Dos microbicidas à análise dos impactos econômicos, pesquisadores debatem os desafios da AIDS em seminário
O potencial do uso de microbicidas no combate à infecção, a busca de novos esquemas terapêuticos e a constatação de que o PIB de um país é inversamente proporcional à prevalência local da AIDS foram alguns dos principais destaques do primeiro dia do Seminário Avançado sobre Patogênese em HIV/AIDS, realizado de 23 a 27 de outubro pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC) com apoio do Programa Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde. O seminário é ministrado pelos renomados pesquisadores David Watkins, do Departamento de Patologia e Medicina Laboratorial da Universidade de Wisconsin-Madison (EUA), e Mario Stevenson, diretor do Centro para Pesquisa em AIDS da Escola de Medicina de Massachusetts (EUA).
Na abertura do evento, dia 23, o Vice-diretor de Desenvolvimento Institucional do IOC, Christian Niel, reforçou a intenção do Seminário de aproximar jovens pesquisadores e especialistas e ressaltou a importância dessa interação para a produção do conhecimento e o avanço científico. David Watkins iniciou a sessão científica com a palestra HIV: sexo, sociedade e ciência, na qual divulgou dados epidemiológicos que reforçam o impacto da pandemia sobre a população mundial quando comparados a outras doenças de gravidade global, como malária e tuberculose, e ressaltou a expansão catastrófica da infecção no sul da África onde, em alguns países, a chance de um jovem de 15 anos morrer por causas relacionadas à AIDS chega a 90%. Watkins destacou também o impacto do HIV sobre a economia, ao constatar que o PIB de um país é inversamente proporcional à prevalência local da AIDS.
Gutemberg Brito |
|
Watkins ressaltou os aspectos sociais e econômicos relacionados à infecção por HIV em diferentes contextos locais |
O pesquisador discutiu o uso de microbicidas para o controle da infecção e destacou o potencial dessas substâncias a prevenção da doença. Além de controlar a replicação do vírus, os microbicidas permitem que mulheres possam se prevenir independentemente do uso preservativo por seus parceiros, recurso extremamente benéfico em algumas culturas repressoras quanto ao papel da mulher. É preciso ter esperança, o pesquisador finalizou.
Para Mario Stevenson, que deu continuidade ao debate, a esperança está na identificação de novos alvos terapêuticos, que possam intensificar e otimizar o tratamento atual. Durante a palestra HIV/AIDS: overview e patogênese , o pesquisador realizou uma revisão panorâmica da pandemia e discutiu os avanços e desafios da terapia anti-retroviral de alta atividade (HAART, na sigla em inglês). O pesquisador recuperou a origem zoonótica da infecção informou que 40% dos macacos Sooty mangabeys , em que o subtipo HIV-2 teve origem, são soropositivos na natureza e apresentou em gráfico o desenvolvimento clássico da infecção, em suas fases inicial (aguda e assintomática, com destruição de tecido linfóide no trato gastrointestinal e replicação maciça do vírus); intermediária, em que a carga viral do paciente é estável; e tardia, em que há replicação maciça do vírus. Na seqüência, Stevenson apresentou dados sobre a HAART e ressaltou a necessidade de novos esquemas terapêuticos, pois apesar de prevenir a infecção de novas células a terapia precisaria de um tempo superior à vida natural de uma pessoa para erradicar o vírus.
Gutemberg Brito |
|
Stevenson fez uma retrospectiva histórica da pandemia e discutiu os desafios da terapia altamente reativa
|
A tarde foi dedicada à discussão sobre a transmissão do HIV. Watkins ressaltou a necessidade de aprofundamento de estudos sobre o tema para a produção de uma vacina contra a AIDS. A constatação foi comprovada por três artigos apresentados pelo pesquisador, que demonstram a importância de se considerar o potencial de transmissão do vírus na fase aguda da doença, no qual a carga viral é mais elevada e a maioria dos pacientes é assintomática o que constitui um desafio à prevenção da transmissão.
Watkins destacou ainda que é difícil estimar o risco relativo de infecção por relação sexual desprotegida, já que uma série de fatores influenciam a transmissão do vírus, como a quantidade de vírus nas secreções genitais, o número de células-alvo do HIV, a presença de outras doenças sexualmente transmissíveis, ou de inflamação do trato genital de causas não infecciosas, o tipo de microflora que coloniza a vagina, características específicas da cepa viral e fenômenos fisiológicos que impedem o aumento da exposição da endocervix ao HIV, como o uso de contraceptivos hormonais. Por fim, Watkins citou uma pesquisa atualmente em curso em sua Universidade que propõe a produção de uma vacina anti-HIV baseada na atividade de linfócitos CD8+. O estudo será apresentado com maior profundidade na sexta-feira, dia 27.
O evento é oportunidade também para que seus participantes, pesquisadores e jovens estudantes de pós-graduação de instituições de todo o país, apresentem seus projetos de pesquisa e discutam os resultados com especialistas da área. Na primeira sessão, foram apresentados os trabalhos Caracterização da co-infecção HIV-hanseníase: avaliação de fenótipos celulares envolvidos na imunopatogênese e monitoramento da restauração imune da doença , produzido pelos Laboratórios de AIDS e Imunologia Molecular e de Hanseníase do IOC, e Avaliação da influência do vírus anti-influenza na resposta imune do anti-HIV-1 , desenvolvido na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Na sessão da tarde, foram discutidos os estudos Avaliação da imunidade celular de células T CD4+ e CD8+ em pacientes co-infectados por HIV e Leishmania, realizado entre a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e o Laboratório Avançado de Saúde Público do Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz (CPqGM/Fiocruz); Interações do HIV-1 células hospedeiras: imunomodulação no modelo de co-infecção por HIV-1 e tripanosomatídeos, produzido pelos departamentos de Imunologia e de Fisiologia e Farmacodinâmica do IOC e pelos institutos de Biofísica e de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e Estudo da co-infecção por HIV e HTLV em Angola, do Laboratório de Genética Molecular de Microorganismos do IOC.
O Seminário Avançado sobre Patogênese em HIV/AIDS está sendo realizado de 23 a 27 de outubro no auditório do Pavilhão Leônidas Deane do Instituto Oswaldo Cruz (Av. Brasil, 4365 Rio de Janeiro) e é coordenado pelos pesquisadores Mariza Morgado, Vera Bongertz, Luiz Roberto Castello Branco e Dumith Chequer Bou-Habib, do Departamento de Imunologia do IOC.
Bel Levy
|