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Estudo traça raio de infecção em casos de febre amarela

Maioria dos indivíduos que contraiu a doença durante epidemia no Rio de Janeiro, entre 2017 e 2019, estava a cerca de 11 km de distância de local com identificação de macacos ou mosquitos infectados
Por Maíra Menezes15/03/2022 - Atualizado em 29/06/2022

Entre 2017 e 2019, uma epidemia de febre amarela assolou diversas regiões do país. No Rio de Janeiro, por exemplo, após quase 80 anos sem registros da doença, 289 pessoas foram infectadas e outras 93 morreram. Publicado na revista científica ‘Parasites and Vectors’, um estudo liderado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em parceria com o Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG) revela características importantes desse surto, que podem contribuir para o planejamento de ações de vigilância e controle do agravo.

A pesquisa cruza dados sobre infecções humanas, de primatas e de vetores com análises das populações de insetos e características da paisagem no estado. De forma inédita, o trabalho revela que 90% dos casos de febre amarela humana foram registrados a uma distância de, no máximo, 25 km de um macaco ou mosquito infectado, sendo que 70% dos registros ocorreram em um raio de 11 km de um primata ou vetor com infecção – uma distância compatível com o alcance de voo dos mosquitos Haemagogus, identificados como os principais transmissores da doença na epidemia.

Segundo os autores do estudo, os dados podem ser a base para ações estratégicas de controle do agravo. “Os números indicam que iniciativas para garantir a vacinação em um raio de 25 km do local do achado de um primata ou vetor infectado podem prevenir 90% dos casos humanos da doença. Essa informação é valiosa no momento de concentrar esforços para conter a febre amarela”, afirma o pesquisador do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do IOC e coordenador do estudo, Ricardo Lourenço de Oliveira.

Com ampla base de dados, pesquisa mapeou locais de infecção de pessoas, macacos e vetores, populações de mosquitos e tipos de paisagem no RJ. Imagem: Filipe Abreu e colaboradores

Os achados reforçam ainda a importância da vigilância de epizootias no combate à doença. “Para prevenir surtos, é preciso manter a cobertura vacinal alta nas áreas onde há indicação e realizar a vigilância de primatas e mosquitos com muita atenção. Sempre que um macaco é encontrado morto, deve ser feita a coleta de amostras do animal e de vetores no local para investigar a circulação do vírus da febre amarela”, destaca o primeiro autor do estudo, Filipe Abreu, professor do IFNMG e doutor em Biologia Parasitária pelo IOC.

Considerando que muitos municípios ainda não contam com estrutura adequada para a análise de insetos, os pesquisadores lembram que o Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do IOC atua como Serviço de Referência em Vigilância Entomológica em Febre Amarela, realizando identificação de vetores e diagnóstico da infecção nos vetores. A unidade também fornece suporte para investigações sobre a transmissão da febre amarela e capacitação para identificação taxonômica, coleta e transporte dos insetos.

Além do IOC e do IFNMG, a pesquisa contou com a colaboração do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT/Fiocruz) e da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES/RJ). No IOC, participaram os Laboratórios de Mosquitos Transmissores de Hematozoários e de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios.

Contextos de risco

O mapeamento realizado pelos cientistas mostra que a maior parte das infecções no Rio de Janeiro se concentrou em dois tipos de paisagem: grandes florestas, que ocorrem na região da Baía da Ilha Grande e na Serra do Mar, e áreas rurais entremeadas por fragmentos florestais, que são encontradas nas regiões do Médio Paraíba e Centro-Sul fluminense.

O estudo aponta ainda duas características das populações de vetores associadas a maior circulação do vírus da febre amarela: a alta abundância dos Haemagogus e a baixa diversidade de espécies de mosquitos.

Os dados ajudam a compreender os contextos de maior risco para a febre amarela no estado. No ciclo silvestre da doença, macacos infectados são picados por mosquitos, que adquirem o vírus e o transmitem para outros macacos. Os casos de infecção humana ocorrem quando as pessoas são, acidentalmente, picadas pelos insetos contaminados.

