Publicação do Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz - 06/07/2006

 

Animais de laboratório e saúde humana
Renato Sérgio Balão Cordeiro*

O que causa grande perplexidade nas argumentações de determinados grupos, que se auto-intitulam defensores dos animais, na atual discussão do projeto de lei que proíbe o uso de animais em pesquisas, na Câmara dos Vereadores do  Rio de Janeiro são os equívocos, o radicalismo irracional e o total desconhecimento da importância do uso de animais na pesquisa  para a saúde humana e seus benefícios para animais de estimação.

Apesar do grande avanço nas diversas áreas da ciência e tecnologia, em virtude da grande complexidade da célula biológica, infelizmente os animais ainda são necessários e não podem deixar de ser utilizados para solução de problemas de saúde. Seria muito bom que os pesquisadores pudessem descobrir o mecanismo de ação de doenças infecto-parasitárias, novas terapias para a hipertensão arterial,  câncer,  dor, asma e processos inflamatórios, antidepressivos, quimioterápicos, vacinas, utilizando somente sofisticados programas ou simuladores computacionais.

Infelizmente, a ciência ainda não atingiu esse patamar de desenvolvimento, a realidade é diferente e  somente em alguns poucos casos a biologia celular e molecular, através de técnicas de cultura de tecidos, modelos virtuais e estudos de pacientes e populações, que substituem o modelo animal , nos dão  essa possibilidade. 

As vacinas são importantes instrumentos que a ciência forneceu   aos seres humanos  e  aos animais em geral.  A vacina  contra a pólio, que utilizou  inicialmente camundongos, e a vacina contra meningite tipo B  impediram a morte de milhões de crianças. A vacina veterinária contra a cinomose, desenvolvida no século passado, testada em animais, já salvou muitos milhões  de animais domésticos em todo mundo.  A vacina  contra  raiva canina, desenvolvida em cães, trouxe  notórios benefícios para a espécie e para os homens, e a contra a leucemia felina, causada por retrovírus,  e potencialmente letal para gatos, foi desenvolvida na década de 90. Por outro lado, o que seriam  dos bovinos, suínos, ovinos e caprinos se não existisse a vacina contra a febre aftosa? Os recentes embargos à carne brasileira, por mais de 50 países, dão a exata dimensão da importância da vacinação contra a aftosa para a economia do país e a sobrevivência das populações.

E o que seria da humanidade se sofisticados procedimentos cirúrgicos - transplantes cardíacos, renais e de fígado - não tivessem sido  pesquisados previamente em animais? Atualmente, estão sendo desenvolvidas próteses neurais - grande esperança para reabilitação de pacientes que sofrem de paralisia corporal severa.

É importante ressaltar que  a aprovação de projetos de pesquisa em saúde depende da análise rígida e criteriosa por parte dos Comitês de Ética no Uso de Animais de Laboratório (Cecal) existentes na maior parte das instituições brasileiras. São processos rigorosos, baseados em conceitos fundamentais da ética, da filosofia e do rigor científico. 

Recentes dados obtidos com o sequenciamento dos genomas do homem, do camundongo e do rato, duas das espécies animais mais utilizadas nas pesquisas, mostram uma similaridade espantosa. Os três genomas têm tamanhos similares, sendo que o genoma humano é ligeiramente maior. Isso torna esses animais modelos de estudo de enorme interesse e importância para pesquisas que buscam melhorar nossa saúde. 

Assim, é fundamental que o Congresso Nacional retome a discussão com a sociedade, incluindo o Conselho Nacional de Saúde, e acelere a tramitação e votação do importante projeto de lei nº 1.153, de autoria do saudoso deputado federal Sérgio Arouca e atual relatoria do deputado Sergio Miranda, que estabelece procedimentos para o uso científico de animais, obriga a criação de Comissões de Ética no Uso de Animais (Ceua) e o Sistema Nacional de Controle de Animais (Sinalab).

Conclamamos as ONGs protetoras de animais sérias e conseqüentes a atuarem como parceiras e protetoras das instituições de pesquisa e universidades brasileiras , contribuindo para o bom funcionamento das comissões de ética , no sentido de garantir a saúde  da população e de nossos animais.

 

* Renato Sérgio Balão Cordeiro é pesquisador titular e chefe do Departamento de Fisiologia e Farmacodinâmica do Instituto Oswaldo Cruz. Membro titular da Academia Brasileira de Ciências e da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) . Artigo publicado no Correio Brasiliense em 01.07.06.

 


IOC - Ciência para a Saúde da População Brasileira