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Um ano de pandemia: o trabalho incansável em prol da vida

Em entrevista, chefe do laboratório do IOC que atua como referência em Covid-19 nas Américas discute avanços e desafios para o combate ao novo coronavírus
Por Maíra Menezes11/03/2021 - Atualizado em 23/03/2021

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) caracterizava a emergência sanitária provocada pela Covid-19 como pandemia, reconhecendo que a nova doença, originada em Whuhan, na China, havia se espalhado pelo planeta. Um ano depois, os números dão a dimensão do impacto avassalador do novo coronavírus, batizado de SARS-CoV-2: em todo o mundo, os casos notificados passam de 117 milhões e mais de 2,6 milhões de pessoas perderam suas vidas. No Brasil, são mais de 11 milhões de infectados e 270 mil mortes.

À frente do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), que atua como Centro de Referência Nacional em vírus respiratórios junto ao Ministério da Saúde e como referência para a OMS em Covid-19 nas Américas, a virologista Marilda Siqueira afirma que salvar vidas é a motivação central do intenso trabalho da comunidade científica nesse período.

A virologista Marilda Siqueira é consultora da OMS e integrante de comitês da entidade e do Ministério da Saúde sobre viroses respiratórias. Foto: Josué Damacena

Em entrevista, a pesquisadora enfatiza a expressiva e acelerada geração de conhecimento em torno do agravo, que se refletiu no rápido desenvolvimento de testes de diagnóstico, na melhoria dos cuidados clínicos e na chegada das vacinas. Discute também os desafios deste momento da pandemia, como a emergência de novas variantes e a escalada do número de infecções.

Com larga experiência no enfrentamento de emergências de saúde pública, incluindo a pandemia de influenza H1N1, os surtos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS) e ebola, além do esforço para eliminação da rubéola e do sarampo nas Américas, Marilda ressalta a importância do investimento na ciência.

“Não podemos parar de investir nas diferentes áreas do conhecimento, não só na parte laboratorial, mas no estudo do impacto social, econômico, psicológico, das questões clínicas, de novas drogas. Todo esse conjunto de desenvolvimento científico não pode parar”, diz a pesquisadora, reforçando ainda a necessidade de ação dos governantes e da população para conter a Covid-19. “A responsabilidade de cada um afeta a vida de todas as pessoas”, salienta.

Confira a íntegra da entrevista.

Um ano após a declaração da pandemia, quais os principais avanços para o enfrentamento da Covid-19?
Tivemos muitos avanços nacionais e mundiais. Falando inicialmente da parte laboratorial, ter rapidamente um teste de diagnóstico sensível e específico muda a história em uma pandemia. Isso é o que nos permite ter dados confiáveis sobre os casos devidos ao SARS-CoV-2. A OMS anunciou a pandemia em 11 de março e, no dia 17, o kit de diagnóstico de Biomanguinhos já estava disponível nos 27 Lacens [Laboratórios Centrais de Saúde Pública] do país, com equipes treinadas. Ainda em metodologias laboratoriais, temos hoje testes rápidos, baseados na detecção de antígenos, que dão resultado confiável, com sensibilidade de 90% em relação ao PCR, que identifica o genoma do vírus e é o padrão-ouro. São testes que podem ser feitos em postos e unidades de saúde, o que é importante para os pacientes individualmente e para a saúde pública.

O que possibilitou essa resposta rápida?
Isso não nasceu do nada. Foi resultado de anos de trabalho, de desenvolvimento científico e tecnológico de testes de PCR para vírus respiratórios. A partir desse desenvolvimento, poucos dias depois do anúncio do genoma do SARS-CoV-2, o Laboratório Charité, na Alemanha, conseguiu desenvolver a metodologia de diagnóstico, que foi compartilhada gratuitamente com todo o mundo, e aproximadamente um mês depois, Biomanguinhos, em parceria com o IOC e o IBMP [Instituto de Biologia Molecular do Paraná], entregou o teste nacional. São anos de pesquisa e desenvolvimento que permitem que a comunidade científica responda apropriadamente a um desafio. Por isso, não podemos parar de investir nas diferentes áreas do conhecimento, não só na parte laboratorial, mas no estudo do impacto social, econômico, psicológico, das questões clínicas, de novas drogas. Todo esse conjunto de desenvolvimento científico não pode parar. Quando ele para, retrocedemos e deixamos de ter oportunidades contra a Covid-19 e em próximos desafios.

