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Ao mestre, com carinho

Formador de gerações de cientistas, pesquisador José Rodrigues Coura é reconhecido por ex-alunos pela dedicação ao ensino, valorização da excelência acadêmica e comprometimento com a busca de soluções para os problemas de saúde do Brasil
Por Raquel Aguiar13/06/2017 - Atualizado em 21/11/2019

Em uma carreira que continua ativa às vésperas dos seus 90 anos, comemorados no dia 15 de junho, o pesquisador emérito da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e chefe do Laboratório de Doenças Parasitárias do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), José Rodrigues Coura, acumula publicações que se tornaram referência na área de doenças infecciosas e premiações que reconhecem a relevância do seu trabalho para a medicina e a ciência.

No entanto, são nos mais de 200 mestres e doutores que passaram pela sua orientação ou pelos cursos criados por ele que o professor, como é carinhosamente chamado num justo reconhecimento ao seu empenho no Ensino, vê o seu maior legado. “Os trabalhos científicos são importantes, mas a formação de pessoal é fundamental. Estes pesquisadores são multiplicadores, que, por sua vez, vão formar novos cientistas, fazendo o conhecimento avançar”, afirmou ao receber, em 2014, o Prêmio Fundação Conrado Wessel de Medicina, um dos mais destacados em seu vasto acervo de láureas e reconhecimentos.

Um dos primeiros programas de Pós-graduação Stricto sensu da área médica no Brasil, o curso em Doenças Infecto-Parasitárias da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foi criado por Coura em 1970. Uma década depois, como diretor do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e vice-presidente de Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o pesquisador implantou os programas de pós-graduação em Biologia Parasitária e em Medicina Tropical, oferecidos até hoje pelo IOC. Em 1981, foi a vez do Curso Técnico de Pesquisa em Biologia Parasitária, que deu origem às formações de nível técnico oferecidas atualmente no Instituto. Ex-aluno da primeira turma do mestrado em Biologia Parasitária, o virologista José Paulo Gagliardi Leite, atual diretor do IOC, aponta que as iniciativas foram fundamentais para a retomada das atividades científicas na década de 1980 após anos em que muitos laboratórios permaneceram vazios devido à cassação de pesquisadores promovida pela ditadura militar no episódio conhecido como 'massacre de Manguinhos'.

“A visão de futuro do professor Coura foi fundamental para o reconhecimento nacional e internacional que o IOC e a Fiocruz possuem hoje. Ele trouxe para o 'Curso Básico' os melhores pesquisadores da época, muitos deles então exilados no exterior, como Leônidas e Maria Deane, Zilton e Sônia Andrade, Henrique e Jane Lenzi, entre outros. Colocou esses cientistas experientes ao lado de jovens e, com isso, conseguiu reerguer a pesquisa e o ensino”, avalia José Paulo.

Divulgação

Coura e os estudantes do Curso Básico do Instituto Oswaldo Cruz, idealizado por ele, em 1980

Primeira etapa para a obtenção do mestrado, o 'Curso Básico' implantado por Coura seguia os moldes do 'Curso de Aplicação de Manguinhos', idealizado por Oswaldo Cruz em 1909 e mantido até 1969. Também aluno da turma inaugural do mestrado em Biologia Parasitária, o chefe do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do IOC, Ricardo Lourenço de Oliveira, destaca, como marca pessoal do antigo professor, a visão de integração entre pesquisa e ensino.

“Para repovoar o campus, ele poderia ter simplesmente contratado novos pesquisadores, mas optou pela formação de pessoas. Olhando para os laboratórios e para as coordenações dos programas de pós-graduação do IOC atualmente, vemos gerações de cientistas e técnicos que o professor Coura ajudou a formar”, ressalta Ricardo. Além dos muros de Manguinhos, o legado do pesquisador se reflete em diversos estados brasileiros. Ex-aluno do curso de Medicina Tropical, o coordenador-geral de Vigilância e Laboratórios de Referência da Fiocruz, Rivaldo Venâncio da Cunha, lembra que o antigo professor levou projetos de pesquisa e formação de recursos humanos para locais como Paraíba, Piauí, Pará e Amazonas.

