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Castelo de Manguinhos: ícone da ciência e da arquitetura

Idealizado por Oswaldo Cruz, sede da Fiocruz é um marco do estilo eclético, que refletiu o ideal de modernidade no final do século XIX e começo do XX
Por Maíra Menezes05/08/2022 - Atualizado em 16/08/2022
Castelo Mourisco, sede da Fiocruz, no Rio de Janeiro: símbolo da Ciência e da Saúde Pública no Brasil. Acervo COC/Fiocruz

O jovem Oswaldo Cruz viveu na capital de um país que passava por um processo de modernização e profundas mudanças. No final do século XIX, o Brasil aboliu a escravidão e passou de Império a República. Em 1872, o Rio de Janeiro tinha cerca de 270 mil habitantes. Em 1890, a população chegava a 520 mil pessoas. 

Projetando o ideal de modernidade de uma nação que buscava superar o passado colonial, a arquitetura eclética despontou nesse período e se tornou predominante no começo do século XX, quando a cidade passou por grandes reformas urbanas.  

Surgido na Europa, após a Revolução Industrial e associado à ascensão da burguesia, o ecletismo permite a adoção de estilos históricos diversos e a combinação entre estilos. Também tem como características a riqueza de ornamentação, que diverte o olhar e confere luxo, seja à fachada ou ao interior, e uma “arquitetura falante”, que expressa a função da edificação. Além disso, é marcado pela utilização de novos materiais, como ferro e aço, e produtos fabricados em série, que, no Brasil, eram geralmente importados. 

O ecletismo era o estilo em voga na época da construção dos primeiros edifícios projetados para abrigar as atividades do então Instituto Soroterápico Federal, que, desde 1900, funcionava em instalações improvisadas em Manguinhos, no Rio de Janeiro.  

Desenho elaborado por Oswaldo e entregue a Luiz Moraes Júnior, indicando que queria um Castelo para sediar o Instituto Soroterápico Federal. Acervo COC/Fiocruz

O Castelo Mourisco, idealizado por Oswaldo Cruz para simbolizar a grandeza da ciência, se destacou entre as construções da época. O cientista fez os primeiros esboços do edifício, que já indicavam o estilo da ornamentação. O arquiteto português Luiz Moraes Júnior, que, em 1902, trabalhava na reforma da Igreja da Penha, foi convidado pelo cientista para o projeto, que deveria abrigar laboratórios, escritórios e biblioteca.  

A construção começou em 1904 e terminou em 1918. Falecido precocemente, em 1917, aos 44 anos, Oswaldo não viu a finalização da obra, mas trabalhou nos laboratórios da edificação, que já eram ocupados pelos cientistas em 1910. 

Outras obras em estilo oriental foram erguidas no Rio de Janeiro dos anos 1900. Na Avenida Central recém-inaugurada havia o Café Arábico-Persa. Na praia de Botafogo, um pavilhão mourisco funcionava como bar e restaurante. 

Porém, desde a inauguração, o Castelo de Manguinhos chamava atenção pela grandiosidade e riqueza de detalhes, com cinco andares, duas torres, cúpulas de cobre, janelas com gradis desenhados, azulejos portugueses, mosaicos inspirados em tapeçarias persas, entre muitos outros elementos. Além disso, se destacava por abrigar uma instituição científica, que, poucos anos após a sua fundação, já era internacionalmente reconhecida.  

Oswaldo Cruz ao microscópio em laboratório de Manguinhos, observado por seu filho Bento Oswaldo Cruz e por Burle de Figueiredo, em 1910. Acervo COC/Fiocruz

Não há registros oficiais sobre os motivos que levaram à opção de Oswaldo Cruz pelo estilo mourisco. Segundo conta o historiador Jaime Benchimol no livro “Manguinhos do sonho à vida: a ciência na belle époque”, o único relato sobre o tema foi escrito por Ezequiel Dias, integrante da primeira geração de cientistas de Manguinhos e cunhado de Oswaldo Cruz. Segundo ele, questionado sobre a escolha de um estilo tão estranho para o Instituto, o cientista respondeu apenas “por que é o mais bonito (...) e voltou a mirar enamorado sua obra”.   