Além de profissionais dos Lacens brasileiros, pesquisadores do IOC capacitaram especialistas de nove países das Américas para diagnóstico da Covid-19. Foto: Josué Damacena

Além do diagnóstico, o que mais avançou nesse período?
O conhecimento clínico avançou muito e permitiu melhorar o manejo dos pacientes. No início da pandemia, achava-se que a Covid-19 era apenas uma doença respiratória. Hoje sabe-se que ela é sindrômica, que afeta diversos órgãos. A definição dos grupos de risco, como idosos e pessoas com outras condições clínicas, também foi importante. Não são todas as doenças que apresentam esse comportamento de atingir com maior gravidade determinados grupos. Estamos avançando agora no conhecimento sobre fatores genéticos individuais que podem contribuir para a gravidade dos casos. Esse conhecimento acumulado já é muito útil e está pavimentando o caminho para o futuro em direção à medicina individualizada.

A emergência de variantes do SARS-CoV-2 pode agravar a situação da pandemia?
Esses vírus chamados de variantes de alerta ou variantes de preocupação têm mutações no genoma que possibilitam maior transmissibilidade. Ainda não há conhecimento claro se essas variantes influenciam a gravidade da doença. Porém, mesmo que não haja aumento de gravidade, a maior transmissibilidade leva a mais pessoas doentes e, consequentemente, mais internações. As mutações também podem ou não implicar na eficácia das vacinas e já existem estudos em andamento para avaliar isso, como, por exemplo, os testes de neutralização, que avaliam se os anticorpos são capazes de inibir o vírus. Desde o começo da pandemia, a comunidade científica se debruçou no desenvolvimento desses testes e atualmente temos essas metodologias, inclusive no nosso Laboratório, que podem auxiliar no entendimento da doença.

Pesquisadores do IOC e cientistas do Reino Unido desenvolveram protocolo que reduz falhas no sequenciamento genético do novo coronavírus. Foto: Josué Damacena

No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, já tivemos a detecção da Variante de Atenção identificada no Reino Unido e da variante P.1, identificada originalmente no Amazonas. Como funciona a vigilância genômica do SARS-CoV-2 no país?
O Brasil conta com uma rede de vigilância de influenza e vírus respiratórios, coordenada pelo Ministério da Saúde, que se estruturou ainda mais após a pandemia de H1N1, em 2009. Existe um Laboratório Central de Saúde Pública [Lacen] em cada capital, e as Secretarias Estaduais de Saúde têm unidades sentinela, tanto ambulatoriais quanto hospitalares, que coletam amostras regularmente e enviam aos Lacens para diagnóstico. Nosso Laboratório atua como referência nacional para o Ministério da Saúde e a OMS, e os Institutos Evandro Chagas, em Belém, e Adolfo Lutz, em São Paulo, atuam como referências regionais. A partir da emergência do SARS-CoV-2, o Ministério da Saúde usou essa rede para o seguimento dos casos de Covid-19. Existem ainda outras iniciativas de sequenciamento genético do SARS-CoV-2 no país. A Fiocruz participa ativamente desse processo, com seus laboratórios em diversos estados brasileiros, que integram a Rede Genômica Fiocruz. O Ministério da Ciência Tecnologia e Inovações também tem uma rede, reunindo universidades e institutos de pesquisa.

Como são escolhidas as amostras submetidas ao sequenciamento genético?
Entre as amostras enviadas pelas unidades sentinela para os Lacens, são escolhidas aquelas que, nos testes de diagnóstico de PCR, apresentam quantidade de vírus alta. Esse é um critério internacional, pois aumenta a chance de sucesso do procedimento. Além disso, as amostras devem ser representativas por semana epidemiológica, incluindo casos não graves, graves e de óbito, e distribuídas geograficamente pelo país.

