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Estratégias de fomento à Ciência em um cenário de crise

Na última edição do Núcleo de Estudos Avançados em 2017, diretor científico da FAPESP mostrou experiências bem sucedidas da agência para driblar os desafios do cenário atual
Por Kadu Cayres27/11/2017 - Atualizado em 09/06/2021

O número impressiona: apenas em 2016, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) recebeu a submissão de 26 mil projetos de pesquisa. Como garantir o fomento à investigação científica nesta que é a mais antiga fundação de amparo à pesquisa no Brasil em meio ao panorama atual do financiamento à Ciência e Tecnologia? Para compartilhar as alternativas que estão sendo adotadas na prática em resposta a esse dilema – e também para falar sobre outros desafios da ciência contemporânea –, o Núcleo de Estudos Avançados do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) recebeu o diretor científico da entidade, Carlos Henrique de Brito Cruz. A sessão, realizada em 24 de novembro com o tema “A crise e a ciência, tecnologia e inovação no Brasil: situação atual e perspectivas”, encerrou as atividades do Núcleo em 2017.

Em sua apresentação, o diretor científico da FAPESP reconheceu que o setor de Pesquisa e Desenvolvimento tem o desafio básico de ampliar a divulgação dos benefícios da ciência para a sociedade. Foto: Josué Damacena

 

Mais diversidade nas políticas públicas

Como um dos pontos de partida da sua apresentação, Brito ressaltou o entendimento de que é necessário considerar a pluralidade do país para a definição de políticas públicas – aspecto que não é exclusivo do campo científico. "O Brasil é um país heterogêneo. Essa heterogeneidade precisava ser mais reconhecida na elaboração de políticas públicas”, afirmou, destacando que, em geral, as políticas públicas são orientadas pela média, desconsiderando as diferenças.

Para exemplificar essa diversidade, destacou as relações entre o setor privado e as universidades e instituições públicas. Segundo Brito, há quem diga que, no Brasil, exista pouca interação entre universidades e empresas. Mas, para o estado de São Paulo, essa máxima não se aplica, numa demonstração clara da heterogeneidade do cenário brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento a que o pesquisador tanto chama a atenção. “No estado de São Paulo, anualmente, empresas e governo injetam cerca de R$ 30 bilhões em atividades de P&D. A maior parte desse dispêndio (60%) é feita pelo setor privado, seguida pelos Governos Estadual (22,7%) e Federal (14,5%). Nesse contexto, há muitos exemplos relevantes de interação entre empresas e universidades, assim como expressivas produções científicas de impacto mundial”, apontou. “Em São Paulo, a participação de recursos estaduais é oito vezes maior que a do Rio de Janeiro”, destacou. Numa comparação de âmbito global, o total de investimento no estado de São Paulo é similar ao observado em Portugal e na China, ao mesmo tempo em que supera os valores investidos na Espanha e Itália.

Mais clareza sobre benefícios

Outro ponto central defendido pelo cientista foi o reconhecimento de que o setor de Pesquisa e Desenvolvimento tem o desafio básico de ampliar a divulgação dos benefícios da ciência para a sociedade. “Enaltecer o benefício do fazer científico para as pessoas deveria ser a preocupação central de todos que atuam com Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação no Brasil. Afinal, a disputa por recursos tende a piorar”, sentenciou Brito.

De acordo com o palestrante, a preocupação em garantir que os contribuintes – responsáveis pelo pagamento dos impostos que subsidiam o fomento público à pesquisa – conheçam os benefícios deste investimento não se restringe ao país. Para exemplificar, citou a estratégia de resposta à preocupação mundial adotada pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, que mantém em seu website uma seção sobre o impacto das pesquisas desenvolvidas pela entidade para a sociedade [acesse aqui].

