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Metodologias reconhecidas com Prêmio Nobel são aplicadas no IOC

Colaboração com ganhador da categoria Medicina está na origem de linhas de pesquisa sobre flavivírus. Técnica de edição genética destacada na Química abre portas para inovações
Por Maíra Menezes15/10/2020 - Atualizado em 22/03/2021

A cooperação com o pesquisador Charles Rice, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina de 2020, está na raiz de linhas de pesquisa inovadoras do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). A parceria foi iniciada nos anos 1980, quando o pesquisador do IOC Ricardo Galler realizou a sua formação em virologia molecular nos Estados Unidos. Os dois se conheceram no Instituto de Tecnologia da California (Caltech), onde ambos eram pós-doutorandos supervisionados por James Strauss, uma referência no campo da virologia.

Galler realizou dois pós-doutorados nos EUA. Ele chegou a Caltech em 1985, no mesmo ano em que Rice e Strauss publicaram o primeiro sequenciamento do genoma completo do vírus vacinal da febre amarela. Em 1987, seguiu para a Washington University em Saint Louis, onde Rice tinha estabelecido seu laboratório próprio. Em 1989, Galler integrou a equipe liderada por Rice que publicou um dos primeiros artigos a descrever a obtenção de vírus sintéticos por genética reversa, aplicando a metodologia ao vírus da vacina da febre amarela.

Síntese de vírus da febre amarela a partir da metodologia de genética reversa foi publicada no periódico 'The New Biologist' em 1989. Foto: Arquivo pessoal

De volta ao IOC, o pesquisador fundou o Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus, onde iniciou pesquisas com foco no uso do vírus vacinal da febre amarela como vetor de expressão e no desenvolvimento de vacinas virais recombinantes. As duas abordagens têm como ponto de partida a genética reversa, que facilita a manipulação do genoma viral, permitindo, por exemplo, que os pesquisadores insiram genes de outros patógenos no código genético do vírus da vacina da febre amarela. Dessa forma, o microrganismo passa a expressar proteínas de outros agentes infecciosos e pode se tornar uma plataforma para a imunização contra diferentes agravos.

“O meu foco durante o pós-doutorado foi sempre o uso do vírus vacinal da febre amarela como vetor de expressão, entendendo que essa seria uma tecnologia importante para o Brasil, que já produzia a vacina e poderia utilizá-la contra outras doenças”, explica Galler. “Mesmo após a conclusão do pós-doutorado, a colaboração com Charles [Rice] foi muito proveitosa para a realização de pesquisas, como o sequenciamento genético do vírus vacinal da febre amarela no Brasil e estudos de virulência, e para a formação de pessoal”, acrescenta o cientista.

O trabalho desenvolvido no Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus levou a uma tecnologia inovadora para a produção de vacinas recombinantes, reconhecida com patentes nos Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido e Holanda e aplicada para produzir imunizantes contra dengue, malária e HIV. “A formação de Galler em virologia molecular com o grupo de Rice foi muito importante para a criação de um laboratório com essa capacidade de desenvolvimento tecnológico”, afirma a pesquisadora Myrna Bonaldo, atual chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus, que desenvolveu a metodologia patenteada junto com Galler.

Anunciado no dia 5 de outubro, o Nobel de Medicina reconheceu o trabalho de Rice ao desvendar as últimas peças do quebra-cabeças sobre o vírus da hepatite C. A metodologia de síntese viral por genética reversa foi uma das técnicas utilizadas pelo cientista para identificar a sequência final do genoma do microrganismo. O Prêmio Nobel foi compartilhado com os pesquisadores Harvey Alter e Michael Houghton, considerando que as descobertas realizadas pelos três cientistas foram fundamentais para a caracterização do patógeno, que permitiu o desenvolvimento de testes de diagnóstico e de tratamentos para a doença.

Novas possibilidades de pesquisa

Anunciado no dia 7 de outubro, o Prêmio Nobel de Química reconheceu o trabalho das pesquisadoras Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna pelo desenvolvimento do método de edição do genoma CRISPR-Cas9. A ferramenta pode ser descrita como uma tesoura genética, que permite aos cientistas cortar o DNA de forma precisa e fácil. O corte realizado no ponto exato orientado por uma molécula guia de RNA pode ser usado tanto para interromper a expressão de um gene como para inserir novas sequências no genoma. Publicada há apenas oito anos, a metodologia é considerada revolucionária e já vem contribuindo para novas terapias do câncer, além de abrir portas para a cura de doenças genéticas hereditárias.