No Mato Grosso do Sul, sua participação foi essencial para a criação de um programa de mestrado interinstitucional através da parceria entre a Fiocruz e a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). "Esse programa funcinou por dez anos e formou uma massa de pesquisadores suficiente para o credenciamento do curso de pós-graduação Stricto sensu da UFMS em Doenças Infecciosas e Parasitárias. Se todas as instituições tivessem essa generosidade, que é característica da Fiocruz, do IOC e do professor Coura, a ciência do Brasil estaria em outro patamar", afirma Rivaldo.

Lições dentro e fora da sala de aula
Na memória dos ex-alunos, a dedicação ao ensino, a valorização da excelência acadêmica e o comprometimento com a busca de soluções para os problemas de saúde do Brasil são características do ex-professor que se tornaram lições pela força do exemplo. "Ele tinha uma visão tão importante do ensino que, apesar de ser diretor do Instituto e vice-presidente de Pesquisa da Fundação, realizava pessoalmente as entrevistas de seleção dos candidatos e ministrava uma disciplina com duração de um mês no 'Curso Básico'”, recorda Ricardo. “Era preciso estudar muito. Os alunos chegavam a ficar chateados com a cobrança. Mas tínhamos à disposição microscópios de última geração e podíamos ficar no laboratório até dez horas da noite, se quiséssemos", completa José Paulo.

O empenho demonstrado em sala de aula se repetia nas atividades de campo, destacadas por Coura como essenciais para a compreensão das questões ambientais e sociais envolvidas na dinâmica de transmissão de doenças parasitárias. “Quando foi meu orientador de doutorado e me acompanhou na realização dos trabalhos de campo na região do Rio do Padauiri, em Barcelos, no Amazonas, onde passávamos dias acampados estudando os impactos da malária, o professor Coura já tinha mais de 70 anos”, conta a ex-aluna e atual coordenadora do Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical, Martha Mutis, enfatizando o desejo do pesquisador de enfrentar os problemas de saúde que afetam a população brasileira. “Ele me contou que ia para o campo para realizar estudos sobre doença de Chagas, mas via as pessoas sofrendo também com a malária e não podia ignorar esse problema”, relata ela.

"O professor Coura sempre ressaltou que nós, médicos, vemos o paciente no hospital, mas a origem da doença se vê no campo. O paciente internado é só a parte final da infecção. Por isso o pesquisador precisa sair da enfermaria e do laboratório", reforça o pesquisador do Laboratório de Micologia do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e coordenador do Laboratório de Referência Nacional para Micoses Sistêmicas, Bodo Wanke, que foi aluno de Coura na faculdade de medicina da UFRJ, em 1967. A passagem de Coura pela cidade de Barcelos foi marcante para outro ex-aluno. “Tive o privilégio de ser apresentado ao professor Coura durante sua passagem pelo município. Lá, tive a honra de partilhar e discutir com ele ‘experiências de vida’ na Amazônia.

Pouco tempo depois ele me convidou para fazer um doutorado no Instituto de Medicina Tropical [atual Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado], me incorporando ao projeto de estudo da doença de Chagas no Rio Negro, do então Departamento de Medicina Tropical do IOC”, conta com alegria o pesquisador Pedro Albajar Viñas, chefe do Programa de Controle da Doença de Chagas, da OMS. “Sua inteligência, pragmatismo e capacidade de trabalho lhe deram a capacidade de contribuir com estudos que hoje são referência para o conhecimento científico na saúde pública”, completa o especialista.

Divulgação

Em trabalho de campo com o então estudante de doutorado Pedro Albajar Viñas

A postura profissional de Coura é outro aspecto lembrado de forma unânime pelos ex-alunos. "Ele nunca deixou questões pessoais e políticas influírem na avaliação profissional. Aprendi com ele o significado da meritocracia", ressalta Ricardo. “O professor Coura me ensinou que todo o projeto de pesquisa que contribui para a sociedade deve ser apoiado, independentemente da posição pessoal de seu autor", complementa Rivaldo.

Pesquisadora do Laboratório de Doenças Parasitárias, chefiado por Coura, Martha considera que o pesquisador permanece como um exemplo para as novas gerações. “O professor Coura tem uma grande consciência da importância da nossa atividade e nunca foge ao trabalho. Ele age com muita tranquilidade, mas, ao mesmo tempo, é muito direto na hora de dar as suas opiniões, independentemente de quem seja o interlocutor. Esse é um aprendizado importante, não apenas profissionalmente, mas na vida em geral”, afirma ela.

