A cooperação com o pesquisador Charles Rice, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina de 2020, está na raiz de linhas de pesquisa inovadoras do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). A parceria foi iniciada nos anos 1980, quando o pesquisador do IOC Ricardo Galler realizou a sua formação em virologia molecular nos Estados Unidos. Os dois se conheceram no Instituto de Tecnologia da California (Caltech), onde ambos eram pós-doutorandos supervisionados por James Strauss, uma referência no campo da virologia.
Galler realizou dois pós-doutorados nos EUA. Ele chegou a Caltech em 1985, no mesmo ano em que Rice e Strauss publicaram o primeiro sequenciamento do genoma completo do vírus vacinal da febre amarela. Em 1987, seguiu para a Washington University em Saint Louis, onde Rice tinha estabelecido seu laboratório próprio. Em 1989, Galler integrou a equipe liderada por Rice que publicou um dos primeiros artigos a descrever a obtenção de vírus sintéticos por genética reversa, aplicando a metodologia ao vírus da vacina da febre amarela.
Síntese de vírus da febre amarela a partir da metodologia de genética reversa foi publicada no periódico 'The New Biologist' em 1989. Foto: Arquivo pessoalDe volta ao IOC, o pesquisador fundou o Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus, onde iniciou pesquisas com foco no uso do vírus vacinal da febre amarela como vetor de expressão e no desenvolvimento de vacinas virais recombinantes. As duas abordagens têm como ponto de partida a genética reversa, que facilita a manipulação do genoma viral, permitindo, por exemplo, que os pesquisadores insiram genes de outros patógenos no código genético do vírus da vacina da febre amarela. Dessa forma, o microrganismo passa a expressar proteínas de outros agentes infecciosos e pode se tornar uma plataforma para a imunização contra diferentes agravos.
“O meu foco durante o pós-doutorado foi sempre o uso do vírus vacinal da febre amarela como vetor de expressão, entendendo que essa seria uma tecnologia importante para o Brasil, que já produzia a vacina e poderia utilizá-la contra outras doenças”, explica Galler. “Mesmo após a conclusão do pós-doutorado, a colaboração com Charles [Rice] foi muito proveitosa para a realização de pesquisas, como o sequenciamento genético do vírus vacinal da febre amarela no Brasil e estudos de virulência, e para a formação de pessoal”, acrescenta o cientista.
O trabalho desenvolvido no Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus levou a uma tecnologia inovadora para a produção de vacinas recombinantes, reconhecida com patentes nos Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido e Holanda e aplicada para produzir imunizantes contra dengue, malária e HIV. “A formação de Galler em virologia molecular com o grupo de Rice foi muito importante para a criação de um laboratório com essa capacidade de desenvolvimento tecnológico”, afirma a pesquisadora Myrna Bonaldo, atual chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus, que desenvolveu a metodologia patenteada junto com Galler.
Anunciado no dia 5 de outubro, o Nobel de Medicina reconheceu o trabalho de Rice ao desvendar as últimas peças do quebra-cabeças sobre o vírus da hepatite C. A metodologia de síntese viral por genética reversa foi uma das técnicas utilizadas pelo cientista para identificar a sequência final do genoma do microrganismo. O Prêmio Nobel foi compartilhado com os pesquisadores Harvey Alter e Michael Houghton, considerando que as descobertas realizadas pelos três cientistas foram fundamentais para a caracterização do patógeno, que permitiu o desenvolvimento de testes de diagnóstico e de tratamentos para a doença.
Anunciado no dia 7 de outubro, o Prêmio Nobel de Química reconheceu o trabalho das pesquisadoras Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna pelo desenvolvimento do método de edição do genoma CRISPR-Cas9. A ferramenta pode ser descrita como uma tesoura genética, que permite aos cientistas cortar o DNA de forma precisa e fácil. O corte realizado no ponto exato orientado por uma molécula guia de RNA pode ser usado tanto para interromper a expressão de um gene como para inserir novas sequências no genoma. Publicada há apenas oito anos, a metodologia é considerada revolucionária e já vem contribuindo para novas terapias do câncer, além de abrir portas para a cura de doenças genéticas hereditárias.
No IOC, projetos utilizam a técnica para desvendar a função de proteínas que podem ter um papel importante em agravos e desenvolver novas terapias. No Laboratório de Pesquisa sobre o Timo, quatro linhas de pesquisa estão em andamento. Entre elas está a investigação sobre a integrina VLA-4 nas células de defesa chamadas de linfócitos T, que foi selecionada no edital Geração de Conhecimento do Programa Inova Fiocruz. Presente na superfície celular, a molécula atua na adesão dos linfócitos à parede dos vasos sanguíneos. O processo é importante para a migração destas células até locais de infecção, mas também está envolvido em doenças inflamatórias, como a esclerose múltipla.
