O
Tratado de Não-Proliferação Nuclear
As
atividades nucleares no Brasil - como em outros países do
mundo - sempre tiveram duas vertentes: a civil e a militar. Como
outras tecnologias, a energia nuclear pode ser usada para fins pacíficos
ou militares.
Estabelecer
uma clara linha separando as duas não é fácil.
Por exemplo, aço pode ser usado para fazer punhais, que podem
matar, ou facas para cortar alimentos. É por essa razão
que não é permitido que passageiros entrem em aviões
com facas, tesouras ou outros objetos do mesmo tipo, e inspeções
são feitas para evitar que isso ocorra, devido ao temor que
sejam usadas para dominar a tripulação no caso de
seqüestro.
Com
a energia nuclear, o que se passa não é muito diferente:
ela foi desenvolvida para produzir bombas atômicas com terrível
poder explosivo, mas logo se percebeu que poderia também
ser usada em reatores nucleares nos quais se produz eletricidade.
Como separar essas atividades e como limitar o seu uso aos fins
pacíficos, evitando que seja usada para fins militares?
Esse
desafio está sendo enfrentado, há quase 40 anos, pelas
restrições impostas pelas grandes potências
que desenvolveram armas nucleares aos demais países. Isso
foi feito por meio do Tratado de Não-Proliferação
(TNP), firmado em 1967, que legitimou a posse de armas nucleares
pelos EUA, pela Rússia, pela Inglaterra, pela França
e pela China e tentou evitar que outras nações as
desenvolvessem, restringindo o acesso à tecnologia.
O TNP
foi o resultado de uma barganha diplomática: países
abririam mão do acesso a armas nucleares em troca do desarmamento
progressivo das grandes potências, o que, ao longo dos anos,
levaria ao banimento dessas armas, como ocorreu com armas bacteriológicas.
Além disso, elas seriam beneficiadas pela transferência
de energia nuclear para fins pacíficos.
O TNP
é, de fato, um tratado assimétrico que dividiu o mundo
em dois grupos: os "que têm" e "os que não
têm" armas nucleares. Para alguns, essa solução
foi considerada equivalente a "desarmar os desarmados",
enquanto outros se armam sem limitações.
Sucede
que essa não é a única assimetria existente
no mundo, como é evidente quando se considera que a renda
per capita média dos americanos é dez vezes maior
(ou mais) do que a renda per capita dos indianos.
O sucesso
do TNP em conseguir seus objetivos foi medíocre porque Índia,
Israel e Paquistão, que não eram signatários
do tratado, desenvolveram armas nucleares. A Coréia do Norte
é ainda uma incógnita nessa questão.
As
restrições do TNP, porém, têm sido aceitas
voluntariamente por muitos países. O Brasil está entre
eles, uma vez que o governo se convenceu, a partir de 1992, de que
a posse de armas nucleares não traria vantagens ao país.
Desenvolver
armas provocaria restrições às importações
de certos materiais e equipamentos e medidas retaliatórias
de maior ou menor intensidade das grandes potências, como
aconteceu com Iraque, Líbia, Irã e Coréia do
Norte.
O Brasil
e a Argentina abriram mão do acesso a armas nucleares firmando
um pioneiro e inovador acordo de cooperação bilateral
que criou uma agência - a ABACC - que tornou o Cone Sul da
América Latina uma zona livre de armas e ameaças nucleares.
Os
dois países deram, na ocasião, um magnífico
exemplo de maturidade política. Sucede que dominar todo o
ciclo nuclear, desde o enriquecimento do urânio até
a produção de armas, não é uma tarefa
tão difícil assim e as elites técnicas de vários
países poderiam fazê-lo com seus próprios meios
se a decisão política nesse sentido fosse tomada.
Depois
que a Índia e o Paquistão desenvolveram armas nucleares,
aumentaram as preocupações de que outros países
o fizessem e, por essa razão, a Agência Internacional
de Energia Atômica (AIEA) realiza inspeções
para se certificar de que isso não está acontecendo.
O acesso
às instalações nucleares é que deu origem
aos recentes problemas que o país está tendo com a
AIEA e as restrições que o Brasil colocou às
inspeções despertaram suspeitas de que as intenções
do governo brasileiro não seriam inteiramente pacíficas.
O argumento
usado de que tais restrições se destinam apenas a
proteger a tecnologia nacional de enriquecimento de urânio
não são convincentes.
A ocasião
é oportuna para aprofundar a discussão sobre as implicações
reais do TNP porque haverá, em 2005, uma conferência
internacional - que ocorre a cada cinco anos - para rever os seus
sucessos e insucessos.
O Brasil
tem sido um dos países mais ativos nesses debates, juntamente
com África do Sul, Egito, Irlanda, México, Nova Zelândia
e Suécia, que têm feito propostas sérias para
aperfeiçoar e democratizar o TNP.
Esses
sete países se organizaram numa "Coalizão da
Nova Agenda", na qual o nosso atual chanceler, Celso Amorim,
foi muito atuante e lutou para que o controle do acesso a armas
nucleares, dos países que não as possuem, seja vinculado
ao desarmamento dos que as possuem, tornando o mundo menos perigoso
do que é hoje. (28/4)
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