Publicação do Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz - Ano XIII - n0 18 - 05/07/2007

 

Seminário debate aspectos legais da pesquisa com organismos
e animais geneticamente modificados

O primeiro seminário sobre uso de organismos geneticamente modificados (OGM) em pesquisa realizado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC) reuniu 137 pesquisadores e estudantes para discutir o impacto da Lei de Biossegurança sobre as atividades do Instituto nesta área. Foram duas tardes de debates, nos dias 4 e 5 de julho. Além de pesquisadores da Comissão Interna de Biossegurança (CIBio/IOC), palestraram o presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio/MCT), Walter Colli, e o assessor técnico da Subcomissão Setorial Permanente de Saúde Humana e Animal da CTNBio, Rubens José Nascimento.

Na abertura do I Seminário de OGM do IOC: O Impacto da Lei de Biossegurança nas pesquisas com organismos geneticamente modificados, o Vice-presidente de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico, José da Rocha Carvalheiro, deu as boas vindas aos participantes, destacando a relevância do evento. O Vice-Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico do IOC, Christian Niel, destacou o papel educativo da CIBio/IOC, além da atuação no fornecimento de equipamentos de proteção (coletiva e individual) e na adequação das estruturas laboratoriais. O vice-diretor do IOC lembrou que, desde 2006, está sendo oferecido aos profissionais do Instituto o Curso de Biossegurança em Laboratórios de Pesquisa Biomédica, além do tema biossegurança ser debatido em eventos, como o que acaba de ocorrer. Estiveram presentes pesquisadores e membros das CIBios do Centro de Pesquisas René Rachou (CPqRR) e Aggeu Magalhães (CPqAM) e de Biomanguinhos, bem como representantes da Diretoria de Administração do Campus de Manguinhos (DIRAC).

foto: Maria Castro
Mesa

Christian Niel (à esquerda) e José da Rocha Carvalheiro
deram início ao evento acompanhados por
Hermann Schatzmayr e Walter Colli

Presidente da CTNBio destacou prós e contras dos OGMs

Walter Colli fez um abrangente panorama sobre o tema, apontando desde detalhes administrativos até questões políticas e econômicas que envolvem a lei 11.105, de março de 2005, mais conhecida como Lei de Biossegurança. Colli, que também é médico e professor titular do Instituto de Química da USP, fez uma ampla reflexão sobre o primeiro artigo da Lei de Biossegurança, que contempla o princípio da precaução. “Trata-se de uma garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, ainda não podem ser identificados. Este princípio afirma, por exemplo, que na ausência de certeza científica formal, a existência de um risco sério ou irreversível de dano requer a tomada de medidas que possam prever este dano”, destacou.

Através de exemplos diversificados, Colli apontou que o princípio da precaução pode acabar prejudicando avanços notáveis na área da ciência. “Risco igual a zero não existe. Posso fazer uma pesquisa e dizer que o risco é muito próximo a zero, mas em hipótese alguma dizer que não existe risco. Quem inventou o carro, por exemplo, não imaginou que esta máquina poderia matar”, ilustrou.

foto: Gutemberg Brito
Palestrante
Colli destacou a limitação do entendimento público sobre OGMs

Outros exemplos interdisciplinares foram citados por Colli. “Nem todos os produtos orgânicos são saudáveis. Pelo princípio da precaução, os consumidores deveriam ser informados sobre os riscos que têm ao se alimentar de um produto que foi cultivado com adubo repleto de bactérias”, destacou. Colli lembrou ainda que, apesar das notáveis perdas econômicas que teriam os agricultores com a chamada Genetic Use Restriction Tecnology (GURT), há usos diferenciados para tal tecnologia.

A GURT, também conhecida como Terminator (palavra em inglês que significa “exterminador”), é uma tecnologia utilizada para realizar modificações genéticas com o objetivo de produzir sementes estéreis ou para suprimir outras funções vitais, como a resistência a uma determinada doença. Colli pondera que, no caso do eucalipto, uma monocultura que prejudica a agricultura se utilizada em larga escala, as sementes Terminator poderiam, por meio do processo de polinização, combater o problema.

