Publicação do Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz - 08/06/2006

 

Ecologia e saúde pública, juntas no controle de hantaviroses

Associar meio ambiente e saúde pública pode parecer um desafio. No Instituto Oswaldo Cruz (IOC), porém, essa é a essência de pesquisas que procuram desvendar o ciclo de parasitos causadores de doenças como mal de Chagas, leishmanioses e hantavirose. Um exemplo é o trabalho desenvolvido pelo Laboratório de Biologia e Controle de Esquistossomose do Instituto, que estuda mamíferos silvestres – reservatórios de importantes zoonoses, como a hantavirose – e avalia como o impacto ambiental no habitat desses animais pode influenciar a transmissão desta doença.

Laboratório de Biologia e Controle de Esquistossomose do IOC
Munidos de equipamento de proteção individual, seguindo as normas de biossegurança, pesquisadores do IOC avaliam em campo a prevalência de zoonoses no Pantanal 

“Nossa vinculação com o meio ambiente é direta, pois trabalhamos com mamíferos silvestres, que são espécies constantemente ameaçadas e que nos remetem freqüentemente a questões ligadas à conservação de espécies”, apresenta o zoólogo Paulo D'Andrea, chefe do Laboratório de Biologia e Controle de Esquistossomose do IOC. “Quando foi criado, o Laboratório concentrava seus estudos em reservatórios silvestres de esquistossomose, mas o amadurecimento do grupo e o conhecimento produzido geraram pesquisas sobre diversas zoonoses.”

Dada a complexidade das questões envolvidas, uma rede multidisciplinar de cooperação técnico-científica foi formada no IOC, integrada pelos laboratórios de Biologia e Controle de Esquistossomose, Biologia de Tripanosomatídeos, de Ricketsioses e Hantaviroses, de Avaliação e Promoção da Saúde Ambiental e de Biologia e Controle de Insetos Vetores. A rede desenvolve projetos de pesquisa que avaliam o impacto ambiental sobre mamíferos reservatórios de zoonoses e, conseqüentemente, sobre o ciclo de parasitos na natureza.

Na Serra dos Órgãos, no Estado do Rio de Janeiro, mediante o apoio do CNPq e do governo da Alemanha, uma equipe multidisciplinar de pesquisadores estuda o impacto do desmatamento sobre a saúde de potenciais reservatórios de zoonoses, com o objetivo de avaliar como a degradação ambiental pode influenciar a dinâmica entre reservatório e parasito. A região passou por um processo de fragmentação florestal, causado pelo desmatamento, e é caracterizada pela alternância entre “ilhas de florestas” e áreas devastadas. O trabalho dos pesquisadores consiste em comparar a diversidade e a saúde da fauna de mamíferos presentes em diferentes fragmentos de floresta aos animais que habitam o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, área que ainda apresenta suas condições naturais, para avaliar como a degradação ambiental afeta a saúde das espécies e modifica seu potencial de transmissão.

“A zoonoses são doenças causadas por parasitos que circulam na natureza e a perda de biodiversidade causada pela degradação ambiental pode alterar o ciclo zoonótico e expandi-lo para o homem. A hantavirose é um exemplo disso. Na Serra dos Órgãos, as espécies favorecidas pela degradação ambiental são justamente os reservatórios de hantavírus que, associados ao homem na região peridomiciliar, podem transmitir a doença”, o pesquisador expõe. “A mesma relação pode ser estabelecida com o mal de Chagas, cujo parasito circula na natureza e tem sua prevalência influenciada pela diversidade de espécies de mamíferos. Em áreas em que a variedade é pequena, sobrevivem os reservatórios mais eficientes para a manutenção do ciclo da doença na natureza.”

Laboratório de Biologia e Controle de Esquistossomose do IOC
Trabalho de campo realizado na Serra dos Órgãos, RJ, aponta o impacto do desmatamento sobre a disseminação de doenças graves, como a hantavirose

Com base nesses estudos, o pesquisador informa sobre a importância de preservar o meio ambiente e a biodiversidade para a prevenção da passagem de zoonoses para o homem e reafirma o papel do IOC na integração entre ecologia e saúde pública: “A maior parte das doenças parasitárias é de origem zoonótica e passa para o homem por algum desajuste ecológico. Portanto, não há como separar animal e meio ambiente para estudá-las”, conclui.

Realizada no Pantanal do Mato Grosso do Sul com financiamento das organizações internacionais Conservation International e Earth Watch, uma pesquisa investiga como a fauna local de mamíferos atua como reservatório da doença de Chagas e do “mal das cadeiras”, que afeta sobretudo cavalos. O objetivo é entender a relação entre mamíferos silvestres e parasitos e observar de que maneira o parasitismo, principal regulador de populações naturais, influencia a conservação das espécies. Para isso, a avaliação da saúde dos reservatórios é realizada em propriedades particulares, onde a variedade de espécies é reduzida, e em áreas de proteção ambiental, que abrigam maior diversidade.

“Alguns estudos demonstram que a redução do número de espécies pode prejudicar ou favorecer determinadas populações de parasitos”, o zoólogo esclarece. “Por isso a manutenção da diversidade de espécies é fundamental para a prevenção dessas doenças, pois um impacto ambiental que reduza a variedade de espécies pode favorecer justamente populações dos reservatórios ideais para a manutenção do ciclo de parasitos que afetam ao homem.”

Por Bel Levy

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