Citou também o caso da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), instituição onde atua como pesquisador e exerceu o cargo de reitor, que tem o diferencial de acompanhar as empresas criadas por seus professores e alunos. “Dedicada a produtos de software, uma dessas empresas emprega mais de mil pessoas em 80 países. Outra está presente no dia-a-dia de todos nós: criou uma tecnologia de amplificação de fibra ótica usada em telefonia”, sinalizou. Retomando o mote de sensibilizar o contribuinte sobre a relevância do investimento em ciência, salientou que esse é um modo também de reforçar os benefícios aportados para a sociedade.

Mais qualidade em meio à crise

Em relação ao dilema entre contração do orçamento e demanda de estímulo à ciência, a resposta da FAPESP tem sido combinar alternativas, num mix entre cautela e risco. Uma das saídas – praticadas em 2014, 2015 e 2016 mediante aprovação do Conselho Fiscal da entidade – tem sido a utilização de recursos do fundo patrimonial, no intuito de assegurar os compromissos já assumidos. “O ponto de honra é: tudo que foi acordado é pago na data acordada”, resumiu o diretor científico da entidade.

Ao mesmo tempo, foi priorizado o fomento à pesquisa mais ambiciosa e competitiva internacionalmente. “Zero redução. Ao favorecer a pesquisa mais ambiciosa, tentamos e estamos conseguindo induzir a comunidade a fazer um trabalho mais em grupo, o que aumenta a qualidade do sistema”, opinou. Simultaneamente, houve queda no estabelecimento de novos contratos de financiamento. Com isso, a medida resultante do contexto inóspito acabou deixando um efeito colateral positivo vir à tona. “Tivemos um aumento da qualidade do sistema, porque filtramos mais”, avaliou.

Outra medida assumida pela Fundação foi priorizar a parceria com a iniciativa privada, em iniciativas de co-financiamento. “De 2014 a 2016, co-financiamos cinco centros de pesquisa em engenharia e aumentamos o número de contratos com empresas”, disse, citando projetos que envolvem parceiros como Shell, GlaxoSmithKline, Peugeot-Citroën e Natura. Até fevereiro de 2018, Brito anunciou, mais nove centros passarão a integrar essa lista. Mais uma medida tem sido o financiamento da pesquisa em pequenos negócios.

Mais estruturas de apoio e mecanismos de avaliação da pesquisa

Questões relativas à necessidade de redução das atividades burocráticas que integram a rotina dos pesquisadores e ao processo de avaliação dos projetos pela FAPESP estiverem entre os temas levantados pela plateia. “Como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo avalia os processos que irá apoiar? O modelo adotado pode servir como fonte de aprimoramento para o processo de credenciamento dos nossos Laboratórios de Pesquisa”, perguntou o coordenador do Núcleo de Estudos Avançado e ex-diretor do IOC, Renato Cordeiro. Em resposta, Brito explicou que os projetos com previsão de dois ou três anos são avaliados por meio dos relatórios enviados. Já no caso dos projetos de grande porte, como os Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID), a avaliação conta com forte participação internacional. “Uma vez por ano, membros de instituições de pesquisa internacionais vêm até os CEPIDs, analisam o desenvolvimento de cada um e, ao final, nos apresentam um relatório”, esclareceu.

Sobre o fato de questões administrativas demandarem tempo dos pesquisadores, o diretor afirmou que a FAPESP tem estimulado as universidades parceiras a montarem escritórios de apoio institucional à pesquisa. “Nos projetos maiores, procuramos a universidade e perguntamos se elas têm como dar conta das questões adminstrativas, desonerando assim o pesquisador. Ao longo do tempo, vamos acompanhando o trabalho desses escritórios”, contou.

Um aspecto levantado pelo público foi o desafio de potencializar o aproveitamento de equipamentos científicos de alto custo – inquietação à qual o palestrante respondeu relatando a estratégia de compartilhamento de equipamentos multiusuários estimulada pela FAPESP. Também em relação aos investimentos de alto custo, Brito reforçou a necessidade de definir os alvos de recursos de forma estratégica, defendendo que é preferível um número menor de projetos, porém com maior capacidade de se alcançar os objetivos finais, em detrimento da pulverização de investimentos em um número ampliado de iniciativas que não poderiam contribuir de forma tão expressiva.