A metodologia CRISPR-Cas9 é utilizada para investigar outras funções da molécula VLA-4 na biologia dos linfócitos T. “Na primeira fase do trabalho, utilizamos a CRISPR para silenciar um dos genes da VLA-4, interrompendo a expressão da molécula nas células. Isso permite responder perguntas de biologia celular que são importantes do ponto de vista clínico”, afirma o pesquisador Vinicius Cotta de Almeida, chefe do Laboratório de Pesquisa sobre o Timo e líder do projeto. Na próxima etapa do trabalho, a técnica de edição genética será aplicada para obter linhagens celulares com variações em um dos genes que codificam a VLA-4 que são encontradas na população, investigando, assim, possíveis efeitos patogênicos.
No Laboratório de Virologia Molecular do IOC, a ferramenta é uma aposta para novos tratamentos de infecções. A pesquisadora Vanessa de Paula, chefe do Laboratório, explica que, neste caso, a tesoura genética CRISPR-Cas9 é introduzida nas células, mas a molécula guia de RNA direciona o corte para o genoma dos vírus. “Na virologia, a principal vantagem da CRISPR-Cas9 é a possibilidade de edição do genoma viral e, consequentemente, de inibição da replicação dos vírus, o que abre portas para a cura ou tratamento de doenças”, diz a cientista.
Entre os projetos iniciados, o mais avançado tem como alvo a ceratite herpética, infecção ocular causada pelo vírus herpes 1. O estudo foi contemplado no edital para Produtos Inovadores do Programa Inova Fiocruz. Em cultura de células, os pesquisadores conseguiram bloquear a replicação viral por meio da CRISPR-Cas9. Na próxima etapa, a terapia será avaliada em camundongos, considerados como modelo para estudo do agravo. “Vamos comparar a terapia com CRISPR-Cas9 com o tratamento padrão para os herpes vírus”, pontua Vanessa, que coordena a pesquisa.
A cooperação com o pesquisador Charles Rice, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina de 2020, está na raiz de linhas de pesquisa inovadoras do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). A parceria foi iniciada nos anos 1980, quando o pesquisador do IOC Ricardo Galler realizou a sua formação em virologia molecular nos Estados Unidos. Os dois se conheceram no Instituto de Tecnologia da California (Caltech), onde ambos eram pós-doutorandos supervisionados por James Strauss, uma referência no campo da virologia.
Galler realizou dois pós-doutorados nos EUA. Ele chegou a Caltech em 1985, no mesmo ano em que Rice e Strauss publicaram o primeiro sequenciamento do genoma completo do vírus vacinal da febre amarela. Em 1987, seguiu para a Washington University em Saint Louis, onde Rice tinha estabelecido seu laboratório próprio. Em 1989, Galler integrou a equipe liderada por Rice que publicou um dos primeiros artigos a descrever a obtenção de vírus sintéticos por genética reversa, aplicando a metodologia ao vírus da vacina da febre amarela.
Síntese de vírus da febre amarela a partir da metodologia de genética reversa foi publicada no periódico 'The New Biologist' em 1989. Foto: Arquivo pessoalDe volta ao IOC, o pesquisador fundou o Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus, onde iniciou pesquisas com foco no uso do vírus vacinal da febre amarela como vetor de expressão e no desenvolvimento de vacinas virais recombinantes. As duas abordagens têm como ponto de partida a genética reversa, que facilita a manipulação do genoma viral, permitindo, por exemplo, que os pesquisadores insiram genes de outros patógenos no código genético do vírus da vacina da febre amarela. Dessa forma, o microrganismo passa a expressar proteínas de outros agentes infecciosos e pode se tornar uma plataforma para a imunização contra diferentes agravos.
“O meu foco durante o pós-doutorado foi sempre o uso do vírus vacinal da febre amarela como vetor de expressão, entendendo que essa seria uma tecnologia importante para o Brasil, que já produzia a vacina e poderia utilizá-la contra outras doenças”, explica Galler. “Mesmo após a conclusão do pós-doutorado, a colaboração com Charles [Rice] foi muito proveitosa para a realização de pesquisas, como o sequenciamento genético do vírus vacinal da febre amarela no Brasil e estudos de virulência, e para a formação de pessoal”, acrescenta o cientista.