É necessário expandir o sequenciamento no país devido à emergência das novas variantes?
Sim, e essa expansão já está sendo organizada pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde junto com a Fiocruz. Atualmente, o sequenciamento genético é realizado apenas nos laboratórios de referência da rede. O objetivo é que os estados passem a ter capacidade de executar esse procedimento nos Lacens. O sequenciamento genético não é barato, exige financiamento, que está sendo alocado pelo Ministério da Saúde para essa expansão.

Equipe do Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo trabalha em ritmo intenso no diagnóstico, sequenciamento genético e pesquisa sobre a Covid-19. Foto: Josué Damacena

O Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do IOC/Fiocruz confirmou, em dezembro, o primeiro diagnóstico de reinfecção pelo SARS-CoV-2 no Brasil. Essa é uma característica da Covid-19 que não era conhecida um ano atrás. O que se pode dizer atualmente?
Essa é uma questão sobre a qual a comunidade científica ainda está debruçada. No Reino Unido, um estudo que seguiu entre três e quatro mil pacientes identificou que as reinfecções eram raras. Porém, ainda não sabemos como vai ser o comportamento do vírus com as novas variantes. As pesquisas precisam continuar ao longo do tempo para avaliar o que ocorre com as variantes, com as campanhas de vacinação em massa, nos países com e sem lockdown. Com o tempo e estudos robustos, isso será demonstrado, mas ainda temos um longo caminho de entendimento.

Como você vê a chegada das vacinas para a Covid-19?
Temos atualmente um leque de oferta de vacinas, produzidas a partir de diferentes metodologias. Chegar a esse resultado em menos de um ano reflete um grande esforço da comunidade científica internacional e um grande investimento de governos e companhias privadas. É claro que surgem muitas dúvidas, porque estávamos acostumados ao desenvolvimento de vacinas ao longo de anos. Porém, estamos diante de uma doença que vem causando mortalidade expressiva na população mundial, que nos choca diariamente. A comunidade científica respondeu de maneira incrível e merece credibilidade. É importante lembrar também que essa produção de vacinas em poucos meses é fruto de um desenvolvimento científico de séculos, ao longo dos quais a humanidade vem buscando maneiras de enfrentar as doenças infectocontagiosas.

Solidária às famílias e amigos das vítimas da Covid-19, pesquisadora reafirma compromisso com o enfrentamento da pandemia. Foto: Josué Damacena

Qual a gama de pesquisa desenvolvida pelo Laboratório?
Toda a equipe está em um ritmo intenso desde o início. Além do trabalho relacionado ao diagnóstico e ao sequenciamento genético, que se intensifica nesse momento em que há números de casos e hospitalizações crescentes no Brasil, temos uma gama cada vez maior de projetos de pesquisa que buscam enriquecer o conhecimento sobre a Covid-19. Como referência em Covid-19 nas Américas, recebemos também amostras de outros países sul-americanos que ainda não têm infraestrutura para fazer o sequenciamento genético e participamos de grupos de trabalho da OMS, como o que discute as reinfecções. Uma pesquisadora do nosso Laboratório atua ainda como curadora da plataforma Gisaid, que é o banco de dados onde são depositadas as sequencias genéticas do SARS-CoV-2.

Qual recado você gostaria de deixar para a sociedade brasileira nesse momento?
Primeiro, gostaria de declarar nossa solidariedade irrestrita a todas as famílias que perderam seus entes queridos. E reafirmamos o nosso compromisso em permanecer, incansáveis, no laboratório, cumprindo nosso papel como cientistas e como servidores públicos. Em segundo lugar, para que isso diminua ou deixe de acontecer, precisamos que todos os níveis governamentais atuem com responsabilidade e coragem, com estratégias que realmente sejam efetivas para reduzir a grande quantidade de pessoas infectadas. Por fim, queria também chamar a população para que se conscientize. Cada um é responsável pelo que pode acontecer. Se continuarmos com parte da população agindo como se a pandemia não estivesse ocorrendo, sem manter o distanciamento social, sem usar a máscara, vamos demorar um longo tempo para sair desse problema. A responsabilidade de cada um afeta a vida de todas as pessoas.