Formador de gerações de cientistas, pesquisador José Rodrigues Coura é reconhecido por ex-alunos pela dedicação ao ensino, valorização da excelência acadêmica e comprometimento com a busca de soluções para os problemas de saúde do Brasil
Por: 
raquel

Em uma carreira que continua ativa às vésperas dos seus 90 anos, comemorados no dia 15 de junho, o pesquisador emérito da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e chefe do Laboratório de Doenças Parasitárias do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), José Rodrigues Coura, acumula publicações que se tornaram referência na área de doenças infecciosas e premiações que reconhecem a relevância do seu trabalho para a medicina e a ciência.

No entanto, são nos mais de 200 mestres e doutores que passaram pela sua orientação ou pelos cursos criados por ele que o professor, como é carinhosamente chamado num justo reconhecimento ao seu empenho no Ensino, vê o seu maior legado. “Os trabalhos científicos são importantes, mas a formação de pessoal é fundamental. Estes pesquisadores são multiplicadores, que, por sua vez, vão formar novos cientistas, fazendo o conhecimento avançar”, afirmou ao receber, em 2014, o Prêmio Fundação Conrado Wessel de Medicina, um dos mais destacados em seu vasto acervo de láureas e reconhecimentos.

Um dos primeiros programas de Pós-graduação Stricto sensu da área médica no Brasil, o curso em Doenças Infecto-Parasitárias da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) foi criado por Coura em 1970. Uma década depois, como diretor do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e vice-presidente de Pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o pesquisador implantou os programas de pós-graduação em Biologia Parasitária e em Medicina Tropical, oferecidos até hoje pelo IOC. Em 1981, foi a vez do Curso Técnico de Pesquisa em Biologia Parasitária, que deu origem às formações de nível técnico oferecidas atualmente no Instituto. Ex-aluno da primeira turma do mestrado em Biologia Parasitária, o virologista José Paulo Gagliardi Leite, atual diretor do IOC, aponta que as iniciativas foram fundamentais para a retomada das atividades científicas na década de 1980 após anos em que muitos laboratórios permaneceram vazios devido à cassação de pesquisadores promovida pela ditadura militar no episódio conhecido como 'massacre de Manguinhos'.

“A visão de futuro do professor Coura foi fundamental para o reconhecimento nacional e internacional que o IOC e a Fiocruz possuem hoje. Ele trouxe para o 'Curso Básico' os melhores pesquisadores da época, muitos deles então exilados no exterior, como Leônidas e Maria Deane, Zilton e Sônia Andrade, Henrique e Jane Lenzi, entre outros. Colocou esses cientistas experientes ao lado de jovens e, com isso, conseguiu reerguer a pesquisa e o ensino”, avalia José Paulo.

Divulgação

Coura e os estudantes do Curso Básico do Instituto Oswaldo Cruz, idealizado por ele, em 1980

Primeira etapa para a obtenção do mestrado, o 'Curso Básico' implantado por Coura seguia os moldes do 'Curso de Aplicação de Manguinhos', idealizado por Oswaldo Cruz em 1909 e mantido até 1969. Também aluno da turma inaugural do mestrado em Biologia Parasitária, o chefe do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do IOC, Ricardo Lourenço de Oliveira, destaca, como marca pessoal do antigo professor, a visão de integração entre pesquisa e ensino.

“Para repovoar o campus, ele poderia ter simplesmente contratado novos pesquisadores, mas optou pela formação de pessoas. Olhando para os laboratórios e para as coordenações dos programas de pós-graduação do IOC atualmente, vemos gerações de cientistas e técnicos que o professor Coura ajudou a formar”, ressalta Ricardo. Além dos muros de Manguinhos, o legado do pesquisador se reflete em diversos estados brasileiros. Ex-aluno do curso de Medicina Tropical, o coordenador-geral de Vigilância e Laboratórios de Referência da Fiocruz, Rivaldo Venâncio da Cunha, lembra que o antigo professor levou projetos de pesquisa e formação de recursos humanos para locais como Paraíba, Piauí, Pará e Amazonas.

