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Febre maculosa: 85 anos de Brasil

Especialista do IOC esclarece dúvidas e alerta para a prevenção da doença, que já levou 23 pessoas a óbito só esse ano
Por Vinicius Ferreira20/08/2014 - Atualizado em 27/09/2022

Passados 85 anos desde a identificação do primeiro caso de febre maculosa em território nacional, a falta de informação continua sendo um dos maiores desafios no enfretamento da doença. Com quadro clínico marcado por febre alta, dores de cabeça, náuseas e vômitos, o diagnóstico correto depende do conhecimento dos profissionais de saúde sobre este agravo, que compartilha os mesmos sintomas com diversas doenças. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, nos últimos 20 anos, praticamente todos os casos de óbito por febre maculosa tiveram o diagnóstico inicial de dengue.

Chefe do Laboratório de Hantaviroses e Rickettsioses do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), que atua como Serviço de Referência junto ao Ministério da Saúde (MS) para Rickettsioses, Elba Lemos esclarece dúvidas e alerta para a prevenção da doença que já infectou mais de 1200 pessoas e levou a óbito cerca de 370, desde 1997. O Sudeste é a região do país com o maior número de notificações, sobretudo em São Paulo (562) e Minas Gerais (208). Só em 2014, o número de confirmações já chega a 23, de acordo com a última atualização de dados do MS, em maio. Confira a entrevista.

Pesquisadora esclarece dúvidas sobre febre maculosa, doença com sintomas semelhantes à outros agravos. Foto: Gutemberg Brito

O que é a febre maculosa?
A febre maculosa é uma doença infecciosa febril aguda, que pode causar desde formas assintomáticas até casos mais graves, com alta possibilidade de óbito. No Brasil, é causada pela bactéria Rickettsia rickettsii, transmitida pelo carrapato da espécie Amblyomma cajennense, popularmente conhecido como carrapato-estrela. No entanto, existem no mundo mais de 20 espécies de Rickettsia que podem causar febre maculosa.

Por que a doença recebe esse nome?
Por dois motivos: o primeiro, por causar um quadro de febre no paciente, e em segundo, por provocar o aparecimento de manchas avermelhadas na pele, conhecidas como máculas.

Quais são os sintomas?
O quadro clínico é marcado por início brusco, com febre alta e dores de cabeça, podendo haver dores musculares intensas e prostração. Na evolução da doença, podem ocorrer hemorragias, náuseas e vômitos. As manifestações clínicas surgem após um período de incubação que leva em média 7 dias, podendo variar de 2 a 15 dias. O surgimento de lesões na pele, no 3º ao 5º dia de doença, aumenta o grau de suspeição, muito embora existam casos nos quais este sinal pode não ser detectado – no caso de pacientes idosos, submetidos a tratamento específico precocemente, ou mesmo em pacientes negros, pela dificuldade de se observar as manchas negras, por exemplo.

Manchas avermelhadas na pele, também conhecidas como máculas, deram origem ao nome da doença. Arquivo LHR/IOC

Como ocorre a transmissão?
A doença é transmitida ao homem basicamente pelo carrapato infectado, não havendo risco de transmissão pessoa a pessoa. Para que a infecção ocorra, o carrapato precisa ficar aderido à pele, em média, por quatro horas. Se houver lesões na pele, o contágio pode ocorrer no momento do esmagamento do inseto. Uma vez infectados, os carrapatos permanecem assim durante toda a vida, que, de forma geral, dura 18 meses.

Há tratamento para a doença?
Por ser causado por uma bactéria, o tratamento tem como base o uso de antimicrobiano específico e de baixo custo, ministrado por via oral quando o paciente tem condições de ingerir a medicação. No entanto, em pacientes graves, com edema (inchaço) e vômitos, por exemplo, o antibiótico deve ser ministrado por via endovenosa, além do tratamento de suporte, dependendo da gravidade do caso. Como a bactéria destrói a parede do vaso sanguíneo, o tratamento deve ser iniciado o mais rapidamente possível. A partir do 7º dia de doença, a lesão torna-se, geralmente, irreversível e o óbito, inevitável.

