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Ciência, mídia e sociedade

Além de impulsionar a pesquisa científica em HIV/Aids, o isolamento do HIV-1 no Brasil repercutiu sobre toda a sociedade, à época assustada pelo estigma de um patógeno desconhecido, que afetava grupos sociais específicos ao mesmo tempo em que atingia mais e mais pessoas. Sua divulgação na mídia contribuiu para maior confiança da população na ciência e no estudo da Aids e para o início da luta contra o preconceito, que até hoje esbarra em obstáculos.

Quando os primeiros casos de Aids foram identificados no Brasil, no início da década de 1980, a mídia logo se interessou pela misteriosa síndrome que alarmava a população e desafiava pesquisadores. O pouco ou quase nenhum conhecimento sobre a doença gerava especulações e estigmas que associavam a infecção a determinados grupos ou comportamentos de risco. Sem a devida orientação, os meios de comunicação não hesitaram em difundir manchetes alarmistas e estigmatizantes.

 

Reportagem publicada em 1987 pelo Jornal do Brasil avalia impactos do isolamento do HIV

 

Neste contexto, era natural que o isolamento do vírus da Aids provocasse furor na mídia. “O isolamento do HIV-1 no Brasil ampliou o espaço oferecido pela mídia à produção científica nacional, antes ocupado principalmente por descobertas espaciais e achados da paleontologia. Foi um passo importante para o jornalismo científico brasileiro, que começou a ser produzido com mais responsabilidade e correção. O maior desafio era enfrentar o desconhecimento sobre a síndrome e o papel da Fiocruz como difusora de informações conceituais da Organização Mundial da Saúde foi crucial para isto”, destaca o jornalista Edmilson Silva, atual Consultor da Organização Pan-Americana de Saúde, que realizou a cobertura do isolamento do HIV-1 pelo Jornal do Brasil.

“O isolamento do vírus é um marco histórico da epidemia da Aids no Brasil, que repercutiu sobre toda a sociedade e não só entre a comunidade científica ou as pessoas infectadas. Misturado ao preconceito, o pouco conhecimento sobre a doença produziu estigmas alarmistas e discriminantes, que foram multiplicados pela imprensa. Como produtores de conhecimento científico, também tínhamos o dever de capacitar os profissionais de comunicação para informar corretamente a sociedade. E assim foram criados na Fiocruz os primeiros cursos de imunologia e de biologia celular e molecular para jornalistas”, conta o imunologista Bernardo Galvão, que liderou o isolamento do HIV-1 no Brasil.

“O apoio dos pesquisadores foi fundamental para que pudéssemos realizar reportagens corretas sobre a epidemia da Aids e os avanços da ciência no estudo do HIV-1. A partir dos cursos preparados especialmente para repórteres, a imprensa pôde criar seus próprios especialistas em Aids, garantindo matérias de qualidade, produzidas por jornalistas preparados para lidar com o tema e combater a desinformação e o preconceito”, lembra o jornalista Alexandre Medeiros, que nas décadas de 1980 e 1990 publicou matérias sobre HIV/Aids nos periódicos O Globo e Jornal do Brasil. “A Fiocruz foi pioneira na disseminação organizada de informações sobre a Aids no Brasil e contribuiu indiscutivelmente para a divulgação coerente do tema na mídia. Ao que me lembre, antes mesmo do Ministério da Saúde estruturar uma política de informações sobre a doença, a Fiocruz já dava suporte a jornalistas, que passaram a ter como fonte não só profissionais isolados, mas uma instituição de pesquisa de porte internacional, respeitada por todos”, avalia.

Integrante da turma de repórteres que começava a se especializar em ciência através dos cursos de imunologia e de biologia celular oferecidos pela Fiocruz, o jornalista Edmilson Silva reconhece a influência da iniciativa em sua carreira. “A cobertura jornalística sobre qualquer assunto exige um estudo prévio do tema, para que o repórter não atue como mero reprodutor de versões. Para exercer o papel do jornalismo, que é esclarecer a população – e isso era fundamental no contexto da epidemia da Aids na década de 1980 –, é preciso realmente entender sobre o que se escreve. E os cursos cumpriram a missão de educar os repórteres para tratar de ciência”, considera.


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