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1900, o ano em que tudo começou

Nas instalações de uma fazenda desapropriada, um grupo de pesquisadores deu início à tradição de Manguinhos em fazer ciência para a saúde
Por Lucas Rocha18/05/2015 - Atualizado em 10/12/2019

Há pouco, o aviador Santos Dumont realizava o famoso voo de demonstração ao redor da Torre Eiffel, em Paris. A república, uma novidade recente no Brasil, contava apenas seu quarto presidente. Faltava ainda uma dúzia de anos para o cenário do Rio de Janeiro - tão, tão diferente - ganhar o bondinho que enfeita o cartão postal do Pão de Açúcar.

O ano é 1900. O Brasil vive assombrado pela peste bubônica, que varria vidas aos borbotões mundo afora desde o século XIV. Nas instalações decadentes de uma fazenda falida, um grupo de cientistas recebeu a tarefa de produzir os primeiros soros e vacinas para enfrentar a doença no país. Segundo os registros históricos, a data precisa é um 25 de maio. Uma consulta ao calendário conta ter sido justamente uma sexta-feira - que dia para assumir um desafio desta monta.

Surgia o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), unidade germinativa da atual Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que se tornaria este amplo complexo a serviço da vida. Até o aniversário no ano de 2015, são 42.003 dias. Horas a fio de vidas dedicadas à posteridade. Foi Instituto Vacínico Municipal, depois Instituto Soroterápico Federal, até ganhar o nome definitivo, em 1908.

O Instituto de Manguinhos, como era (e ainda é) nomeado por seus convivas por conta da geografia do terreno onde repousa, manteve, deste chamamento afetivo, a característica de ser limítrofe. Se os manguezais recobrem o tênue contato entre terra, mar e água doce, também o Instituto buscou (e busca) a fronteira entre o latente e o vindouro.

Da época do Barão de Pedro Afonso, fundador original, e de Oswaldo Cruz, patrono renomado, segue o propósito de articular a ciência às demandas da sociedade. Logo nas primeiras décadas de existência, brotaram as raízes que edificariam o Instituto: a pesquisa, atividade central, como propulsora do ensino, da referência em saúde e dos acervos biológicos, sempre com a preocupação de garantir a divulgação dos estudos e resultados.

Assumidos como pilares conceituais, a ciência, a formação de recursos humanos e a geração de produtos para a saúde refletem a influência direta do Instituto Pasteur, na França, que vigorava como referência científica.

Com a missão de formar cientistas, em 1908 era iniciada a primeira turma do Curso de Aplicação. No ano seguinte, o grupo de Manguinhos fundava a revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, destinada a divulgar estudos científicos nos moldes das publicações estrangeiras da época. Na década de 1910, começavam a ser estruturados os acervos com insetos, helmintos e tecidos humanos, organizados em Coleções Biológicas.

Enquanto isso, Belizário Pena e Arthur Neiva desbravavam em expedições científicas as questões de saúde nativas - o périplo de sete mil quilômetros antecipava preocupações contemporâneas de diagnóstico e vigilância, base da atual referência em saúde. Um castelo foi erguido para abrigar as atividades cada vez mais intensas. Corredores percorridos por figuras ilustres.

Das perdas antigas, Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Adolpho Lutz e Gaspar Vianna integram uma lista que, pelos numerosos expoentes possíveis, dificilmente poderá ser justa. Das perdas recentes, Leônidas e Maria Deane, Helio e Peggy Pereira, Haity Moussatché, Herman Lent, Lobato Paraense, Hermann Schatzmayr e Henrique Lenzi estão entre muitos que deixaram sua contribuição para a ciência brasileira.

Um celeiro de ideias que, na ditadura, foi abatido pela perseguição de ideais. O Instituto é ainda hoje marcado por um massacre que cassou cientistas, solapou amostras e subtraiu peças históricas. "Na época, acervos eram arremessados pela janela direto para a caçamba de caminhões de lixo", relata José Jurberg, que resgatou e zelou por parte da coleção de insetos, uma das mais amplas e completas da América Latina.