O presidente da CTNBio destacou que a comunidade não-científica muitas vezes tem entendimentos dúbios sobre o tema dos OGMs, sobretudo, afirma, em função da forma como é vinculado na mídia. Assim, Colli destaca, a população acaba por aceitar com mais facilidade a pesquisa na área de saúde humana do que na área de vegetais. “A tecnologia do DNA recombinante, mesmo que alguns não queiram, está aí para isso. É preciso, no entanto, resgatar a confiança do consumidor nestes OGMs e na qualidade da produção científica”, concluiu.

Assessor da CTNBio tira dúvidas sobre processo de submissão de formulários

O assessor técnico da Subcomissão Setorial de Saúde Humana e Animal da CTNBio, Rubens José do Nascimento, debateu o papel da Comissão na implementação da Lei de Biossegurança, que teve importantes mudanças em 2005. Ele recordou que a CTNBio foi criada em 1995, pela lei 8.974, e alterada pela medida provisória 2.191-9 de 2001. Rubens fez um histórico dos decretos, resoluções e do regimento interno que dizem respeito à Comissão.

Com a lei 11.105/2005, regulamentada pelo decreto 5.591 do mesmo ano, a CTNBio passou por uma reformulação de atribuições, composição e regras. As Comissões Internas de Biossegurança (CIBio) também foram submetidas a novas normas, bem como o Conselho Nacional de Biossegurança (um conselho basicamente formado por ministros) – que trata, entre outros temas, das questões econômicas mencionadas anteriormente –, o Sistema de Informações em Biossegurança (SIB) e os órgãos de registro e fiscalização, que tiveram suas funções delimitadas.

foto: Gutemberg Brito
Palestrante
“As resoluções normativas definem tudo que pode e que não pode ser feito dentro de um laboratório”, Rubens Nascimento resumiu.

Rubens também abordou as duas resoluções normativas da Comissão. A Resolução Normativa 1 dispõe sobre a instalação e o funcionamento das Comissões Internas de Biossegurança (CIBios) e sobre os critérios e procedimentos para requerimento, emissão, revisão, extensão, suspensão e cancelamento do Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB). Já a Resolução Normativa 2 dispõe sobre a classificação de riscos dos OGMs e os níveis de biossegurança a serem aplicados nas atividades e projetos envolvendo organismos geneticamente modificados.

O técnico da CTNBio também deu um quadro geral sobre o CQB, apontando as finalidades do Certificado e aspectos relacionados ao credenciamento de áreas, o processo de definição da classe de risco, o caráter técnico do projeto de pesquisa e o processo de pedido do CQB. Rubens lembrou que o requerimento do Certificado deve ser feito pela CIBio e encaminhado para a secretaria executiva da CTNBio, dando início, desta forma, ao processo jurídico de aceite. Segundo o palestrante, o processo leva pelo menos 90 dias até o parecer final dos órgãos fiscalizadores (IBAMA/MMA, Anvisa/MS e MAPA). Durante a palestra, os profissionais que integram a CTNBio destacaram que, mesmo para áreas certificadas – como um biotério de experimentação ou um laboratório de pesquisa –, cada novo projeto a ser desenvolvido nesta área deverá ser requerido um novo Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB).