O trabalho desenvolvido no Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus levou a uma tecnologia inovadora para a produção de vacinas recombinantes, reconhecida com patentes nos Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido e Holanda e aplicada para produzir imunizantes contra dengue, malária e HIV. “A formação de Galler em virologia molecular com o grupo de Rice foi muito importante para a criação de um laboratório com essa capacidade de desenvolvimento tecnológico”, afirma a pesquisadora Myrna Bonaldo, atual chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus, que desenvolveu a metodologia patenteada junto com Galler.
Anunciado no dia 5 de outubro, o Nobel de Medicina reconheceu o trabalho de Rice ao desvendar as últimas peças do quebra-cabeças sobre o vírus da hepatite C. A metodologia de síntese viral por genética reversa foi uma das técnicas utilizadas pelo cientista para identificar a sequência final do genoma do microrganismo. O Prêmio Nobel foi compartilhado com os pesquisadores Harvey Alter e Michael Houghton, considerando que as descobertas realizadas pelos três cientistas foram fundamentais para a caracterização do patógeno, que permitiu o desenvolvimento de testes de diagnóstico e de tratamentos para a doença.
Anunciado no dia 7 de outubro, o Prêmio Nobel de Química reconheceu o trabalho das pesquisadoras Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna pelo desenvolvimento do método de edição do genoma CRISPR-Cas9. A ferramenta pode ser descrita como uma tesoura genética, que permite aos cientistas cortar o DNA de forma precisa e fácil. O corte realizado no ponto exato orientado por uma molécula guia de RNA pode ser usado tanto para interromper a expressão de um gene como para inserir novas sequências no genoma. Publicada há apenas oito anos, a metodologia é considerada revolucionária e já vem contribuindo para novas terapias do câncer, além de abrir portas para a cura de doenças genéticas hereditárias.
No IOC, projetos utilizam a técnica para desvendar a função de proteínas que podem ter um papel importante em agravos e desenvolver novas terapias. No Laboratório de Pesquisa sobre o Timo, quatro linhas de pesquisa estão em andamento. Entre elas está a investigação sobre a integrina VLA-4 nas células de defesa chamadas de linfócitos T, que foi selecionada no edital Geração de Conhecimento do Programa Inova Fiocruz. Presente na superfície celular, a molécula atua na adesão dos linfócitos à parede dos vasos sanguíneos. O processo é importante para a migração destas células até locais de infecção, mas também está envolvido em doenças inflamatórias, como a esclerose múltipla.
A metodologia CRISPR-Cas9 é utilizada para investigar outras funções da molécula VLA-4 na biologia dos linfócitos T. “Na primeira fase do trabalho, utilizamos a CRISPR para silenciar um dos genes da VLA-4, interrompendo a expressão da molécula nas células. Isso permite responder perguntas de biologia celular que são importantes do ponto de vista clínico”, afirma o pesquisador Vinicius Cotta de Almeida, chefe do Laboratório de Pesquisa sobre o Timo e líder do projeto. Na próxima etapa do trabalho, a técnica de edição genética será aplicada para obter linhagens celulares com variações em um dos genes que codificam a VLA-4 que são encontradas na população, investigando, assim, possíveis efeitos patogênicos.
No Laboratório de Virologia Molecular do IOC, a ferramenta é uma aposta para novos tratamentos de infecções. A pesquisadora Vanessa de Paula, chefe do Laboratório, explica que, neste caso, a tesoura genética CRISPR-Cas9 é introduzida nas células, mas a molécula guia de RNA direciona o corte para o genoma dos vírus. “Na virologia, a principal vantagem da CRISPR-Cas9 é a possibilidade de edição do genoma viral e, consequentemente, de inibição da replicação dos vírus, o que abre portas para a cura ou tratamento de doenças”, diz a cientista.
Entre os projetos iniciados, o mais avançado tem como alvo a ceratite herpética, infecção ocular causada pelo vírus herpes 1. O estudo foi contemplado no edital para Produtos Inovadores do Programa Inova Fiocruz. Em cultura de células, os pesquisadores conseguiram bloquear a replicação viral por meio da CRISPR-Cas9. Na próxima etapa, a terapia será avaliada em camundongos, considerados como modelo para estudo do agravo. “Vamos comparar a terapia com CRISPR-Cas9 com o tratamento padrão para os herpes vírus”, pontua Vanessa, que coordena a pesquisa.
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)