Em entrevista, chefe do laboratório do IOC que atua como referência em Covid-19 nas Américas discute avanços e desafios para o combate ao novo coronavírus
Por: 
maira

Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) caracterizava a emergência sanitária provocada pela Covid-19 como pandemia, reconhecendo que a nova doença, originada em Whuhan, na China, havia se espalhado pelo planeta. Um ano depois, os números dão a dimensão do impacto avassalador do novo coronavírus, batizado de SARS-CoV-2: em todo o mundo, os casos notificados passam de 117 milhões e mais de 2,6 milhões de pessoas perderam suas vidas. No Brasil, são mais de 11 milhões de infectados e 270 mil mortes.

À frente do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), que atua como Centro de Referência Nacional em vírus respiratórios junto ao Ministério da Saúde e como referência para a OMS em Covid-19 nas Américas, a virologista Marilda Siqueira afirma que salvar vidas é a motivação central do intenso trabalho da comunidade científica nesse período.

A virologista Marilda Siqueira é consultora da OMS e integrante de comitês da entidade e do Ministério da Saúde sobre viroses respiratórias. Foto: Josué Damacena

Em entrevista, a pesquisadora enfatiza a expressiva e acelerada geração de conhecimento em torno do agravo, que se refletiu no rápido desenvolvimento de testes de diagnóstico, na melhoria dos cuidados clínicos e na chegada das vacinas. Discute também os desafios deste momento da pandemia, como a emergência de novas variantes e a escalada do número de infecções.

Com larga experiência no enfrentamento de emergências de saúde pública, incluindo a pandemia de influenza H1N1, os surtos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS) e ebola, além do esforço para eliminação da rubéola e do sarampo nas Américas, Marilda ressalta a importância do investimento na ciência.

“Não podemos parar de investir nas diferentes áreas do conhecimento, não só na parte laboratorial, mas no estudo do impacto social, econômico, psicológico, das questões clínicas, de novas drogas. Todo esse conjunto de desenvolvimento científico não pode parar”, diz a pesquisadora, reforçando ainda a necessidade de ação dos governantes e da população para conter a Covid-19. “A responsabilidade de cada um afeta a vida de todas as pessoas”, salienta.

Confira a íntegra da entrevista.

Um ano após a declaração da pandemia, quais os principais avanços para o enfrentamento da Covid-19?
Tivemos muitos avanços nacionais e mundiais. Falando inicialmente da parte laboratorial, ter rapidamente um teste de diagnóstico sensível e específico muda a história em uma pandemia. Isso é o que nos permite ter dados confiáveis sobre os casos devidos ao SARS-CoV-2. A OMS anunciou a pandemia em 11 de março e, no dia 17, o kit de diagnóstico de Biomanguinhos já estava disponível nos 27 Lacens [Laboratórios Centrais de Saúde Pública] do país, com equipes treinadas. Ainda em metodologias laboratoriais, temos hoje testes rápidos, baseados na detecção de antígenos, que dão resultado confiável, com sensibilidade de 90% em relação ao PCR, que identifica o genoma do vírus e é o padrão-ouro. São testes que podem ser feitos em postos e unidades de saúde, o que é importante para os pacientes individualmente e para a saúde pública.

O que possibilitou essa resposta rápida?
Isso não nasceu do nada. Foi resultado de anos de trabalho, de desenvolvimento científico e tecnológico de testes de PCR para vírus respiratórios. A partir desse desenvolvimento, poucos dias depois do anúncio do genoma do SARS-CoV-2, o Laboratório Charité, na Alemanha, conseguiu desenvolver a metodologia de diagnóstico, que foi compartilhada gratuitamente com todo o mundo, e aproximadamente um mês depois, Biomanguinhos, em parceria com o IOC e o IBMP [Instituto de Biologia Molecular do Paraná], entregou o teste nacional. São anos de pesquisa e desenvolvimento que permitem que a comunidade científica responda apropriadamente a um desafio. Por isso, não podemos parar de investir nas diferentes áreas do conhecimento, não só na parte laboratorial, mas no estudo do impacto social, econômico, psicológico, das questões clínicas, de novas drogas. Todo esse conjunto de desenvolvimento científico não pode parar. Quando ele para, retrocedemos e deixamos de ter oportunidades contra a Covid-19 e em próximos desafios.