No IOC, projetos utilizam a técnica para desvendar a função de proteínas que podem ter um papel importante em agravos e desenvolver novas terapias. No Laboratório de Pesquisa sobre o Timo, quatro linhas de pesquisa estão em andamento. Entre elas está a investigação sobre a integrina VLA-4 nas células de defesa chamadas de linfócitos T, que foi selecionada no edital Geração de Conhecimento do Programa Inova Fiocruz. Presente na superfície celular, a molécula atua na adesão dos linfócitos à parede dos vasos sanguíneos. O processo é importante para a migração destas células até locais de infecção, mas também está envolvido em doenças inflamatórias, como a esclerose múltipla.

A metodologia CRISPR-Cas9 é utilizada para investigar outras funções da molécula VLA-4 na biologia dos linfócitos T. “Na primeira fase do trabalho, utilizamos a CRISPR para silenciar um dos genes da VLA-4, interrompendo a expressão da molécula nas células. Isso permite responder perguntas de biologia celular que são importantes do ponto de vista clínico”, afirma o pesquisador Vinicius Cotta de Almeida, chefe do Laboratório de Pesquisa sobre o Timo e líder do projeto. Na próxima etapa do trabalho, a técnica de edição genética será aplicada para obter linhagens celulares com variações em um dos genes que codificam a VLA-4 que são encontradas na população, investigando, assim, possíveis efeitos patogênicos.

No Laboratório de Virologia Molecular do IOC, a ferramenta é uma aposta para novos tratamentos de infecções. A pesquisadora Vanessa de Paula, chefe do Laboratório, explica que, neste caso, a tesoura genética CRISPR-Cas9 é introduzida nas células, mas a molécula guia de RNA direciona o corte para o genoma dos vírus. “Na virologia, a principal vantagem da CRISPR-Cas9 é a possibilidade de edição do genoma viral e, consequentemente, de inibição da replicação dos vírus, o que abre portas para a cura ou tratamento de doenças”, diz a cientista.

Entre os projetos iniciados, o mais avançado tem como alvo a ceratite herpética, infecção ocular causada pelo vírus herpes 1. O estudo foi contemplado no edital para Produtos Inovadores do Programa Inova Fiocruz. Em cultura de células, os pesquisadores conseguiram bloquear a replicação viral por meio da CRISPR-Cas9. Na próxima etapa, a terapia será avaliada em camundongos, considerados como modelo para estudo do agravo. “Vamos comparar a terapia com CRISPR-Cas9 com o tratamento padrão para os herpes vírus”, pontua Vanessa, que coordena a pesquisa.

Colaboração com ganhador da categoria Medicina está na origem de linhas de pesquisa sobre flavivírus. Técnica de edição genética destacada na Química abre portas para inovações
Por: 
maira

A cooperação com o pesquisador Charles Rice, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina de 2020, está na raiz de linhas de pesquisa inovadoras do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). A parceria foi iniciada nos anos 1980, quando o pesquisador do IOC Ricardo Galler realizou a sua formação em virologia molecular nos Estados Unidos. Os dois se conheceram no Instituto de Tecnologia da California (Caltech), onde ambos eram pós-doutorandos supervisionados por James Strauss, uma referência no campo da virologia.

Galler realizou dois pós-doutorados nos EUA. Ele chegou a Caltech em 1985, no mesmo ano em que Rice e Strauss publicaram o primeiro sequenciamento do genoma completo do vírus vacinal da febre amarela. Em 1987, seguiu para a Washington University em Saint Louis, onde Rice tinha estabelecido seu laboratório próprio. Em 1989, Galler integrou a equipe liderada por Rice que publicou um dos primeiros artigos a descrever a obtenção de vírus sintéticos por genética reversa, aplicando a metodologia ao vírus da vacina da febre amarela.

Síntese de vírus da febre amarela a partir da metodologia de genética reversa foi publicada no periódico 'The New Biologist' em 1989. Foto: Arquivo pessoal

De volta ao IOC, o pesquisador fundou o Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus, onde iniciou pesquisas com foco no uso do vírus vacinal da febre amarela como vetor de expressão e no desenvolvimento de vacinas virais recombinantes. As duas abordagens têm como ponto de partida a genética reversa, que facilita a manipulação do genoma viral, permitindo, por exemplo, que os pesquisadores insiram genes de outros patógenos no código genético do vírus da vacina da febre amarela. Dessa forma, o microrganismo passa a expressar proteínas de outros agentes infecciosos e pode se tornar uma plataforma para a imunização contra diferentes agravos.

“O meu foco durante o pós-doutorado foi sempre o uso do vírus vacinal da febre amarela como vetor de expressão, entendendo que essa seria uma tecnologia importante para o Brasil, que já produzia a vacina e poderia utilizá-la contra outras doenças”, explica Galler. “Mesmo após a conclusão do pós-doutorado, a colaboração com Charles [Rice] foi muito proveitosa para a realização de pesquisas, como o sequenciamento genético do vírus vacinal da febre amarela no Brasil e estudos de virulência, e para a formação de pessoal”, acrescenta o cientista.

