Simpósio Descoberta e Desenvolvimento de Drogas para Doença de Chagas e Leishmanioses reuniu especialistas para o debate sobre doenças negligenciadas

 

Consideradas doenças negligenciadas, leishmanioses e doença de Chagas – que atingem respectivamente 12 e 18 milhões de pessoas em todo o mundo, sobretudo em países em desenvolvimento – tornaram-se alvo de debate científico entre especialistas da área, que compareceram ao Simpósio Descoberta e Desenvolvimento de Drogas para Doença de Chagas e Leishmanioses, realizado em parceria pela Fiocruz/Instituto Oswaldo Cruz (IOC) e a Iniciativa em Medicamentos para Doenças Negligenciadas (Drugs for Neglected Diseases Initiative – DNDi, na sigla em inglês) na última sexta-feira, dia 6 de outubro, que contou com a presença de mais de 120 pesqusiadores e estudantes de diversas instituições.

Gutemberg Brito
Especialistas nacionais e internacionais da área de saúde reuniram-se no IOC para discutir avanços e desafios no controle da doença de Chagas e das leishmanioses

Para apresentar a temática, foi exibido o documentário Chagas – uma doença escondida, produzido por Ricardo Preve e lançado pelo selo Fiocruz Vídeo. A partir de uma expedição realizada pelo interior da Argentina e do contraponto entre depoimentos de famílias infectadas há gerações pelo Trypanosoma cruzi, parasito causador da doença de Chagas, e o posicionamento oficial do governo, que garante o controle da doença, o documentário alerta para a necessidade de informação sobre a infecção e mostra, através de entrevistas, como o problema é ignorado em países desenvolvidos – tanto pela população quanto por médicos.

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O presidente da Fiocruz, Paulo Buss, comemora a parceria entre a Fundação e o DNDi, instituições que colecionam iniciativas para o combate de doenças negligenciadas

Na mesa de abertura do evento, o presidente da Fiocruz, Paulo Buss, reconheceu a importância do Simpósio para ambas as instituições, que colecionam iniciativas para o controle de doenças negligenciadas. Simon Croft e Diana Wirth deram as boas-vindas pelo DNDi. Para iniciar o debate científico, Tania Araújo-Jorge, diretora do IOC, apresentou a palestra Pesquisa e desenvolvimento de drogas para a doença de Chagas: história e desafios. Inspirada pela relação entre ciência e arte, Tania inaugurou a apresentação com uma obra de Candido Portinari que retrata um paciente chagásico em fase aguda e informou dados epidemiológicos da doença que apresenta 300 mil novos casos no mundo a cada ano. Tania ressaltou a necessidade de controle do barbeiro, principal forma de transmissão da infecção, e do desenvolvimento de novas estratégias para o controle da doença, diante do posicionamento oficial do Ministério da Saúde e da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical de que não há perspectivas, em termos de saúde pública, para o tratamento em larga escala da doença em fase crônica.

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Tania Araújo-Jorge destacou desafios para a produção de medicamentos para a doença de Chagas

Em seguida, Rodrigo Corrêa-Oliveira, do Centro de Pesquisas René Rachou/Fiocruz, apresentou o Programa Integrado de Doença de Chagas (PIDC) da Fiocruz. Estruturado em três redes temáticas – Medicamentos, terapêutica e ensaios clínicos; Taxonomia de vetores e ecologia de ciclos de transmissão do T. cruzi; e Diagnóstico, evolução e patogênese – o PIDC tem por objetivo integrar grupos de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico em doença de Chagas e levar para a prática – e para a população – o conhecimento produzido em laboratório. Para ampliar a iniciativa, Rodrigo convidou todos os pesquisadores envolvidos no estudo da doença de Chagas a integrar o Programa, independentemente do vínculo institucional, articulando uma ampla rede de investigação.