No Mato Grosso do Sul, sua participação foi essencial para a criação de um programa de mestrado interinstitucional através da parceria entre a Fiocruz e a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). "Esse programa funcinou por dez anos e formou uma massa de pesquisadores suficiente para o credenciamento do curso de pós-graduação Stricto sensu da UFMS em Doenças Infecciosas e Parasitárias. Se todas as instituições tivessem essa generosidade, que é característica da Fiocruz, do IOC e do professor Coura, a ciência do Brasil estaria em outro patamar", afirma Rivaldo.

Lições dentro e fora da sala de aula
Na memória dos ex-alunos, a dedicação ao ensino, a valorização da excelência acadêmica e o comprometimento com a busca de soluções para os problemas de saúde do Brasil são características do ex-professor que se tornaram lições pela força do exemplo. "Ele tinha uma visão tão importante do ensino que, apesar de ser diretor do Instituto e vice-presidente de Pesquisa da Fundação, realizava pessoalmente as entrevistas de seleção dos candidatos e ministrava uma disciplina com duração de um mês no 'Curso Básico'”, recorda Ricardo. “Era preciso estudar muito. Os alunos chegavam a ficar chateados com a cobrança. Mas tínhamos à disposição microscópios de última geração e podíamos ficar no laboratório até dez horas da noite, se quiséssemos", completa José Paulo.

O empenho demonstrado em sala de aula se repetia nas atividades de campo, destacadas por Coura como essenciais para a compreensão das questões ambientais e sociais envolvidas na dinâmica de transmissão de doenças parasitárias. “Quando foi meu orientador de doutorado e me acompanhou na realização dos trabalhos de campo na região do Rio do Padauiri, em Barcelos, no Amazonas, onde passávamos dias acampados estudando os impactos da malária, o professor Coura já tinha mais de 70 anos”, conta a ex-aluna e atual coordenadora do Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical, Martha Mutis, enfatizando o desejo do pesquisador de enfrentar os problemas de saúde que afetam a população brasileira. “Ele me contou que ia para o campo para realizar estudos sobre doença de Chagas, mas via as pessoas sofrendo também com a malária e não podia ignorar esse problema”, relata ela.

"O professor Coura sempre ressaltou que nós, médicos, vemos o paciente no hospital, mas a origem da doença se vê no campo. O paciente internado é só a parte final da infecção. Por isso o pesquisador precisa sair da enfermaria e do laboratório", reforça o pesquisador do Laboratório de Micologia do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e coordenador do Laboratório de Referência Nacional para Micoses Sistêmicas, Bodo Wanke, que foi aluno de Coura na faculdade de medicina da UFRJ, em 1967. A passagem de Coura pela cidade de Barcelos foi marcante para outro ex-aluno. “Tive o privilégio de ser apresentado ao professor Coura durante sua passagem pelo município. Lá, tive a honra de partilhar e discutir com ele ‘experiências de vida’ na Amazônia.

Pouco tempo depois ele me convidou para fazer um doutorado no Instituto de Medicina Tropical [atual Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado], me incorporando ao projeto de estudo da doença de Chagas no Rio Negro, do então Departamento de Medicina Tropical do IOC”, conta com alegria o pesquisador Pedro Albajar Viñas, chefe do Programa de Controle da Doença de Chagas, da OMS. “Sua inteligência, pragmatismo e capacidade de trabalho lhe deram a capacidade de contribuir com estudos que hoje são referência para o conhecimento científico na saúde pública”, completa o especialista.

Divulgação

Em trabalho de campo com o então estudante de doutorado Pedro Albajar Viñas

A postura profissional de Coura é outro aspecto lembrado de forma unânime pelos ex-alunos. "Ele nunca deixou questões pessoais e políticas influírem na avaliação profissional. Aprendi com ele o significado da meritocracia", ressalta Ricardo. “O professor Coura me ensinou que todo o projeto de pesquisa que contribui para a sociedade deve ser apoiado, independentemente da posição pessoal de seu autor", complementa Rivaldo.

Pesquisadora do Laboratório de Doenças Parasitárias, chefiado por Coura, Martha considera que o pesquisador permanece como um exemplo para as novas gerações. “O professor Coura tem uma grande consciência da importância da nossa atividade e nunca foge ao trabalho. Ele age com muita tranquilidade, mas, ao mesmo tempo, é muito direto na hora de dar as suas opiniões, independentemente de quem seja o interlocutor. Esse é um aprendizado importante, não apenas profissionalmente, mas na vida em geral”, afirma ela.

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)