Embora exista vacina para a febre maculosa, a sua utilização não é indicada considerando a sua proteção parcial e a falta de indicação de vacinação para o controle de uma doença que responde muito bem ao tratamento antimicrobiano.

O grau de letalidade é alto?
Sim. Apesar de ser considerada uma doença de baixa frequência, a taxa de mortalidade é elevada devido à falta de diagnóstico adequado e de tratamento precoce. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, nos últimos 20 anos praticamente todos os casos de óbito por febre maculosa tiveram o diagnóstico inicial de dengue. Diante de um caso suspeito, deve-se coletar o sangue para a análise laboratorial e iniciar o tratamento imediatamente, mesmo sem a confirmação laboratorial.

Quais as formas de prevenção da doença?
A melhor forma de se prevenir é evitando áreas infestadas por carrapato, principalmente durante o período de maio a outubro. Vale mencionar a importância de animais como o cachorro, o cavalo e a capivara no ciclo de transmissão da doença, que, além de fonte de alimentação para os carrapatos, podem auxiliar no deslocamento de insetos infectados e estão próximos ao homem. Por isso, é preciso ficar atento à presença do vetor nos animais.

É essencial que toda a população e os profissionais de saúde tenham conhecimento sobre os riscos do contato com carrapa­tos, direta ou indiretamente, pois esses artrópodes são o segundo maior transmissor de doença para o homem, depois dos mosquitos vetores. Ao ser observado algum carrapato aderido à pele, é importante removê-lo com cuidado e rapidez.

Outro ponto importante: o controle de carrapatos em animais, assim como o uso de inseticidas/carrapaticidas devem ser realizados somente sob orientação de profissionais de saúde pública, agricul­tura e meio ambiente, considerando a concentra­ção do produto, o melhor período do ano para o seu uso, e acima de tudo, os efeitos prejudiciais e a presença de resistência.

No Brasil, a transmissão ocorre por meio do carrapato da espécie Amblyomma cajennense, popularmente conhecido como carrapato-estrela. Foto: Gutemberg Brito

Assim como ocorre com outras doenças, também é possível que haja surtos de febre maculosa?
Diferentemente da dengue, da malária e da leishmaniose, por exemplo, na maioria das vezes a febre maculosa apresenta-se como casos isolados ou como pequenos surtos, geralmente entre membros de uma mesma família ou grupos de indivíduos com atividades em comum. Surtos com dezenas ou centenas de casos não ocorrem na febre maculosa e, assim, outras doenças precisam ser consideradas.

Como é realizado o diagnóstico?
O diagnóstico da febre maculosa é geralmente realizado a partir do teste sorológico, mais espe­cificamente pela reação de imunofluorescência indireta. O diagnóstico sorológico permite identificar a presença de anticorpos anti-Rickettsia no sangue do paciente. É importante destacar que durante a doença, principalmente entre o 7º e 10º dia, o indivíduo não tem anticorpos para a febre maculosa e que o resultado da análise de sangue coletado no início da doença pode ser negativo. Assim, a coleta de uma segunda amostra de sangue passa ser necessária. O Ministério da Saúde recomenda que isso aconteça do 14º  ao 21º dia após a primeira coleta de sangue.

Outro teste disponível para o diagnóstico, porém menos utilizado, é a análise molecular a partir da Reação em Cadeia de Polimerase (PCR) que permite detectar a presença do material genético da bactéria. Recomendado especialmente em casos graves e óbitos, este teste deve ser realizado na fase inicial da doença, quando anticorpos anti-Rickettsias ainda não são detectados. Existem outras técnicas diagnosticas como a histopatologia asso­ciada à imunohistoquímica e isola­mento, mas raramente são realizadas.

Qual o papel do Laboratório enquanto serviço de referência para o Ministério da Saúde?
Além de colaborar com a vigilância da febre maculosa no território nacional, a presença do Serviço de Referência para Rickettsioses no Laboratório de Hantaviroses e Rickettsioses do IOC possibilita a integração das atividades voltadas para o desenvolvimento tecnológico de técnicas de diagnóstico, pesquisa e ensino, com o objetivo de contribuir para a promoção da saúde da população brasileira por meio da vigilância epidemiológica desta zoonose e da geração e difusão de conhecimentos na área.

