Tratamento da doença de Chagas com células-tronco

Sanar os danos provocados no coração com doença de Chagas por meio das células do próprio paciente, é o foco de um novo tratamento para a doença. O processo, aprovado em março pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), consiste no transplante de células-tronco da medula óssea para o coração de pacientes com insuficiência cardíaca provocada pelo mal de Chagas. A primeira cirurgia baseada no novo método foi realizada no último dia 17, no Hospital Santa Izabel, da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, em Salvador. A operação não teve nenhuma complicação imediata e o paciente, de 52 anos, apresenta um quadro estável de evolução, sem efeitos colaterais.

O anúncio foi feito pelo imunologista Ricardo Ribeiro dos Santos, coordenador do projeto e do Instituto do Milênio de Bioengenharia Tecidual (IBMT), uma instituição financiada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. As equipes do Santa Izabel, do IBMT e do Centro de Pesquisas Gonçalo Muniz (CPqGM), unidade da Fiocruz em Salvador, pesquisaram o mesmo processo em camundongos, que apresentaram 80% menos de células inflamadas. Após os roedores terem recebido as células-tronco, a melhora persistiu por seis meses, um período equivalente a quase 20 anos nos seres humanos.

O procedimento consiste na aspiração do líquido da medula óssea do próprio indivíduo, seguido de um processo de filtragem e separação das células-tronco. Em seguida, essas células são injetadas nas artérias do coração, com o auxílio de um cateter que é introduzido em uma artéria que vai da coxa ao coração. No experimento realizado no Hospital Santa Izabel, foram injetadas cerca de 240 milhões dessas células no interior das coronárias do paciente. O coordenador da pesquisa acredita que o tratamento deverá reduzir as lesões no coração a um nível mínimo, semelhante ao que ocorre com 70% dos portadores de Chagas que não desenvolvem insuficiência cardíaca.

As células-tronco são células capazes de se transformar em diferentes tecidos. Em embriões, elas são responsáveis por originar todos os tipos celulares de um organismo. Até recentemente, acreditava-se que elas só poderiam ser obtidas em embriões, mas a descoberta de que o organismo adulto dispõe de um estoque próprio dessas células dentro da sua medula óssea animou pesquisadores de todo o mundo. Dentro da cardiologia, a insuficiência cardíaca é a área em que se iniciaram as pesquisas com células tronco, por isso é chamada de terapia celular regeneradora.

Atualmente, o único "tratamento" para a doença de Chagas é o transplante de coração, que exige uma fila de espera de vários meses e custa R$ 200 mil em média, ou dez vezes mais do que o implante de células tronco.

A doença de Chagas é causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi que, após penetrar no sangue, aloja-se no interior das células cardíacas. Acionado, o sistema imunológico passa a agredir a superfície do coração, que tem proteínas semelhantes às do T. cruzi, o que provoca uma série de feridas pelo órgão, que cresce de tamanho e causa insuficiência cardíaca. O indivíduo infectado pode demorar até 30 anos para apresentar os sintomas. A doença ainda não tem cura e afeta cerca de 6 milhões de pessoas no Brasil.

Em abril do ano passado, pesquisadores do Hospital Pró-Cardíaco, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Texas Heart Institute realizaram transplantes de células-tronco em dez pacientes que sofriam de doenças coronarianas graves, sem tratamento. Como resultado, dois pacientes tiveram 100% de melhora, um caso houve melhora parcial e o quarto paciente não apresentou melhora significativa, indicando que o transplante levou à revascularização de áreas do coração afetadas por doença cardíaca.

O projeto de células-tronco em chagásicos conta com financiamento do Ministério da Ciência e Tecnologia, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Hospital Santa Izabel da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, que investiu recursos próprios. Se a técnica mostrar-se segura nos primeiros cinco pacientes, o estudo será ampliado com mais outros 25 pacientes.


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