Publicação do Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz - 13/04/2006

 

Vetado projeto de lei que proibia experimentação animal no Rio de Janeiro

O Diário Oficial do município publicou ontem, dia 12, o veto ao projeto de Lei n.º 325, de 2005, que “Proíbe a vivissecção assim como o uso de animais em práticas experimentais que provoquem sofrimento físico ou psicológico”.

Leia na íntegra o texto publicado no Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro:


OFGP/CM N.º 432 EM 11 DE ABRIL DE 2006.

Senhor Presidente,

Dirijo-me a Vossa Excelência para comunicar o recebimento do Ofício M-A/n.º 57, de 31 de março de 2006, que encaminha o autógrafo do Projeto de Lei n.º 325, de 2005, de autoria do Ilustre Senhor Vereador Cláudio Cavalcanti, que “Proíbe a vivissecção assim como o uso de animais em práticas experimentais que provoquem sofrimento físico ou psicológico, sendo estas com finalidades pedagógicas, industriais, comerciais, ou de pesquisa científica, e dá outras providências”, cuja segunda via restituo-lhe com o seguinte pronunciamento.

Conquanto nobre e louvável o escopo do projeto apresentado por essa egrégia Casa, o mesmo não poderá lograr êxito, tendo em vista os vícios de inconstitucionalidade e de ilegalidade que o maculam, bem como por afigurar-se inconveniente e inoportuno ao público interesse municipal.

A vivissecção é o uso de animais vivos em testes laboratoriais (testes de drogas), práticas médicas (treinamento cirúrgico, transplante de órgãos), experimentos na área de psicologia (privação materna, indução de estresse), testes de toxidade alcoólica e tabaco, entre outros.

As pesquisas e estudos realizados por meio da experimentação animal revelam-se de extrema importância quanto à sua contribuição para a saúde humana e animal, o desenvolvimento do conhecimento e o bem da sociedade.

Atualmente, apesar de nosso País utilizar diversas abordagens alternativas à vivissecção, como o uso de cultura de células ou o uso de simulações computacionais, o setor de pesquisa biomédica e biológica ainda não pode prescindir dos procedimentos que utilizam animais de laboratórios, tais como, teste de cinética ou de toxidade de novos medicamentos ou produtos imunobiológicos. Há mesmo normas internacionais que exigem o teste de vacinas em animais experimentais para a garantia de sua qualidade para o uso humano.

Em que pese ao projeto em tela invocar em sua justificativa o dever do poder público de proteger a fauna, é forçoso inferir que, juridicamente, a proposta não se harmoniza com o sistema de distribuição de competências legislativas entre os entes da Federação, porque a Constituição da República, quanto a matérias relacionadas à proteção da fauna, prevê, em seu art. 24, VI, a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, sendo que àquela cabe estipular normas gerais e a estes a competência suplementar, conforme se depreende da leitura dos §§ 1.º e 2.º do mesmo artigo.

A competência legislativa municipal, neste caso, só poderia ser exercida para suplementar a legislação federal e a estadual no que coubesse, e se restasse configurado o interesse local, conforme preconiza o art. 30, I e II, da Constituição Federal.

Como se verifica, a prática proscrita pelo projeto em foco é realizada em todo o País, não se evidenciando matéria de exclusivo interesse local, capaz de suscitar o exercício da competência legiferante municipal.

No Brasil, a prática da vivissecção é regulamentada pela Lei Federal n.º 6.638, de 8 de maio de 1979, que estabelece, entre outras normas, que essa técnica é permitida desde que observadas algumas formalidades, tais como, o emprego de anestesia, a supervisão de um técnico especializado e a realização em centros de pesquisa e estudos registrados em órgão competente.

Verifica-se, assim, que a vedação da utilização de animais em pesquisas é medida que, além de contrariar a legislação federal sobre o tema, pode representar um grande atraso científico e tecnológico para o Município do Rio de Janeiro, onde se localizam instituições renomadas em pesquisas biológicas como a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Fundação Oswaldo Cruz.

Faz-se necessário, portanto, preservar a compatibilidade das normas municipais em relação às normas do ordenamento federal vigente, para que, dessa forma, se possa ter uma legislação uniforme no País sobre o assunto ora em análise, a qual se revela absolutamente necessária em face da especificidade da matéria.

Ressalte-se que todo o trabalho desenvolvido com o uso de animais tem por finalidade máxima a defesa do homem e o interesse da ciência. Nesse sentido, verifica-se que a Carta Magna, em seu art. 218, § 1.º, legitima todo trabalho desenvolvido com animais em laboratório, porque estabelece que a pesquisa científica básica deve receber tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências. Aliás, o caput desse dispositivo atribui ao Estado a incumbência de promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica.

Friso ainda que a atuação da comunidade científica há se pautado em princípios éticos que norteiam a conduta dos professores e dos pesquisadores no trato e uso humanitário com animais de laboratório. Foi nessa esteira que, em 1991, o Colégio Brasileiro de Experimentação Animal — COBEA criou, em doze artigos, os Princípios Éticos na Experimentação Animal, dos quais destaco o art. 1.º e o art. 6.º, in verbis:

“Art. 1.º É primordial manter posturas de respeito ao animal, como ser vivo e pela contribuição científica que ele proporciona”.

“Art. 6.º Considerar a possibilidade de desenvolvimento de métodos alternativos, como modelos matemáticos, simulações computadorizadas, sistemas biológicos in vitro, utilizando-se o menor número possível de espécimes animais, se caracterizada como única alternativa plausível”.

Por derradeiro, impende destacar que o art. 3.º do projeto em comento, ao estabelecer que cabe à Secretaria Municipal de Governo fiscalizar, apurar as responsabilidades e aplicar as sanções administrativas, incide em insanável vício de iniciativa, porquanto, conforme estabelece o art. 71, II, “b”, da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, são de iniciativa do Chefe do Poder Executivo as leis que disponham sobre criação, extinção e definição de estrutura e atribuições das secretarias e dos órgãos da Administração Direta, Indireta e Fundacional.

Desse modo, ao imiscuir-se em seara que não lhe é própria, o Legislativo Municipal violou o princípio da separação entre os Poderes, estabelecido no art. 2.º da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, e repetido, com arrimo no princípio da simetria, respectivamente, nos arts. 7.º e 39 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro e da LOMRJ, bem como violou ainda o comando emergente do art. 71, II, “b” e “c”, deste último Diploma.

Destarte, vejo-me compelido a vetar integralmente o Projeto de Lei n.º 325, de 2005, em razão dos vícios de inconstitucionalidade e de ilegalidade que o maculam.

Aproveito o ensejo para reiterar a Vossa Excelência meus protestos de alta estima e distinta consideração.

CESAR MAIA

Ao

Exmo. Sr.

Vereador IVAN MOREIRA

 

Fonte: Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro, edição de 12/04/06