a verdade'. Já
bem pontua, sobre esta questão, o grande educador Paulo Freire
'A arma do homem é a palavra'.
Assim, assistimos
o embate ideológico e jurídico entre o impacto econômico
que as sementes de soja contrabandeadas pela fronteira tríplice,
mais conhecidas pelos agricultores como soja Maradona [Nota 7] e
o princípio da precaução, o qual tem sido o
norteador das políticas e dos posicionamentos em bioética
e biossegurança diante das novas e intrigantes questões
apresentadas a todos pela biotecnologia.
Os defensores
da soja rr possuem argumentos econômicos, uma vez que sendo
ela resistente ao glifosato o agricultor gastará, a princípio,
menos na produção da safra, pois não será
mais necessário tanto herbicida para obtenção
de uma boa colheita.
Entretanto,
algo foi omitido. As sementes de soja rr, em tese, são estéreis,
porque possuem o gen terminator, o qual impede sua germinação
em uma nova safra após serem colhidas. Por ter esta característica
e outras tantos que o diferem da cultivar selvagem um organismo
transgênico pode ser patenteado, segundo leis brasileiras
e estrangeiras, pois representa uma inovação e/ou
uma novidade. Assim, os agricultores terão que comprar novas
sementes para produzirem uma nova safra ou pagar os devidos royalties,
caso o gen terminator não se manifeste.
Não buscamos
de forma alguma impedir o progresso científico, visto ser
isto um atentado contra a natureza humana, todavia esclarecimentos
e discussões amplas e objetivas sobre o assunto devem ocorrer,
pois trabalhando com o novo podemos sim escolher o que plantar,
mas não termos certeza do que vamos colher.
'Vivemos em
uma sociedade que está clamando pela paz, pela igualdade
de direitos e oportunidades, pela preservação e melhoria
do meio ambiente, por uma vida mais saudável, pelo desenvolvimento
da afetividade e da sexualidade que permita melhorar as relações
interpessoais'.
Uma sociedade
que necessita forjar personalidades autônomas e críticas,
capazes de saber ouvir e respeitar as opiniões dos demais
e de defender, ao mesmo tempo, seus direitos [Nota 8]'.
Notas:
1 - Entidade
biológica capaz de auto-reprodução, reprodução
ou de transferência de material genético. Conceito
proposto pelos cientistas brasileiros em Manifesto encaminhados
ao Congresso Nacional sobre o Projeto de Lei de Biossegurança
2401/2003.
2 - Organismos
vivos que provém de retro-cruzamentos entre espécies
semelhantes e/ou da mesma espécie em busca de um aprimoramento
(melhoramento) no genoma de espécie receptora.
3 - Este conhecimento
interdisciplinar recebe este nome porque realmente se constroem
genes, organismos e/ou estruturas moleculares.
4 - Biotecnologia
Simplificada. BORÉM, Aluízio e SANTOS, Fabrício.
2° ed. Visconde do Rio Branco: Universidade Federal de Lavras,
2002.
5 - Destino
Incerto - A liberação dos transgênicos e o princípio
da precaução. João José Sady. Site Consultor
Jurídico. conjur.uol.com.br/
6 - Princípio
da Precaução é adotado mundialmente nas áreas
da ciência e prega a não ação casa haja
duvida sobre a segurança de um determinado produto, serviço,
organismo ou substância tanto para o meio ambienta quanto
para o homem.
7 - Ela recebe
este apelido dos agricultores do sul do país porque elas
a consideram baixinha, fortinha e tem algo ligado com as drogas.
8 - Ângela
Dornas.
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