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Rodrigo Corrêa-Oliveira apresentou o Programa Integrado de Doença de Chagas da Fiocruz, que integra três redes temáticas com o objetivo de levar para a prática o conhecimento produzido em laboratórios

O debate sobre leishmanioses teve início com a mesa-redonda Tratamento para leishmanioses: desafios, mediada por Bartira Rossi Bergmann, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Primeiro, Gustavo Romero, da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília, apresentou a palestra Tratamento tópico para leishmaniose cutânea causada por Leishmania braziliensis, em que divulgou recentes pesquisas e avanços sobre a temática e destacou a importância de se desenvolver alternativas de aplicação de medicamentos no local das lesões da pele – mais baratas, de fácil aplicação e baixa toxicidade – para o tratamento da doença.

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Gustavo Romero apresentou vantagens do tratamento tópico para leishmaniose cutânea

Na seqüência, Manoel Barral-Neto, do Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz/Fiocruz e diretor científico do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), discutiu Bases para abordagens imunoterapêuticas e reconheceu que o tratamento das leishmanioses ainda é um campo essencialmente experimental, que produz mais avanços básicos que resultados práticos. Apesar disso, divulgou recentes avanços no estudo de possíveis alvos imunoterapêuticos, como uma “vacina completa”, resultado da combinação de diferentes agentes terapêuticos, capaz de limitar a evolução da doença, mas não de eliminá-la completamente.

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Manoel Barral-Neto apresentou modalidades de tratamento para as leishmanioses

Diante da necessidade da descoberta de alternativas terapêuticas para as leishmanioses, Ana Rabello, do Centro de Pesquisas René Rachou/Fiocruz, apresentou a Rede Brasileira para o Desenvolvimento de Drogas para Leishmanioses que, de forma análoga ao PIDC, busca integrar os diversos grupos de pesquisa brasileiros que estudam a temática. Durante a palestra, Ana chamou atenção para o contraste entre a publicação de artigos e a produção de medicamentos no Brasil, que importa a maioria das drogas utilizadas no tratamento de doenças endêmicas. 

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Ana Rabello apresentou a Rede Brasileira para o Desenvolvimento de Drogas para Leishmanioses

Julio Urbina, do Instituto Venezuelano de Pesquisa Científica, introduziu a discussão sobre posaconazol, agente antifúngico que produziu resultados bastante satisfatórios contra o T. cruzi em testes pré-clínicos e que foi abordado posteriormente por outros pesquisadores. Julio informou sobre as propriedades da substância, que gerou o resultado positivo de 50% a 60% de cura em modelo murino da fase crônica da doença de Chagas e foi aprovada em 2005 pela União Européia e pela Austrália e em 2006 pelo FDA, órgão americano que aprova o uso de medicamentos.

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O venezuelano Julio Urbina discutiu o uso de posaconazol contra o T. cruzi

Após a fala do pesquisador venezuelano, Maria Terezinha Bahia, da Universidade Federal de Ouro Preto, apresentou a palestra O cão como modelo experimental para quimioterapia da doença de Chagas, que reuniu os resultados de um estudo apoiado pelo DNDi que avaliou o esquema terapêutico por benzidazol em modelos caninos das fases aguda e crônica da doença. Após seis meses de tratamento, exames sorológicos indicaram negativação de 67,5% na fase aguda e 37,5% na crônica.

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Maria Terezinha Bahia apresentou o cão como modelo experimental para a quimioterapia para a doença de Chagas

Complementando as duas palestras anteriores, Álvaro Romanha, do Centro de Pesquisas René Rachou/Fiocruz, discutiu o Efeito cooperativo do sistema imunológico para eficácia de drogas no tratamento de doença de Chagas experimental e apresentou os resultados de um estudo que comparou a ação do posaconazol à do benzidazol em modelos experimentais da doença de Chagas com diferentes tipos de imunodeficiências. A pesquisa observou três grupos de camundongos imunodeficientes infectados pelo T. cruzi – um de controle, um tratado com posaconazol e outro com benzidazole – e avaliou a evolução da doença 20 dias após a administração das substâncias. Enquanto os animais do grupo de controle, que não receberam tratamento, permaneceram infectados, o grupo tratado por benzidazol apresentou até 86% de cura; e o por posaconazol, 89%.