Sobre o Núcleo de Estudos Avançados do IOC

O Núcleo de Estudos Avançados retomou suas atividades em setembro de 2017. Para retomada da iniciativa, criada há quase 15 anos, foi escolhido um tema de grande apelo na atualidade: ‘Ética e assédio na ciência e boas práticas na pesquisa’. Confira a entrevista com o coordenador do Núcleo e a cobertura das edições anteriores.

Na última edição do Núcleo de Estudos Avançados em 2017, diretor científico da FAPESP mostrou experiências bem sucedidas da agência para driblar os desafios do cenário atual
Por: 
kadu

O número impressiona: apenas em 2016, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) recebeu a submissão de 26 mil projetos de pesquisa. Como garantir o fomento à investigação científica nesta que é a mais antiga fundação de amparo à pesquisa no Brasil em meio ao panorama atual do financiamento à Ciência e Tecnologia? Para compartilhar as alternativas que estão sendo adotadas na prática em resposta a esse dilema – e também para falar sobre outros desafios da ciência contemporânea –, o Núcleo de Estudos Avançados do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) recebeu o diretor científico da entidade, Carlos Henrique de Brito Cruz. A sessão, realizada em 24 de novembro com o tema “A crise e a ciência, tecnologia e inovação no Brasil: situação atual e perspectivas”, encerrou as atividades do Núcleo em 2017.

Em sua apresentação, o diretor científico da FAPESP reconheceu que o setor de Pesquisa e Desenvolvimento tem o desafio básico de ampliar a divulgação dos benefícios da ciência para a sociedade. Foto: Josué Damacena

 

Mais diversidade nas políticas públicas

Como um dos pontos de partida da sua apresentação, Brito ressaltou o entendimento de que é necessário considerar a pluralidade do país para a definição de políticas públicas – aspecto que não é exclusivo do campo científico. "O Brasil é um país heterogêneo. Essa heterogeneidade precisava ser mais reconhecida na elaboração de políticas públicas”, afirmou, destacando que, em geral, as políticas públicas são orientadas pela média, desconsiderando as diferenças.

Para exemplificar essa diversidade, destacou as relações entre o setor privado e as universidades e instituições públicas. Segundo Brito, há quem diga que, no Brasil, exista pouca interação entre universidades e empresas. Mas, para o estado de São Paulo, essa máxima não se aplica, numa demonstração clara da heterogeneidade do cenário brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento a que o pesquisador tanto chama a atenção. “No estado de São Paulo, anualmente, empresas e governo injetam cerca de R$ 30 bilhões em atividades de P&D. A maior parte desse dispêndio (60%) é feita pelo setor privado, seguida pelos Governos Estadual (22,7%) e Federal (14,5%). Nesse contexto, há muitos exemplos relevantes de interação entre empresas e universidades, assim como expressivas produções científicas de impacto mundial”, apontou. “Em São Paulo, a participação de recursos estaduais é oito vezes maior que a do Rio de Janeiro”, destacou. Numa comparação de âmbito global, o total de investimento no estado de São Paulo é similar ao observado em Portugal e na China, ao mesmo tempo em que supera os valores investidos na Espanha e Itália.

Mais clareza sobre benefícios

Outro ponto central defendido pelo cientista foi o reconhecimento de que o setor de Pesquisa e Desenvolvimento tem o desafio básico de ampliar a divulgação dos benefícios da ciência para a sociedade. “Enaltecer o benefício do fazer científico para as pessoas deveria ser a preocupação central de todos que atuam com Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação no Brasil. Afinal, a disputa por recursos tende a piorar”, sentenciou Brito.

De acordo com o palestrante, a preocupação em garantir que os contribuintes – responsáveis pelo pagamento dos impostos que subsidiam o fomento público à pesquisa – conheçam os benefícios deste investimento não se restringe ao país. Para exemplificar, citou a estratégia de resposta à preocupação mundial adotada pela Universidade de Oxford, no Reino Unido, que mantém em seu website uma seção sobre o impacto das pesquisas desenvolvidas pela entidade para a sociedade [acesse aqui].