Além de profissionais dos Lacens brasileiros, pesquisadores do IOC capacitaram especialistas de nove países das Américas para diagnóstico da Covid-19. Foto: Josué Damacena

Além do diagnóstico, o que mais avançou nesse período?
O conhecimento clínico avançou muito e permitiu melhorar o manejo dos pacientes. No início da pandemia, achava-se que a Covid-19 era apenas uma doença respiratória. Hoje sabe-se que ela é sindrômica, que afeta diversos órgãos. A definição dos grupos de risco, como idosos e pessoas com outras condições clínicas, também foi importante. Não são todas as doenças que apresentam esse comportamento de atingir com maior gravidade determinados grupos. Estamos avançando agora no conhecimento sobre fatores genéticos individuais que podem contribuir para a gravidade dos casos. Esse conhecimento acumulado já é muito útil e está pavimentando o caminho para o futuro em direção à medicina individualizada.

A emergência de variantes do SARS-CoV-2 pode agravar a situação da pandemia?
Esses vírus chamados de variantes de alerta ou variantes de preocupação têm mutações no genoma que possibilitam maior transmissibilidade. Ainda não há conhecimento claro se essas variantes influenciam a gravidade da doença. Porém, mesmo que não haja aumento de gravidade, a maior transmissibilidade leva a mais pessoas doentes e, consequentemente, mais internações. As mutações também podem ou não implicar na eficácia das vacinas e já existem estudos em andamento para avaliar isso, como, por exemplo, os testes de neutralização, que avaliam se os anticorpos são capazes de inibir o vírus. Desde o começo da pandemia, a comunidade científica se debruçou no desenvolvimento desses testes e atualmente temos essas metodologias, inclusive no nosso Laboratório, que podem auxiliar no entendimento da doença.

Pesquisadores do IOC e cientistas do Reino Unido desenvolveram protocolo que reduz falhas no sequenciamento genético do novo coronavírus. Foto: Josué Damacena

No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, já tivemos a detecção da Variante de Atenção identificada no Reino Unido e da variante P.1, identificada originalmente no Amazonas. Como funciona a vigilância genômica do SARS-CoV-2 no país?
O Brasil conta com uma rede de vigilância de influenza e vírus respiratórios, coordenada pelo Ministério da Saúde, que se estruturou ainda mais após a pandemia de H1N1, em 2009. Existe um Laboratório Central de Saúde Pública [Lacen] em cada capital, e as Secretarias Estaduais de Saúde têm unidades sentinela, tanto ambulatoriais quanto hospitalares, que coletam amostras regularmente e enviam aos Lacens para diagnóstico. Nosso Laboratório atua como referência nacional para o Ministério da Saúde e a OMS, e os Institutos Evandro Chagas, em Belém, e Adolfo Lutz, em São Paulo, atuam como referências regionais. A partir da emergência do SARS-CoV-2, o Ministério da Saúde usou essa rede para o seguimento dos casos de Covid-19. Existem ainda outras iniciativas de sequenciamento genético do SARS-CoV-2 no país. A Fiocruz participa ativamente desse processo, com seus laboratórios em diversos estados brasileiros, que integram a Rede Genômica Fiocruz. O Ministério da Ciência Tecnologia e Inovações também tem uma rede, reunindo universidades e institutos de pesquisa.

Como são escolhidas as amostras submetidas ao sequenciamento genético?
Entre as amostras enviadas pelas unidades sentinela para os Lacens, são escolhidas aquelas que, nos testes de diagnóstico de PCR, apresentam quantidade de vírus alta. Esse é um critério internacional, pois aumenta a chance de sucesso do procedimento. Além disso, as amostras devem ser representativas por semana epidemiológica, incluindo casos não graves, graves e de óbito, e distribuídas geograficamente pelo país.

