Publicação do Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz - Ano XIII - n0 34 - 08/11/2007

 

Níveis de colesterol altos podem agravar também a fase crônica da esquistossomose

Estudo verificou que colesterol alto estimula a reprodução do parasito e acelera o desenvolvimento da doença

A relação entre elevadas taxas de colesterol e a fase crônica da esquistossomose foi tema de um dos estudos desenvolvido pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC) premiado no XX Congresso Brasileiro de Parasitologia. Realizado pela pesquisadora visitante Renata Heisler Neves e pela aluna de mestrado Alba Cristina Miranda de Barros Alencar, ambas do Laboratório de Helmintos Parasitos de Vertebrados do IOC, o trabalho recebeu menção honrosa na categoria pôster. Os resultados apresentados mostraram que o hipercolesterolemismo - o nível elevado de colesterol - está relacionado à maior eliminação de ovos pelo parasito, inclusive na fase crônica da doença. O trabalho é uma continuação da dissertação de doutorado de Renata, desenvolvida no IOC, que estudou a relação do colesterol com a fase aguda da enfermidade.

A esquistossomose é uma doença parasitária presente sobretudo em populações expostas a condições precárias de higiene e saneamento. Já altos níveis de colesterol estão relacionados a hábitos alimentares inadequados e dietas ricas em gordura. Vários estudos, desde a década de 1980, já haviam apontado a ligação entre as doenças. Em sua tese de doutorado, Renata descobriu que, na fase aguda da esquistossomose, camundongos submetidos a uma dieta especial para que desenvolvessem altos níveis de colesterol eliminavam nas fezes o triplo de ovos do que hospedeiros submetidos a uma dieta balanceada.

No estudo apresentado no XX Congresso Brasileiro de Parasitologia, a pesquisa foi estendida para a fase crônica da doença. Novamente foram analisados dois grupos de camundongos: um submetido por 6 meses à dieta elaborada por nutricionistas para aumentar seus níveis de colesterol e outro, de controle, submetido a uma dieta balanceada. Os indivíduos dos dois grupos foram, então, infectados com o parasito Schistosoma mansoni, causador da esquistossomose, e analisados, após 120 dias, fase já considerada crônica da doença.

Segundo Renata, normalmente o número de ovos produzidos durante a fase crônica se reduz bastante em relação à fase aguda da doença. Porém, a análise dos ovos retidos no tecido intestinal e no tecido hepático, e eliminados nas fezes dos animais hipercoleristêmicos, mostrou que a quantidade de ovos produzida pelo S. mansoni nesses animais se manteve constante. Da mesma forma, a produção de ovos viáveis, aqueles que realmente darão origem a novos parasitos, também se manteve constante. “Esse grupo já produzia mais ovos do que o normal na fase aguda”, explica Renata, “e essa produção não diminuiu na fase crônica da doença, como era o esperado.”

A conclusão da pesquisadora é que a fase crônica da esquistossomose se apresenta de forma bem mais severa nos animais com altos índices de colesterol. “Os ovos produzidos vão para as fezes ou para o fígado”, explica. “No grupo que tem colesterol elevado, ocorre um acúmulo maior de ovos no fígado. Assim, a doença se agrava de forma mais rápida e as complicações, como o aumento desse órgão e do baço, por exemplo, acontecem mais cedo do que entre indivíduos com colesterol normal”, compara. A descoberta é mais uma evidência da influência do nível de colesterol no desenvolvimento da esquistossomose. “Constatamos, em modelos experimentais, que a associação dessas duas patologias – dislipidemia e esquistossomose - torna-se importante, já que o experimento mostrou o potencial aumento de morbidade da esquistossomose, quando relacionado aos níveis de colesterol do doente”.

Só no Brasil são cerca de 3 milhões de portadores de esquistossomose e existem 30 milhões de brasileiros expostos ao risco de contraí-la. No mundo, a doença atinge cerca de 200 milhões de pessoas segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). Já as altas taxas de colesterol são responsáveis por cerca de 56% das cardiopatias e 18% dos acidentes cardiovasculares cerebrais. Entre as duas patologias, aparentemente distantes, a pesquisadora destaca importantes pontos de tangência. “Apesar de estar relacionada a áreas de pobreza, existem focos de esquistossomose em áreas mais nobres. Paralelo a isso, hoje em dia, em função de uma dieta rica em gordura e pobre em outros nutrientes, há um número muito grande de pessoas com alterações metabólicas, como o colesterol alto, independentemente da condição financeira”, Renata pondera, justificando a relevância estratégica de aprofundar os estudos sobre casos de associação.

Depois de analisar a influência do colesterol nas duas fases da esquistossomose, o próximo passo do estudo será investigar sua relação com o tratamento da parasitose. “Agora que já sabemos que efeitos provoca no desenvolvimento da doença, vamos investigar como a alta taxa de colesterol podem influenciar no tratamento da enfermidade”, prevê Renata. O estudo foi orientado pela pesquisadora Delir Corrêa Gomes, chefe do Laboratório de Helmintos Parasitos de Vertebrados do IOC, e pelo professor José Roberto Machado e Silva, subchefe do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ.

Marcelo Garcia

 

IOC - Ciência para a Saúde da População Brasileira