“O Pavilhão Mourisco é um ícone de uma arquitetura. O ecletismo permite construções em diversos estilos, e o arquiteto fez um grande projeto, misturando uma planta palaciana de estilo inglês com os elementos orientais, como era a visão de Oswaldo Cruz”, comenta a arquiteta do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan), Márcia Franqueira.  

Ao redor do Castelo, por volta dos anos 1904 e 1905, foram erguidos: a Cavalariça, onde eram abrigados os cavalos para a produção de soros; o Pavilhão do Relógio, que foi chamado de Pavilhão da Peste, por sediar atividades ligadas à peste bubônica; o Pombal, onde funcionava o biotério de pequenos animais; e a Casa de Chá, que servia de refeitório para os cientistas. Os imóveis foram projetados por Moraes Júnior e têm estilos variados, com influências inglesas e portuguesas.  

Pronta em 1909, a original Biblioteca de Manguinhos, sediada no terceiro andar do Castelo Mourisco, era palco de uma reunião comandada por Oswaldo Cruz, a chamada “mesa das quartas-feiras”, onde Cruz distribuía artigos científicos para que fossem discutidos pelos pesquisadores na semana seguinte. Acervo COC/Fiocruz

A construção do núcleo arquitetônico histórico de Manguinhos se deu num período de grandes obras no Rio de Janeiro. Entre 1902 e 1906, ocorreu a remodelação do centro da cidade. Promovida pelo prefeito Pereira Passos, a reforma urbana derrubou habitações populares, realizou a abertura da Avenida Central (atual Rio Branco) e ergueu edifícios como o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional e o Museu de Belas Artes.  

A obra unia ideais de modernização e saneamento. Oswaldo Cruz foi um dos integrantes da comissão julgadora do concurso de fachadas organizado para avaliar os imóveis da nova avenida. 

“Naquela época, o referencial era o mundo ocidental, principalmente, Paris. Havia o sentimento de que a arquitetura colonial estava ligada ao passado da colonização, não representava a modernidade e não deveria ser preservada. Isso aconteceu não só no Brasil, mas em outros países da América Latina também”, pontua Márcia.  

O estilo arquitetônico do Rio de Janeiro já tinha sofrido transformações após a chegada da família real, no começo do século XIX. Além dos sobrados portugueses, que ocupavam todo o terreno, e das igrejas barrocas, ricas em detalhes, que eram obras típicas da arquitetura colonial, a cidade contava com construções neoclássicas, que adotavam elementos do classicismo romano, como colunas e frontões, tal como se observa no antigo prédio da alfândega, onde hoje funciona a Casa França-Brasil, no Centro do Rio.  

Com a ascensão do ecletismo, além dos grandes imóveis públicos, as residências das famílias com recursos no Rio de Janeiro foram alteradas para adotar o novo estilo.  

“As casas em Santa Teresa, Glória e Catete, por exemplo, são construídas em centro de terreno, com telhado do tipo chalé, lambrequim, estruturas de portas e janelas sofisticadas com vidros de guilhotina, vidros desenhados e mobiliário interno sofisticado de estilo europeu, abandonando a simplicidade do colonial”, descreve Márcia. 

Como já tinha ocorrido com o colonial e o neoclássico, um número relativamente pequeno de exemplares do ecletismo foi preservado no Rio de Janeiro. Algumas construções ecléticas foram demolidas – como Palácio Monroe, que ficava na Cinelândia, no Centro do Rio e tinha sido sede do Senado Federal até a mudança da capital do país para Brasília. Outras edificações sofreram alterações, que descaracterizaram o estilo do começo do século XX.  

Pavilhão do Relógio: primeiro prédio do Núcleo Arquitetônico Histórico de Manguinhos (NAHM) a ficar pronto, em 1904, abrigava atividades relacionadas ao bacilo da peste, como a preparação do soro e da vacina. Acervo COC/Fiocruz.

Todo o conjunto eclético da Fiocruz é preservado e, em grande parte, aberto à visitação. O Pavilhão Mourisco (Castelo), o Pavilhão do Relógio e a Cavalariça são tombados pelo Iphan. Atualmente em obras de restauração, o Castelo abriga a direção do IOC e a presidência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Também é sede da Coleção Entomológica do IOC e da revista científica 'Memórias do Instituto Oswaldo Cruz', entre outros setores. As atividades de preservação e visitação são coordenadas pela Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Acesse o site do Museu da Vida para mais informações.