No RJ, áreas com maior incidência de febre amarela em pessoas e macacos têm grandes florestas ou mosaicos de fragmentos florestais e pastagens. Imagem: Filipe Abreu e colaboradores

Segundo os cientistas, nas áreas rurais fluminenses com maior índice de casos de febre amarela, a paisagem é composta por pequenas florestas em topos de morros, cercadas por pastagens. Além da proximidade entre os trabalhadores rurais e a mata, a baixa biodiversidade contribui para a disseminação da doença. 

“Observamos que essas áreas têm pouca variedade de mosquitos e muitos Haemagogus. Isso pode ser explicado pela baixa oferta de determinados tipos de criadouros, como bromélias, sem prejudicar a oferta de ocos de árvore, que são o criadouro preferido dos Haemagogus, o que favorece essa espécie. Quando as pessoas se aproximam dos fragmentos florestais, geralmente durante atividades agropecuárias, podem ficar expostos às picadas ”, aponta Filipe.

Nas grandes florestas, os Haemagogus encontram-se ‘diluídos’ em meio à grande diversidade de insetos. Porém, o número de macacos é grande e a doença se espalha facilmente. As infecções humanas ocorrem principalmente em áreas turísticas.

“Essas florestas têm muitos macacos e, eventualmente, têm seres humanos em atividades de lazer. Mas não é preciso entrar na mata para ser picado. Como os mosquitos voam por até 11 km, as pessoas podem ser picadas no quintal de casa, nas proximidades da floresta”, afirma Ricardo.

Lições de uma epidemia

A pesquisa contou com uma ampla base de dados. As coletas de mosquitos foram realizadas antes, durante e depois da epidemia no Rio de Janeiro. Entre 2015 e 2019, os pesquisadores percorreram 84 pontos do estado, capturando mais de 17 mil mosquitos, de 89 espécies.

Durante a epidemia, os cientistas estabeleceram uma rede de voluntários que, ao avistarem um macaco doente ou morto, informavam aos especialistas, que coletavam amostras dos animais e mosquitos nesses locais. Em laboratório, análises moleculares foram realizadas para identificar a infecção pelo vírus da febre amarela.

Pesquisadores contaram com apoio de voluntários para coletar amostras de primatas e mosquitos em áreas de mata durante a epidemia. Foto: Filipe Abreu

Todo o trabalho foi realizado em parceria com o Ministério da Saúde e Secretarias estadual e municipais de Saúde, contribuindo para o enfrentamento da epidemia. Para a pesquisa, os cientistas contaram com a colaboração dos órgãos públicos, que informam o local provável de infecção dos casos de febre amarela humana e em primatas registrados no estado.

“O Rio de Janeiro pode ser considerado um observatório para compreender a dinâmica da febre amarela. Depois de tanto tempo, o vírus encontrou um território virgem, onde os macacos não tinham anticorpos, e se espalhou. Como o estado é pequeno e nós coletamos muitas informações, podemos tirar um aprendizado disso”, ressalta Ricardo.

Desde que a febre amarela alcançou a Mata Atlântica, estudos realizados pelos cientistas do IOC em parceria com outras unidades da Fiocruz levaram a resultados importantes para o enfrentamento da doença. Entre outros achados, os pesquisadores conseguiram caracterizar o genoma do vírus que alcançou o litoral do Sudeste, apontar as rotas de dispersão do patógeno na região e identificar os principais vetores da febre amarela na epidemia.

No Rio de Janeiro, o último caso de febre amarela foi registrado em um macaco em janeiro de 2019. Porém, os pesquisadores alertam que a doença não acabou. “O vírus da febre amarela circula em ondas, que começam na Região Amazônica. Desde os anos 2000, vemos que essas ondas avançam cada vez mais para o Leste e o Sul. A linhagem que atingiu o Rio de Janeiro entre 2017 e 2019 ainda está em circulação na Região Sul do país e já há sinais de uma nova onda causando mortes de macacos em Minas Gerais. Portanto, temos que nos manter alertas”, enfatiza Ricardo.
 