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Alvaro Romanha comparou o efeito do Posaconazol à do Benzinadosole

Na palestra Genoma do Trypanosoma cruzi e Leishmania spp e desenho de alvos quimioterápicos, Wim Degrave, chefe do Laboratório de Genômica Funcional e Bioinformática do IOC, comparou a organização dos genes de diferentes linhagens dos parasitos e demonstrou como essas informações podem auxiliar o desenvolvimento de drogas mais eficazes, a partir da identificação de alvos terapêuticos específicos para cada linhagem de parasito.

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Win Degrave comparou a organização dos genes de diferentes linhagens dos parasitos

Para encerrar o Simpósio, a mesa-redonda mediada por Ângela Hampshire de Carvalho Santos Lopes, diretora do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes da UFRJ, recebeu três pesquisadores para discutir Tratamento da doença de Chagas: estado da arte e desafios de abordagens tripanocidas e imunoterapêuticas.

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José Rodrigues Coura listou os principais desafios ao controle da doença de Chagas

José Rodrigues Coura, chefe do Departamento de Medicina Tropical do IOC, iniciou o debate com a apresentação Doença de Chagas: o que se sabe e o que é necessário?, em que listou os desafios primordiais ao controle da doença: esclarecimento da patogênese e do mecanismo evolutivo da infecção; desenvolvimento de drogas eficientes para as fases aguda e crônica da doença; de teste rápido e específico para a identificação de diferentes linhagens do Trypanosoma cruzi; padronização de técnicas para o diagnóstico sorológico e o controle da cura; comparação da morbidade induzida por diferentes linhagens do T. cruzi ; estudo da metaciclogênese das diferentes linhagens do parasito; análise de risco da adaptação de triatomíneos selvagens a residências humanas; avaliação da morbidade por doença de Chagas na região Amazônica; consolidação de programas de vigilância epidemiológica e de controle da doença na região Amazônica; e foco no controle da doença  na América Latina e no México.

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No slide, Ricardo Ribeiro dos Santos apresenta um dos pacientes beneficiados pela terapia celular para cardiopatia chagásica

Ricardo Ribeiro dos Santos, do Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz/Fiocruz, discutiu a Terapia celular na cardiopatia Chagásica e apresentou resultados surpreendentes de uma pesquisa que tratou infecção experimental por T. cruzi em camundongos através do transplante de células da medula óssea. Apenas cinco dias após o transplante, as células da medula óssea puderam ser identificadas entre as células inflamatórias do coração e dois meses após a operação foi constatada a redução tanto da inflamação quanto da fibrose, que mantiveram índices reduzidos por mais dez meses. A terapia está em fase de validação e será testada contra a cardiopatia chagásica em mais 1.200 pacientes.

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Julio Scharfstein apresentou dados indicando que a bradicinina pode induzir atividade imunológica contra o T. cruzi e a Leishmania chagasi

A palestra de encerramento – Ativação de receptores de bradicinina em células dendríticas: potencialização do efeito adjuvante em novas formulações de vacinas contra patógenos intracelulares – foi realizada por Julio Scharfstein, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ, que comprovou através dos resultados de uma pesquisa básica que a bradicinina pode induzir atividade imunológica contra o T. cruzi e a Leishmania chagasi.

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Simon Croft, diretor do DNDi, comemorou o sucesso do evento

No encerramento do Simpósio, Simon Croft, diretor do DNDi, e Tania Araújo-Jorge, diretora do IOC, reiteraram a necessidade de integrar esforços para o combate às doenças negligenciadas através de redes de pesquisa e de vigilância epidemiológica e comemoraram a parceria entre as duas instituições em prol da saúde. A palestra foi transmitido em tempo real pela Rede Fiocruz.

Bel Levy
10/10/2006

 

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