Idealizado por Oswaldo Cruz, sede da Fiocruz é um marco do estilo eclético, que refletiu o ideal de modernidade no final do século XIX e começo do XX
Por: 
maira
Castelo Mourisco, sede da Fiocruz, no Rio de Janeiro: símbolo da Ciência e da Saúde Pública no Brasil. Acervo COC/Fiocruz

O jovem Oswaldo Cruz viveu na capital de um país que passava por um processo de modernização e profundas mudanças. No final do século XIX, o Brasil aboliu a escravidão e passou de Império a República. Em 1872, o Rio de Janeiro tinha cerca de 270 mil habitantes. Em 1890, a população chegava a 520 mil pessoas. 

Projetando o ideal de modernidade de uma nação que buscava superar o passado colonial, a arquitetura eclética despontou nesse período e se tornou predominante no começo do século XX, quando a cidade passou por grandes reformas urbanas.  

Surgido na Europa, após a Revolução Industrial e associado à ascensão da burguesia, o ecletismo permite a adoção de estilos históricos diversos e a combinação entre estilos. Também tem como características a riqueza de ornamentação, que diverte o olhar e confere luxo, seja à fachada ou ao interior, e uma “arquitetura falante”, que expressa a função da edificação. Além disso, é marcado pela utilização de novos materiais, como ferro e aço, e produtos fabricados em série, que, no Brasil, eram geralmente importados. 

O ecletismo era o estilo em voga na época da construção dos primeiros edifícios projetados para abrigar as atividades do então Instituto Soroterápico Federal, que, desde 1900, funcionava em instalações improvisadas em Manguinhos, no Rio de Janeiro.  

Desenho elaborado por Oswaldo e entregue a Luiz Moraes Júnior, indicando que queria um Castelo para sediar o Instituto Soroterápico Federal. Acervo COC/Fiocruz

O Castelo Mourisco, idealizado por Oswaldo Cruz para simbolizar a grandeza da ciência, se destacou entre as construções da época. O cientista fez os primeiros esboços do edifício, que já indicavam o estilo da ornamentação. O arquiteto português Luiz Moraes Júnior, que, em 1902, trabalhava na reforma da Igreja da Penha, foi convidado pelo cientista para o projeto, que deveria abrigar laboratórios, escritórios e biblioteca.  

A construção começou em 1904 e terminou em 1918. Falecido precocemente, em 1917, aos 44 anos, Oswaldo não viu a finalização da obra, mas trabalhou nos laboratórios da edificação, que já eram ocupados pelos cientistas em 1910. 

Outras obras em estilo oriental foram erguidas no Rio de Janeiro dos anos 1900. Na Avenida Central recém-inaugurada havia o Café Arábico-Persa. Na praia de Botafogo, um pavilhão mourisco funcionava como bar e restaurante. 

Porém, desde a inauguração, o Castelo de Manguinhos chamava atenção pela grandiosidade e riqueza de detalhes, com cinco andares, duas torres, cúpulas de cobre, janelas com gradis desenhados, azulejos portugueses, mosaicos inspirados em tapeçarias persas, entre muitos outros elementos. Além disso, se destacava por abrigar uma instituição científica, que, poucos anos após a sua fundação, já era internacionalmente reconhecida.  

Oswaldo Cruz ao microscópio em laboratório de Manguinhos, observado por seu filho Bento Oswaldo Cruz e por Burle de Figueiredo, em 1910. Acervo COC/Fiocruz

Não há registros oficiais sobre os motivos que levaram à opção de Oswaldo Cruz pelo estilo mourisco. Segundo conta o historiador Jaime Benchimol no livro “Manguinhos do sonho à vida: a ciência na belle époque”, o único relato sobre o tema foi escrito por Ezequiel Dias, integrante da primeira geração de cientistas de Manguinhos e cunhado de Oswaldo Cruz. Segundo ele, questionado sobre a escolha de um estilo tão estranho para o Instituto, o cientista respondeu apenas “por que é o mais bonito (...) e voltou a mirar enamorado sua obra”.   

“O Pavilhão Mourisco é um ícone de uma arquitetura. O ecletismo permite construções em diversos estilos, e o arquiteto fez um grande projeto, misturando uma planta palaciana de estilo inglês com os elementos orientais, como era a visão de Oswaldo Cruz”, comenta a arquiteta do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan), Márcia Franqueira.  