Maioria dos indivíduos que contraiu a doença durante epidemia no Rio de Janeiro, entre 2017 e 2019, estava a cerca de 11 km de distância de local com identificação de macacos ou mosquitos infectados
Por: 
maira

Entre 2017 e 2019, uma epidemia de febre amarela assolou diversas regiões do país. No Rio de Janeiro, por exemplo, após quase 80 anos sem registros da doença, 289 pessoas foram infectadas e outras 93 morreram. Publicado na revista científica ‘Parasites and Vectors’, um estudo liderado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em parceria com o Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG) revela características importantes desse surto, que podem contribuir para o planejamento de ações de vigilância e controle do agravo.

A pesquisa cruza dados sobre infecções humanas, de primatas e de vetores com análises das populações de insetos e características da paisagem no estado. De forma inédita, o trabalho revela que 90% dos casos de febre amarela humana foram registrados a uma distância de, no máximo, 25 km de um macaco ou mosquito infectado, sendo que 70% dos registros ocorreram em um raio de 11 km de um primata ou vetor com infecção – uma distância compatível com o alcance de voo dos mosquitos Haemagogus, identificados como os principais transmissores da doença na epidemia.

Segundo os autores do estudo, os dados podem ser a base para ações estratégicas de controle do agravo. “Os números indicam que iniciativas para garantir a vacinação em um raio de 25 km do local do achado de um primata ou vetor infectado podem prevenir 90% dos casos humanos da doença. Essa informação é valiosa no momento de concentrar esforços para conter a febre amarela”, afirma o pesquisador do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do IOC e coordenador do estudo, Ricardo Lourenço de Oliveira.

Com ampla base de dados, pesquisa mapeou locais de infecção de pessoas, macacos e vetores, populações de mosquitos e tipos de paisagem no RJ. Imagem: Filipe Abreu e colaboradores

Os achados reforçam ainda a importância da vigilância de epizootias no combate à doença. “Para prevenir surtos, é preciso manter a cobertura vacinal alta nas áreas onde há indicação e realizar a vigilância de primatas e mosquitos com muita atenção. Sempre que um macaco é encontrado morto, deve ser feita a coleta de amostras do animal e de vetores no local para investigar a circulação do vírus da febre amarela”, destaca o primeiro autor do estudo, Filipe Abreu, professor do IFNMG e doutor em Biologia Parasitária pelo IOC.

Considerando que muitos municípios ainda não contam com estrutura adequada para a análise de insetos, os pesquisadores lembram que o Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do IOC atua como Serviço de Referência em Vigilância Entomológica em Febre Amarela, realizando identificação de vetores e diagnóstico da infecção nos vetores. A unidade também fornece suporte para investigações sobre a transmissão da febre amarela e capacitação para identificação taxonômica, coleta e transporte dos insetos.

Além do IOC e do IFNMG, a pesquisa contou com a colaboração do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT/Fiocruz) e da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES/RJ). No IOC, participaram os Laboratórios de Mosquitos Transmissores de Hematozoários e de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios.

Contextos de risco

O mapeamento realizado pelos cientistas mostra que a maior parte das infecções no Rio de Janeiro se concentrou em dois tipos de paisagem: grandes florestas, que ocorrem na região da Baía da Ilha Grande e na Serra do Mar, e áreas rurais entremeadas por fragmentos florestais, que são encontradas nas regiões do Médio Paraíba e Centro-Sul fluminense.

O estudo aponta ainda duas características das populações de vetores associadas a maior circulação do vírus da febre amarela: a alta abundância dos Haemagogus e a baixa diversidade de espécies de mosquitos.

Os dados ajudam a compreender os contextos de maior risco para a febre amarela no estado. No ciclo silvestre da doença, macacos infectados são picados por mosquitos, que adquirem o vírus e o transmitem para outros macacos. Os casos de infecção humana ocorrem quando as pessoas são, acidentalmente, picadas pelos insetos contaminados.