É necessário expandir o sequenciamento no país devido à emergência das novas variantes?
Sim, e essa expansão já está sendo organizada pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde junto com a Fiocruz. Atualmente, o sequenciamento genético é realizado apenas nos laboratórios de referência da rede. O objetivo é que os estados passem a ter capacidade de executar esse procedimento nos Lacens. O sequenciamento genético não é barato, exige financiamento, que está sendo alocado pelo Ministério da Saúde para essa expansão.

Equipe do Laboratório de Vírus Respiratório e do Sarampo trabalha em ritmo intenso no diagnóstico, sequenciamento genético e pesquisa sobre a Covid-19. Foto: Josué Damacena

O Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do IOC/Fiocruz confirmou, em dezembro, o primeiro diagnóstico de reinfecção pelo SARS-CoV-2 no Brasil. Essa é uma característica da Covid-19 que não era conhecida um ano atrás. O que se pode dizer atualmente?
Essa é uma questão sobre a qual a comunidade científica ainda está debruçada. No Reino Unido, um estudo que seguiu entre três e quatro mil pacientes identificou que as reinfecções eram raras. Porém, ainda não sabemos como vai ser o comportamento do vírus com as novas variantes. As pesquisas precisam continuar ao longo do tempo para avaliar o que ocorre com as variantes, com as campanhas de vacinação em massa, nos países com e sem lockdown. Com o tempo e estudos robustos, isso será demonstrado, mas ainda temos um longo caminho de entendimento.

Como você vê a chegada das vacinas para a Covid-19?
Temos atualmente um leque de oferta de vacinas, produzidas a partir de diferentes metodologias. Chegar a esse resultado em menos de um ano reflete um grande esforço da comunidade científica internacional e um grande investimento de governos e companhias privadas. É claro que surgem muitas dúvidas, porque estávamos acostumados ao desenvolvimento de vacinas ao longo de anos. Porém, estamos diante de uma doença que vem causando mortalidade expressiva na população mundial, que nos choca diariamente. A comunidade científica respondeu de maneira incrível e merece credibilidade. É importante lembrar também que essa produção de vacinas em poucos meses é fruto de um desenvolvimento científico de séculos, ao longo dos quais a humanidade vem buscando maneiras de enfrentar as doenças infectocontagiosas.

Solidária às famílias e amigos das vítimas da Covid-19, pesquisadora reafirma compromisso com o enfrentamento da pandemia. Foto: Josué Damacena

Qual a gama de pesquisa desenvolvida pelo Laboratório?
Toda a equipe está em um ritmo intenso desde o início. Além do trabalho relacionado ao diagnóstico e ao sequenciamento genético, que se intensifica nesse momento em que há números de casos e hospitalizações crescentes no Brasil, temos uma gama cada vez maior de projetos de pesquisa que buscam enriquecer o conhecimento sobre a Covid-19. Como referência em Covid-19 nas Américas, recebemos também amostras de outros países sul-americanos que ainda não têm infraestrutura para fazer o sequenciamento genético e participamos de grupos de trabalho da OMS, como o que discute as reinfecções. Uma pesquisadora do nosso Laboratório atua ainda como curadora da plataforma Gisaid, que é o banco de dados onde são depositadas as sequencias genéticas do SARS-CoV-2.

Qual recado você gostaria de deixar para a sociedade brasileira nesse momento?
Primeiro, gostaria de declarar nossa solidariedade irrestrita a todas as famílias que perderam seus entes queridos. E reafirmamos o nosso compromisso em permanecer, incansáveis, no laboratório, cumprindo nosso papel como cientistas e como servidores públicos. Em segundo lugar, para que isso diminua ou deixe de acontecer, precisamos que todos os níveis governamentais atuem com responsabilidade e coragem, com estratégias que realmente sejam efetivas para reduzir a grande quantidade de pessoas infectadas. Por fim, queria também chamar a população para que se conscientize. Cada um é responsável pelo que pode acontecer. Se continuarmos com parte da população agindo como se a pandemia não estivesse ocorrendo, sem manter o distanciamento social, sem usar a máscara, vamos demorar um longo tempo para sair desse problema. A responsabilidade de cada um afeta a vida de todas as pessoas.

Edição: 
Raquel Aguiar
Vinicius Ferreira

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)

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