Nas instalações de uma fazenda desapropriada, um grupo de pesquisadores deu início à tradição de Manguinhos em fazer ciência para a saúde
Por: 
lucas

Há pouco, o aviador Santos Dumont realizava o famoso voo de demonstração ao redor da Torre Eiffel, em Paris. A república, uma novidade recente no Brasil, contava apenas seu quarto presidente. Faltava ainda uma dúzia de anos para o cenário do Rio de Janeiro - tão, tão diferente - ganhar o bondinho que enfeita o cartão postal do Pão de Açúcar.

O ano é 1900. O Brasil vive assombrado pela peste bubônica, que varria vidas aos borbotões mundo afora desde o século XIV. Nas instalações decadentes de uma fazenda falida, um grupo de cientistas recebeu a tarefa de produzir os primeiros soros e vacinas para enfrentar a doença no país. Segundo os registros históricos, a data precisa é um 25 de maio. Uma consulta ao calendário conta ter sido justamente uma sexta-feira - que dia para assumir um desafio desta monta.

Surgia o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), unidade germinativa da atual Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que se tornaria este amplo complexo a serviço da vida. Até o aniversário no ano de 2015, são 42.003 dias. Horas a fio de vidas dedicadas à posteridade. Foi Instituto Vacínico Municipal, depois Instituto Soroterápico Federal, até ganhar o nome definitivo, em 1908.

O Instituto de Manguinhos, como era (e ainda é) nomeado por seus convivas por conta da geografia do terreno onde repousa, manteve, deste chamamento afetivo, a característica de ser limítrofe. Se os manguezais recobrem o tênue contato entre terra, mar e água doce, também o Instituto buscou (e busca) a fronteira entre o latente e o vindouro.

Da época do Barão de Pedro Afonso, fundador original, e de Oswaldo Cruz, patrono renomado, segue o propósito de articular a ciência às demandas da sociedade. Logo nas primeiras décadas de existência, brotaram as raízes que edificariam o Instituto: a pesquisa, atividade central, como propulsora do ensino, da referência em saúde e dos acervos biológicos, sempre com a preocupação de garantir a divulgação dos estudos e resultados.

Assumidos como pilares conceituais, a ciência, a formação de recursos humanos e a geração de produtos para a saúde refletem a influência direta do Instituto Pasteur, na França, que vigorava como referência científica.

Com a missão de formar cientistas, em 1908 era iniciada a primeira turma do Curso de Aplicação. No ano seguinte, o grupo de Manguinhos fundava a revista Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, destinada a divulgar estudos científicos nos moldes das publicações estrangeiras da época. Na década de 1910, começavam a ser estruturados os acervos com insetos, helmintos e tecidos humanos, organizados em Coleções Biológicas.

Enquanto isso, Belizário Pena e Arthur Neiva desbravavam em expedições científicas as questões de saúde nativas - o périplo de sete mil quilômetros antecipava preocupações contemporâneas de diagnóstico e vigilância, base da atual referência em saúde. Um castelo foi erguido para abrigar as atividades cada vez mais intensas. Corredores percorridos por figuras ilustres.

Das perdas antigas, Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Adolpho Lutz e Gaspar Vianna integram uma lista que, pelos numerosos expoentes possíveis, dificilmente poderá ser justa. Das perdas recentes, Leônidas e Maria Deane, Helio e Peggy Pereira, Haity Moussatché, Herman Lent, Lobato Paraense, Hermann Schatzmayr e Henrique Lenzi estão entre muitos que deixaram sua contribuição para a ciência brasileira.

Um celeiro de ideias que, na ditadura, foi abatido pela perseguição de ideais. O Instituto é ainda hoje marcado por um massacre que cassou cientistas, solapou amostras e subtraiu peças históricas. "Na época, acervos eram arremessados pela janela direto para a caçamba de caminhões de lixo", relata José Jurberg, que resgatou e zelou por parte da coleção de insetos, uma das mais amplas e completas da América Latina.

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)