Membros da CIBio/IOC abordam a aplicação prática das resoluções normativas da CTNBio

As Resoluções Normativas 1 e 2 foram o tema principal dos debates de hoje, dia 5. Palestraram o presidente da CIBio/IOC, Hermann Schatzmayr; Carlos Alberto Müller, membro da Comissão e coordenador do Centro de Experimentação Animal do IOC; e Alexander dos Santos Reis, engenheiro de segurança da CIBio/IOC. Maria Castro, secretária executiva da CIBio/IOC, resumiu a importância do evento: “Esta é uma oportunidade ímpar para debater e também para os pesquisadores conhecerem os procedimentos em biossegurança”.

foto: Gutemberg Brito
Herman
Hermann Schatzmayr destacou as principais atribuições das Comissões Internas de Biossegurança

Dentre as principais atribuições das Comissões Internas de Biossegurança, Hermann destacou o encaminhamento para a CTNBio de todos os documentos das atividades em OGM realizados na instituição, a identificação dos fatores de risco para a saúde humana e para o meio ambiente, a recomendação para controlar estes fatores de risco e a avaliação da capacitação do pessoal envolvido.

O presidente da CIBio/IOC lembrou que a Comissão também tem como atribuição realizar inspeções anuais nas instalações com o Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB) e informar à comunidade sobre situações de risco decorrentes das atividade, possíveis danos, meios de proteção e procedimentos no caso de acidentes. Hermann também chamou atenção para o caráter do CQB. “O Certificado de Qualificação Ambiental tem especificidades e aplicações para cada projeto e área, mas é um só, de todo o IOC. Então temos que defendê-lo”, ressaltou. Ele também reforçou que para cada novo projeto a ser desenvolvido na mesma área deverá ser requerido um novo CQB.

Ética e bem-estar animal

Carlos Alberto Müller destacou que o objetivo do Centro de Experimentação Animal do IOC é manter e oferecer as instalações condominiais multi-usuário para experimentação animal no Instituto, regulamentando seu uso e acesso. A utilização é permitida, Müller destacou, “somente nos casos em que não existem métodos alternativos válidos ao uso de animais para comprovação de conceitos científicos em elaboração e/ou em ensaios pré-clínicos de abordagens terapêuticas ou farmacológicas, cumprindo a legislação e normas pertinentes”.

foto: Gutemberg Brito
Muller

Para Müller, a evolução do uso de animais em pesquisa tem base em três “R”s: replace (substituição de animais por métodos alternativos ou “material não senciente”); reduction (redução dos animais usados em experimentos sem prejudicar a confiabilidade dos resultados); e refinement (diminuição da incidência ou severidade de procedimentos aplicados aos animais em experimentos).

Müller detalhou o funcionamento dos biotérios e colocou em discussão casos que possam ferir a ética animal. Neste ponto, destacou o trabalho da Comissão de Ética no Uso de Animais (CEUA) e da Comissão de Ética de Usuários de Animais de Laboratório (CUAL) da Fiocruz. Segundo o especialista, o controle de experimentação animal é feito de quatro maneiras básicas: pela legislação, pela CEUA, pelas agências de fomento (por meio de exigências em editais) e pelas políticas editoriais (vinculando a publicação de artigos científicos a boas práticas no uso de animais). Ele lembrou o papel central do médico veterinário no processo de experimentação animal, normatizada pela Resolução 714/2002 do Conselho Federal de Medicina Veterinária.

Controle de riscos e condutas em biossegurança

No último bloco do seminário, o engenheiro de segurança da CIBio/IOC, Alexander dos Santos Reis, esclareceu sobre as formas de contenção do risco (primária e secundária), abordando medidas como condutas adequadas, utilização de equipamentos de proteção e manutenção de instalações físicas. Alexander mapeou as estratégias tomadas pela CIBio/IOC para contenção através da antecipação e reconhecimento de possíveis riscos e da avaliação da exposição e controle de riscos. Foram detalhadas normas e procedimentos relacionados às barreiras primárias – registros de projetos, sinalização, equipamentos, descontaminação e imunização, entre outros requisitos – e às barreiras secundárias – enfatizando o Nível de Biossegurança 2 –, como localização e acesso, sistema de ventilação e refrigeração, pontos de utilidades, instalação dos equipamentos de proteção coletiva, controle de vetores, entre outras práticas.

 

Gustavo Barreto

 

 

 

 

IOC - Ciência para a Saúde da População Brasileira