O trabalho desenvolvido no Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus levou a uma tecnologia inovadora para a produção de vacinas recombinantes, reconhecida com patentes nos Estados Unidos, Alemanha, França, Reino Unido e Holanda e aplicada para produzir imunizantes contra dengue, malária e HIV. “A formação de Galler em virologia molecular com o grupo de Rice foi muito importante para a criação de um laboratório com essa capacidade de desenvolvimento tecnológico”, afirma a pesquisadora Myrna Bonaldo, atual chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus, que desenvolveu a metodologia patenteada junto com Galler.

Anunciado no dia 5 de outubro, o Nobel de Medicina reconheceu o trabalho de Rice ao desvendar as últimas peças do quebra-cabeças sobre o vírus da hepatite C. A metodologia de síntese viral por genética reversa foi uma das técnicas utilizadas pelo cientista para identificar a sequência final do genoma do microrganismo. O Prêmio Nobel foi compartilhado com os pesquisadores Harvey Alter e Michael Houghton, considerando que as descobertas realizadas pelos três cientistas foram fundamentais para a caracterização do patógeno, que permitiu o desenvolvimento de testes de diagnóstico e de tratamentos para a doença.

Novas possibilidades de pesquisa

Anunciado no dia 7 de outubro, o Prêmio Nobel de Química reconheceu o trabalho das pesquisadoras Emmanuelle Charpentier e Jennifer Doudna pelo desenvolvimento do método de edição do genoma CRISPR-Cas9. A ferramenta pode ser descrita como uma tesoura genética, que permite aos cientistas cortar o DNA de forma precisa e fácil. O corte realizado no ponto exato orientado por uma molécula guia de RNA pode ser usado tanto para interromper a expressão de um gene como para inserir novas sequências no genoma. Publicada há apenas oito anos, a metodologia é considerada revolucionária e já vem contribuindo para novas terapias do câncer, além de abrir portas para a cura de doenças genéticas hereditárias.

No IOC, projetos utilizam a técnica para desvendar a função de proteínas que podem ter um papel importante em agravos e desenvolver novas terapias. No Laboratório de Pesquisa sobre o Timo, quatro linhas de pesquisa estão em andamento. Entre elas está a investigação sobre a integrina VLA-4 nas células de defesa chamadas de linfócitos T, que foi selecionada no edital Geração de Conhecimento do Programa Inova Fiocruz. Presente na superfície celular, a molécula atua na adesão dos linfócitos à parede dos vasos sanguíneos. O processo é importante para a migração destas células até locais de infecção, mas também está envolvido em doenças inflamatórias, como a esclerose múltipla.

A metodologia CRISPR-Cas9 é utilizada para investigar outras funções da molécula VLA-4 na biologia dos linfócitos T. “Na primeira fase do trabalho, utilizamos a CRISPR para silenciar um dos genes da VLA-4, interrompendo a expressão da molécula nas células. Isso permite responder perguntas de biologia celular que são importantes do ponto de vista clínico”, afirma o pesquisador Vinicius Cotta de Almeida, chefe do Laboratório de Pesquisa sobre o Timo e líder do projeto. Na próxima etapa do trabalho, a técnica de edição genética será aplicada para obter linhagens celulares com variações em um dos genes que codificam a VLA-4 que são encontradas na população, investigando, assim, possíveis efeitos patogênicos.

No Laboratório de Virologia Molecular do IOC, a ferramenta é uma aposta para novos tratamentos de infecções. A pesquisadora Vanessa de Paula, chefe do Laboratório, explica que, neste caso, a tesoura genética CRISPR-Cas9 é introduzida nas células, mas a molécula guia de RNA direciona o corte para o genoma dos vírus. “Na virologia, a principal vantagem da CRISPR-Cas9 é a possibilidade de edição do genoma viral e, consequentemente, de inibição da replicação dos vírus, o que abre portas para a cura ou tratamento de doenças”, diz a cientista.

Entre os projetos iniciados, o mais avançado tem como alvo a ceratite herpética, infecção ocular causada pelo vírus herpes 1. O estudo foi contemplado no edital para Produtos Inovadores do Programa Inova Fiocruz. Em cultura de células, os pesquisadores conseguiram bloquear a replicação viral por meio da CRISPR-Cas9. Na próxima etapa, a terapia será avaliada em camundongos, considerados como modelo para estudo do agravo. “Vamos comparar a terapia com CRISPR-Cas9 com o tratamento padrão para os herpes vírus”, pontua Vanessa, que coordena a pesquisa.

Edição: 
Vinicius Ferreira

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)