Relação entre esquistossomose e níveis de colesterol ganha nova perspectiva
Estudo verificou que alto nível de colesterol estimula a reprodução do parasito causador da doença no corpo do hospedeiro
A improvável correlação entre a esquistossomose e altas taxas de colesterol, patologias que divergem tanto por seus agentes causadores quanto por suas características epidemiológicas – a esquistossomose, uma doença parasitária presente, sobretudo em populações expostas a condições precárias de higiene e saneamento, e o hipercolesterolismo, relacionado a hábitos alimentares e independente de situação social – já foi apontada por diversos estudos desde a década de 80. Recentemente, uma pesquisa experimental do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) esclareceu um importante mecanismo que explica esta correlação: o alto nível de colesterol está ligado a uma maior taxa de reprodução do parasito causador da esquistossomose, indicando que a morbidade potencial da doença é ampliada quando associada a altas taxas de colesterol.
Laboratório de Helmintos Parasitos de Vertebrados do IOC |
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Pesquisa desenvolvida no Laboratório de Helmintos Parasitos de Vertebrados do IOC confirmou a relação entre o alto nível de colesterol e uma taxa alta de reprodução do parasito causador da esquistossomose. |
Em quatro anos de pesquisa, diferentes grupos de camundongos foram induzidos ao aumento de colesterol através de uma dieta elaborada por nutricionistas. Depois de seis meses submetidos a este regime alimentar, os camundongos, já apresentando altas taxas de colesterol, foram infectados com o parasito causador da esquistossomose. A partir da análise das fezes, foi verificado o aumento do número de ovos de Schistosoma mansoni, parasito causador da esquistossomose, na comparação com um grupo controle (animais com dieta normal). Os animais hipercolesristêmicos eliminaram o triplo de ovos nas fezes, sendo que o número de ovos viáveis (aqueles que de fato dão origem a novos parasitos) também era três vezes maior do que nos controles. A significância desses valores foi estatisticamente comprovada.
“Constatamos nos modelos experimentais um aumento na produção de ovos do parasita que causa a esquistossomose quando o colesterol é alto. Portanto, a associação dessas duas patologias se mostra importante, já que verificamos o potencial aumento de morbidade relacionada à esquistossomose”, explica a bióloga e atual pesquisadora visitante Renata Heisler Neves, que desenvolveu o estudo durante seu projeto de doutoramento desenvolvido no Laboratório de Helmintos Parasitos de Vertebrados do IOC.
“Estudos anteriores já evidenciavam que o colesterol é importante no que diz respeito à defesa do parasito. Nosso objetivo foi abordar uma nova perspectiva nesta relação”, a pesquisadora sintetiza. O estudo foi capa da edição de abril da revista Experimental Parasitology.
No Brasil, a esquistossomose está distribuída em todas as regiões do país. Em pelo menos 19 unidades da Federação, há, segundo estimativas, em torno de 3 milhões de portadores e cerca de 30 milhões de brasileiros expostos ao risco de contraí-la. No mundo, a doença atinge cerca de 200 milhões de pessoas segundo dados da Organização Mundial de Saúde. Já as altas taxas de colesterol são responsáveis por cerca de 56% das cardiopatias e 18% dos acidentes cardiovasculares cerebrais. Entre as duas patologias, aparentemente distantes, a pesquisadora destaca importantes pontos de tangência. “Apesar de estar relacionada a áreas de pobreza, existem focos de esquistossomose em áreas mais nobres. Paralelo a isso, hoje em dia, em função de uma dieta rica em gordura e pobre em outros nutrientes, há um número muito grande de pessoas com alterações metabólicas, como o colesterol alto, independentemente da condição financeira”, Renata pondera, justificando a relevância estratégica de aprofundar os estudos sobre casos de associação.
O próximo passo do estudo aprofundará a investigação na fase crônica da doença – quando os sintomas são mais severos –, já que a primeira etapa foi restrita à fase aguda (inicial) da esquistossomose. “Já sabemos que o colesterol alto cria um ambiente propício para o parasito na fase aguda da esquistossomose. Agora vamos procurar definir quais mecanismos estão por trás deste processo na fase crônica da doença”, Renata antecipa.
O estudo foi orientado pela pesquisadora Delir Corrêa Gomes, chefe do Laboratório de Helmintos Parasitos de Vertebrados do IOC, e pelo professor José Roberto Machado e Silva, subchefe do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ.
Renata Fontoura
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