No RJ, áreas com maior incidência de febre amarela em pessoas e macacos têm grandes florestas ou mosaicos de fragmentos florestais e pastagens. Imagem: Filipe Abreu e colaboradores

Segundo os cientistas, nas áreas rurais fluminenses com maior índice de casos de febre amarela, a paisagem é composta por pequenas florestas em topos de morros, cercadas por pastagens. Além da proximidade entre os trabalhadores rurais e a mata, a baixa biodiversidade contribui para a disseminação da doença. 

“Observamos que essas áreas têm pouca variedade de mosquitos e muitos Haemagogus. Isso pode ser explicado pela baixa oferta de determinados tipos de criadouros, como bromélias, sem prejudicar a oferta de ocos de árvore, que são o criadouro preferido dos Haemagogus, o que favorece essa espécie. Quando as pessoas se aproximam dos fragmentos florestais, geralmente durante atividades agropecuárias, podem ficar expostos às picadas ”, aponta Filipe.

Nas grandes florestas, os Haemagogus encontram-se ‘diluídos’ em meio à grande diversidade de insetos. Porém, o número de macacos é grande e a doença se espalha facilmente. As infecções humanas ocorrem principalmente em áreas turísticas.

“Essas florestas têm muitos macacos e, eventualmente, têm seres humanos em atividades de lazer. Mas não é preciso entrar na mata para ser picado. Como os mosquitos voam por até 11 km, as pessoas podem ser picadas no quintal de casa, nas proximidades da floresta”, afirma Ricardo.

Lições de uma epidemia

A pesquisa contou com uma ampla base de dados. As coletas de mosquitos foram realizadas antes, durante e depois da epidemia no Rio de Janeiro. Entre 2015 e 2019, os pesquisadores percorreram 84 pontos do estado, capturando mais de 17 mil mosquitos, de 89 espécies.

Durante a epidemia, os cientistas estabeleceram uma rede de voluntários que, ao avistarem um macaco doente ou morto, informavam aos especialistas, que coletavam amostras dos animais e mosquitos nesses locais. Em laboratório, análises moleculares foram realizadas para identificar a infecção pelo vírus da febre amarela.

Pesquisadores contaram com apoio de voluntários para coletar amostras de primatas e mosquitos em áreas de mata durante a epidemia. Foto: Filipe Abreu

Todo o trabalho foi realizado em parceria com o Ministério da Saúde e Secretarias estadual e municipais de Saúde, contribuindo para o enfrentamento da epidemia. Para a pesquisa, os cientistas contaram com a colaboração dos órgãos públicos, que informam o local provável de infecção dos casos de febre amarela humana e em primatas registrados no estado.

“O Rio de Janeiro pode ser considerado um observatório para compreender a dinâmica da febre amarela. Depois de tanto tempo, o vírus encontrou um território virgem, onde os macacos não tinham anticorpos, e se espalhou. Como o estado é pequeno e nós coletamos muitas informações, podemos tirar um aprendizado disso”, ressalta Ricardo.

Desde que a febre amarela alcançou a Mata Atlântica, estudos realizados pelos cientistas do IOC em parceria com outras unidades da Fiocruz levaram a resultados importantes para o enfrentamento da doença. Entre outros achados, os pesquisadores conseguiram caracterizar o genoma do vírus que alcançou o litoral do Sudeste, apontar as rotas de dispersão do patógeno na região e identificar os principais vetores da febre amarela na epidemia.

No Rio de Janeiro, o último caso de febre amarela foi registrado em um macaco em janeiro de 2019. Porém, os pesquisadores alertam que a doença não acabou. “O vírus da febre amarela circula em ondas, que começam na Região Amazônica. Desde os anos 2000, vemos que essas ondas avançam cada vez mais para o Leste e o Sul. A linhagem que atingiu o Rio de Janeiro entre 2017 e 2019 ainda está em circulação na Região Sul do país e já há sinais de uma nova onda causando mortes de macacos em Minas Gerais. Portanto, temos que nos manter alertas”, enfatiza Ricardo.
 

Edição: 
Vinicius Ferreira

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)