Publicação do Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz - Ano XIII - n0 20 - 19/07/2007

 

Estudo mostra que o comprometimento de outros órgãos pode afetar o coração na doença de Chagas

Análise esclarece papel de células envolvidas no processo de inflamação relacionado à doença

A miocardiopatia dilatada é a principal causa de óbito relacionada à doença de Chagas, atingindo de 20 a 30% dos pacientes na fase crônica da infecção.  Por isso, costuma ser o alvo preferencial de pesquisas que buscam novas perspectivas no combate à doença. Resultados de um estudo experimental realizado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC) mostram que as principais moléculas candidatas à indução da morte de fibras cardíacas na verdade desempenham importante papel na regulação do processo inflamatório da doença, e não diretamente na morte celular. O estudo, realizado com camundongos, também chama atenção para a importância do comprometimento renal, medular e hepático na morbidade da doença de Chagas, deslocando o foco geralmente centrado nas complicações cardíacas oriundas da doença.

Gutemberg Brito
Pesquisa
O resultados do estudo chamam atenção para a importância do comprometimento renal, medular e hepático na morbidade da doença de Chagas

 

A proposta inicial era investigar os mecanismos responsáveis pela indução da morte de fibras cardíacas na infecção pelo Trypanosoma cruzi, agente causador da doença de Chagas. “Nosso alvo inicial no estudo foi uma molécula chamada perforina. Esta molécula é a principal via de indução de morte celular utilizada pelas células CD8, que constituem a população celular mais numerosa no infiltrado inflamatório cardíaco”, explica Andréa Henriques-Pons, pesquisadora do Laboratório de Biologia Celular do IOC. A perforina atua principalmente contra tumores e células infectadas por vírus.

“Em modelo experimental, analisamos camundongos onde a perforina não estava presente, e para nossa surpresa as células cardíacas continuaram morrendo. Assim, refutamos a idéia de que a perforina seria diretamente responsável pela morte da célula cardíaca”, ressalta.  “Outro aspecto relevante foi a observação de que, no modelo sem a perforina, a infiltração se mostrou muito maior, deixando claro que ela desempenhava uma função imuno-reguladora”, completa a pesquisadora. Nas próximas etapas do estudo, os pesquisadores investigarão justamente porque a ausência da perforina está relacionada a um maior índice de infiltração.

Durante o estudo sobre qual processo induziria a morte de células do coração, outro resultado surpreendente foi encontrado: o papel da interação entre as moléculas Fas e Fas L, que também são capazes de induzir morte celular. “A exemplo do que observamos em relação à perforina, os modelos que não tinham a molécula Fas- L continuavam apresentando a morte de células cardíacas. Porém, ao contrário do que foi observado em relação à perforina, constatamos que sem a Fas- L a infiltração inflamatória era muito pequena”, esclarece o veterinário Gabriel Melo de Oliveira, que desenvolveu esta etapa da pesquisa durante seu mestrado e doutorado no Programa de Pós-graduação em Biologia Celular e Molecular do IOC, sob orientação de Andréa.

Mesmo com uma infiltração inflamatória menor, os modelos experimentais apresentaram maior mortalidade. “Este aspecto chamou muita atenção. Como seria possível, frente a uma menor infiltração inflamatória cardíaca, encontrarmos maior mortalidade? Esta foi a questão que nos levou a investigar outros órgãos vitais, como rins, sangue e fígado”, o veterinário esclarece.

“O fascinante neste trabalho é que o Gabriel, como veterinário, trouxe esta proposta de fazer uma avaliação mais abrangente dos modelos experimentais”, Andréa pondera. “A miocardiopatia é o fator que mais induz a morte de pacientes com doença de Chagas, por isso os estudos conduzidos em modelos experimentais costumam ficar restritos aos efeitos da doença sobre o coração. Acontece que a falência cardíaca não é apenas um efeito direto da inflamação no tecido, pois o coração é afetado pelo comprometimento de outros órgãos durante a doença e esse aspecto sistêmico pode revelar novas alternativas de tratamento e acompanhamento”, Andréa avalia. “Se formos além do coração, vamos perceber que ele pode até ser a causa de morte, mas o coração também é afetado pelo comprometimento de outros órgãos”, ressalta.

O próximo passo da pesquisa, que teve seus resultados publicados na edição de julho do American Journal of Pathology, prevê o aprofundamento do aspecto imuno-regulador das moléculas estudadas com um objetivo final mais abrangente. “Os resultados obtidos durante a pesquisa acabaram redirecionando o estudo. O ideal seria se conseguíssemos, através de uma análise sistêmica, predizer se o paciente em período indeterminado tem maiores chances de ser um cardiopata ou não e antecipar/direcionar o tratamento para amenizar a agressividade do problema”, Andréa finaliza. 

Renata Fontoura

 

 

 

 

IOC - Ciência para a Saúde da População Brasileira