Especialista do IOC esclarece dúvidas e alerta para a prevenção da doença, que já levou 23 pessoas a óbito só esse ano
Por: 
viniciusferreira

Passados 85 anos desde a identificação do primeiro caso de febre maculosa em território nacional, a falta de informação continua sendo um dos maiores desafios no enfretamento da doença. Com quadro clínico marcado por febre alta, dores de cabeça, náuseas e vômitos, o diagnóstico correto depende do conhecimento dos profissionais de saúde sobre este agravo, que compartilha os mesmos sintomas com diversas doenças. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, nos últimos 20 anos, praticamente todos os casos de óbito por febre maculosa tiveram o diagnóstico inicial de dengue.

Chefe do Laboratório de Hantaviroses e Rickettsioses do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), que atua como Serviço de Referência junto ao Ministério da Saúde (MS) para Rickettsioses, Elba Lemos esclarece dúvidas e alerta para a prevenção da doença que já infectou mais de 1200 pessoas e levou a óbito cerca de 370, desde 1997. O Sudeste é a região do país com o maior número de notificações, sobretudo em São Paulo (562) e Minas Gerais (208). Só em 2014, o número de confirmações já chega a 23, de acordo com a última atualização de dados do MS, em maio. Confira a entrevista.

Pesquisadora esclarece dúvidas sobre febre maculosa, doença com sintomas semelhantes à outros agravos. Foto: Gutemberg Brito

O que é a febre maculosa?
A febre maculosa é uma doença infecciosa febril aguda, que pode causar desde formas assintomáticas até casos mais graves, com alta possibilidade de óbito. No Brasil, é causada pela bactéria Rickettsia rickettsii, transmitida pelo carrapato da espécie Amblyomma cajennense, popularmente conhecido como carrapato-estrela. No entanto, existem no mundo mais de 20 espécies de Rickettsia que podem causar febre maculosa.

Por que a doença recebe esse nome?
Por dois motivos: o primeiro, por causar um quadro de febre no paciente, e em segundo, por provocar o aparecimento de manchas avermelhadas na pele, conhecidas como máculas.

Quais são os sintomas?
O quadro clínico é marcado por início brusco, com febre alta e dores de cabeça, podendo haver dores musculares intensas e prostração. Na evolução da doença, podem ocorrer hemorragias, náuseas e vômitos. As manifestações clínicas surgem após um período de incubação que leva em média 7 dias, podendo variar de 2 a 15 dias. O surgimento de lesões na pele, no 3º ao 5º dia de doença, aumenta o grau de suspeição, muito embora existam casos nos quais este sinal pode não ser detectado – no caso de pacientes idosos, submetidos a tratamento específico precocemente, ou mesmo em pacientes negros, pela dificuldade de se observar as manchas negras, por exemplo.

Manchas avermelhadas na pele, também conhecidas como máculas, deram origem ao nome da doença. Arquivo LHR/IOC

Como ocorre a transmissão?
A doença é transmitida ao homem basicamente pelo carrapato infectado, não havendo risco de transmissão pessoa a pessoa. Para que a infecção ocorra, o carrapato precisa ficar aderido à pele, em média, por quatro horas. Se houver lesões na pele, o contágio pode ocorrer no momento do esmagamento do inseto. Uma vez infectados, os carrapatos permanecem assim durante toda a vida, que, de forma geral, dura 18 meses.

Há tratamento para a doença?
Por ser causado por uma bactéria, o tratamento tem como base o uso de antimicrobiano específico e de baixo custo, ministrado por via oral quando o paciente tem condições de ingerir a medicação. No entanto, em pacientes graves, com edema (inchaço) e vômitos, por exemplo, o antibiótico deve ser ministrado por via endovenosa, além do tratamento de suporte, dependendo da gravidade do caso. Como a bactéria destrói a parede do vaso sanguíneo, o tratamento deve ser iniciado o mais rapidamente possível. A partir do 7º dia de doença, a lesão torna-se, geralmente, irreversível e o óbito, inevitável.

Embora exista vacina para a febre maculosa, a sua utilização não é indicada considerando a sua proteção parcial e a falta de indicação de vacinação para o controle de uma doença que responde muito bem ao tratamento antimicrobiano.