Ao redor do Castelo, por volta dos anos 1904 e 1905, foram erguidos: a Cavalariça, onde eram abrigados os cavalos para a produção de soros; o Pavilhão do Relógio, que foi chamado de Pavilhão da Peste, por sediar atividades ligadas à peste bubônica; o Pombal, onde funcionava o biotério de pequenos animais; e a Casa de Chá, que servia de refeitório para os cientistas. Os imóveis foram projetados por Moraes Júnior e têm estilos variados, com influências inglesas e portuguesas.  

Pronta em 1909, a original Biblioteca de Manguinhos, sediada no terceiro andar do Castelo Mourisco, era palco de uma reunião comandada por Oswaldo Cruz, a chamada “mesa das quartas-feiras”, onde Cruz distribuía artigos científicos para que fossem discutidos pelos pesquisadores na semana seguinte. Acervo COC/Fiocruz

A construção do núcleo arquitetônico histórico de Manguinhos se deu num período de grandes obras no Rio de Janeiro. Entre 1902 e 1906, ocorreu a remodelação do centro da cidade. Promovida pelo prefeito Pereira Passos, a reforma urbana derrubou habitações populares, realizou a abertura da Avenida Central (atual Rio Branco) e ergueu edifícios como o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional e o Museu de Belas Artes.  

A obra unia ideais de modernização e saneamento. Oswaldo Cruz foi um dos integrantes da comissão julgadora do concurso de fachadas organizado para avaliar os imóveis da nova avenida. 

“Naquela época, o referencial era o mundo ocidental, principalmente, Paris. Havia o sentimento de que a arquitetura colonial estava ligada ao passado da colonização, não representava a modernidade e não deveria ser preservada. Isso aconteceu não só no Brasil, mas em outros países da América Latina também”, pontua Márcia.  

O estilo arquitetônico do Rio de Janeiro já tinha sofrido transformações após a chegada da família real, no começo do século XIX. Além dos sobrados portugueses, que ocupavam todo o terreno, e das igrejas barrocas, ricas em detalhes, que eram obras típicas da arquitetura colonial, a cidade contava com construções neoclássicas, que adotavam elementos do classicismo romano, como colunas e frontões, tal como se observa no antigo prédio da alfândega, onde hoje funciona a Casa França-Brasil, no Centro do Rio.  

Com a ascensão do ecletismo, além dos grandes imóveis públicos, as residências das famílias com recursos no Rio de Janeiro foram alteradas para adotar o novo estilo.  

“As casas em Santa Teresa, Glória e Catete, por exemplo, são construídas em centro de terreno, com telhado do tipo chalé, lambrequim, estruturas de portas e janelas sofisticadas com vidros de guilhotina, vidros desenhados e mobiliário interno sofisticado de estilo europeu, abandonando a simplicidade do colonial”, descreve Márcia. 

Como já tinha ocorrido com o colonial e o neoclássico, um número relativamente pequeno de exemplares do ecletismo foi preservado no Rio de Janeiro. Algumas construções ecléticas foram demolidas – como Palácio Monroe, que ficava na Cinelândia, no Centro do Rio e tinha sido sede do Senado Federal até a mudança da capital do país para Brasília. Outras edificações sofreram alterações, que descaracterizaram o estilo do começo do século XX.  

Pavilhão do Relógio: primeiro prédio do Núcleo Arquitetônico Histórico de Manguinhos (NAHM) a ficar pronto, em 1904, abrigava atividades relacionadas ao bacilo da peste, como a preparação do soro e da vacina. Acervo COC/Fiocruz.

Todo o conjunto eclético da Fiocruz é preservado e, em grande parte, aberto à visitação. O Pavilhão Mourisco (Castelo), o Pavilhão do Relógio e a Cavalariça são tombados pelo Iphan. Atualmente em obras de restauração, o Castelo abriga a direção do IOC e a presidência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Também é sede da Coleção Entomológica do IOC e da revista científica 'Memórias do Instituto Oswaldo Cruz', entre outros setores. As atividades de preservação e visitação são coordenadas pela Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Acesse o site do Museu da Vida para mais informações.

Edição: 
Vinicius Ferreira

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)