Vistoria suspeita

Mauro Passos*

O Brasil, sem alarde, atingiu o nível máximo do domínio da tecnologia de enriquecimento do urânio e inicia a produção, em escala industrial, do urânio enriquecido para exportação, da mesma forma que Estados Unidos, França, Rússia, China, Japão, Holanda, Alemanha e Inglaterra o fazem. O Brasil tem a sexta maior reserva do mundo desse minério e a nossa tecnologia é superior à dos Estados Unidos e da França, graças às centrífugas desenvolvidas no interior de São Paulo, no Instituto Aramar.

Com isso o Brasil não vai mais precisar que o urânio bruto saia da mina de Caetité, na Bahia, vá para o Canadá, onde é convertido em gás, seguindo depois para a Europa, onde é enriquecido, e em seguida volte em forma de gás para Resende, no Rio de Janeiro, onde é transformado em pastilha, como é feito atualmente.

A busca do domínio da tecnologia nuclear pelo Brasil data do fim da década de 50, ainda em nível acadêmico, nos cursos de pós-graduação em engenharia, que visava à aplicação de radioisótopos nas áreas, médica, agrícola e de identificação de água no subsolo. Nos anos 70, o general Ernesto Geisel assinou o Acordo de Cooperação Nuclear Brasil-Alemanha, dentro de um regime de transferência de tecnologia ? considerada por parte da comunidade
científica já obsoleta ? instalaram uma fábrica de equipamentos pesados, especializada, para fins nucleares, a fim de desenvolver no país todas as etapas do ciclo do combustível.

O problema é que os militares criaram um programa paralelo, um complexo de pesquisa tecnológica, voltado para o enriquecimento do urânio por ultracentrifugação, totalmente clandestino e sem fiscalização internacional. Desenvolveram, em Aramar, pesquisa sobre reatores nucleares para propulsão de submarinos. Abriram buracos de 320 metros de profundidade, na Serra do Cachimbo, no Pará, que provavelmente seriam utilizados para testes de artefatos nucleares. Passaram a construir foguetes para lançamento de satélites, nas plataformas de Natal e Alcântara. Enquanto se dizia que os Veículos Lançadores de Satélites (VLS) estavam servindo para estudo de balística. Isso gerou um frenesi na época e o Brasil ficou com o estigma de participar da corrida armamentista. O que a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) precisa levar em conta é que o país mudou e que esse estigma não mais prejudica a pesquisa nacional.

O Brasil é o único país que tem escrito na sua Constituição que a energia nuclear somente poderá ser utilizada para fins pacíficos, aderiu, em 1997, ao Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares e o cumpre à risca. Todas as nossas instalações e materiais nucleares são inspecionados por duas agências internacionais, em cumprimento a dois acordos bilaterais
assinados com a Argentina e a AEIA. Há dez anos são feitas 40 vistorias por ano, avisadas e não avisadas.

O Brasil não tem vocação belicista e tampouco pertence ao "eixo do mal", portanto, qualquer vistoria fora dos termos dos acordos firmados se reveste de suspeita. A AEIA precisa demonstrar sua autonomia evitando ceder a pressões dos EUA. Nossas conquistas tecnológicas precisam ser preservadas, qualquer inspeção de forma irrestrita nos
centros de pesquisa brasileiros e até nas universidades, como quer a AEIA/ONU, não se justifica, constrange nossa soberania.

* Mauro Passos é deputado federal (PT/SC) e integra a Comissão de Minas e Energia da Câmara.