O grau de letalidade é alto?
Sim. Apesar de ser considerada uma doença de baixa frequência, a taxa de mortalidade é elevada devido à falta de diagnóstico adequado e de tratamento precoce. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, nos últimos 20 anos praticamente todos os casos de óbito por febre maculosa tiveram o diagnóstico inicial de dengue. Diante de um caso suspeito, deve-se coletar o sangue para a análise laboratorial e iniciar o tratamento imediatamente, mesmo sem a confirmação laboratorial.

Quais as formas de prevenção da doença?
A melhor forma de se prevenir é evitando áreas infestadas por carrapato, principalmente durante o período de maio a outubro. Vale mencionar a importância de animais como o cachorro, o cavalo e a capivara no ciclo de transmissão da doença, que, além de fonte de alimentação para os carrapatos, podem auxiliar no deslocamento de insetos infectados e estão próximos ao homem. Por isso, é preciso ficar atento à presença do vetor nos animais.

É essencial que toda a população e os profissionais de saúde tenham conhecimento sobre os riscos do contato com carrapa­tos, direta ou indiretamente, pois esses artrópodes são o segundo maior transmissor de doença para o homem, depois dos mosquitos vetores. Ao ser observado algum carrapato aderido à pele, é importante removê-lo com cuidado e rapidez.

Outro ponto importante: o controle de carrapatos em animais, assim como o uso de inseticidas/carrapaticidas devem ser realizados somente sob orientação de profissionais de saúde pública, agricul­tura e meio ambiente, considerando a concentra­ção do produto, o melhor período do ano para o seu uso, e acima de tudo, os efeitos prejudiciais e a presença de resistência.

No Brasil, a transmissão ocorre por meio do carrapato da espécie Amblyomma cajennense, popularmente conhecido como carrapato-estrela. Foto: Gutemberg Brito

Assim como ocorre com outras doenças, também é possível que haja surtos de febre maculosa?
Diferentemente da dengue, da malária e da leishmaniose, por exemplo, na maioria das vezes a febre maculosa apresenta-se como casos isolados ou como pequenos surtos, geralmente entre membros de uma mesma família ou grupos de indivíduos com atividades em comum. Surtos com dezenas ou centenas de casos não ocorrem na febre maculosa e, assim, outras doenças precisam ser consideradas.

Como é realizado o diagnóstico?
O diagnóstico da febre maculosa é geralmente realizado a partir do teste sorológico, mais espe­cificamente pela reação de imunofluorescência indireta. O diagnóstico sorológico permite identificar a presença de anticorpos anti-Rickettsia no sangue do paciente. É importante destacar que durante a doença, principalmente entre o 7º e 10º dia, o indivíduo não tem anticorpos para a febre maculosa e que o resultado da análise de sangue coletado no início da doença pode ser negativo. Assim, a coleta de uma segunda amostra de sangue passa ser necessária. O Ministério da Saúde recomenda que isso aconteça do 14º  ao 21º dia após a primeira coleta de sangue.

Outro teste disponível para o diagnóstico, porém menos utilizado, é a análise molecular a partir da Reação em Cadeia de Polimerase (PCR) que permite detectar a presença do material genético da bactéria. Recomendado especialmente em casos graves e óbitos, este teste deve ser realizado na fase inicial da doença, quando anticorpos anti-Rickettsias ainda não são detectados. Existem outras técnicas diagnosticas como a histopatologia asso­ciada à imunohistoquímica e isola­mento, mas raramente são realizadas.

Qual o papel do Laboratório enquanto serviço de referência para o Ministério da Saúde?
Além de colaborar com a vigilância da febre maculosa no território nacional, a presença do Serviço de Referência para Rickettsioses no Laboratório de Hantaviroses e Rickettsioses do IOC possibilita a integração das atividades voltadas para o desenvolvimento tecnológico de técnicas de diagnóstico, pesquisa e ensino, com o objetivo de contribuir para a promoção da saúde da população brasileira por meio da vigilância epidemiológica desta zoonose e da geração e difusão de conhecimentos na área.

Com colaboração de Cristiane Albuquerque e informações de Renata Fontoura
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)