Citou também o caso da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), instituição onde atua como pesquisador e exerceu o cargo de reitor, que tem o diferencial de acompanhar as empresas criadas por seus professores e alunos. “Dedicada a produtos de software, uma dessas empresas emprega mais de mil pessoas em 80 países. Outra está presente no dia-a-dia de todos nós: criou uma tecnologia de amplificação de fibra ótica usada em telefonia”, sinalizou. Retomando o mote de sensibilizar o contribuinte sobre a relevância do investimento em ciência, salientou que esse é um modo também de reforçar os benefícios aportados para a sociedade.

Mais qualidade em meio à crise

Em relação ao dilema entre contração do orçamento e demanda de estímulo à ciência, a resposta da FAPESP tem sido combinar alternativas, num mix entre cautela e risco. Uma das saídas – praticadas em 2014, 2015 e 2016 mediante aprovação do Conselho Fiscal da entidade – tem sido a utilização de recursos do fundo patrimonial, no intuito de assegurar os compromissos já assumidos. “O ponto de honra é: tudo que foi acordado é pago na data acordada”, resumiu o diretor científico da entidade.

Ao mesmo tempo, foi priorizado o fomento à pesquisa mais ambiciosa e competitiva internacionalmente. “Zero redução. Ao favorecer a pesquisa mais ambiciosa, tentamos e estamos conseguindo induzir a comunidade a fazer um trabalho mais em grupo, o que aumenta a qualidade do sistema”, opinou. Simultaneamente, houve queda no estabelecimento de novos contratos de financiamento. Com isso, a medida resultante do contexto inóspito acabou deixando um efeito colateral positivo vir à tona. “Tivemos um aumento da qualidade do sistema, porque filtramos mais”, avaliou.

Outra medida assumida pela Fundação foi priorizar a parceria com a iniciativa privada, em iniciativas de co-financiamento. “De 2014 a 2016, co-financiamos cinco centros de pesquisa em engenharia e aumentamos o número de contratos com empresas”, disse, citando projetos que envolvem parceiros como Shell, GlaxoSmithKline, Peugeot-Citroën e Natura. Até fevereiro de 2018, Brito anunciou, mais nove centros passarão a integrar essa lista. Mais uma medida tem sido o financiamento da pesquisa em pequenos negócios.

Mais estruturas de apoio e mecanismos de avaliação da pesquisa

Questões relativas à necessidade de redução das atividades burocráticas que integram a rotina dos pesquisadores e ao processo de avaliação dos projetos pela FAPESP estiverem entre os temas levantados pela plateia. “Como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo avalia os processos que irá apoiar? O modelo adotado pode servir como fonte de aprimoramento para o processo de credenciamento dos nossos Laboratórios de Pesquisa”, perguntou o coordenador do Núcleo de Estudos Avançado e ex-diretor do IOC, Renato Cordeiro. Em resposta, Brito explicou que os projetos com previsão de dois ou três anos são avaliados por meio dos relatórios enviados. Já no caso dos projetos de grande porte, como os Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID), a avaliação conta com forte participação internacional. “Uma vez por ano, membros de instituições de pesquisa internacionais vêm até os CEPIDs, analisam o desenvolvimento de cada um e, ao final, nos apresentam um relatório”, esclareceu.

Sobre o fato de questões administrativas demandarem tempo dos pesquisadores, o diretor afirmou que a FAPESP tem estimulado as universidades parceiras a montarem escritórios de apoio institucional à pesquisa. “Nos projetos maiores, procuramos a universidade e perguntamos se elas têm como dar conta das questões adminstrativas, desonerando assim o pesquisador. Ao longo do tempo, vamos acompanhando o trabalho desses escritórios”, contou.

Um aspecto levantado pelo público foi o desafio de potencializar o aproveitamento de equipamentos científicos de alto custo – inquietação à qual o palestrante respondeu relatando a estratégia de compartilhamento de equipamentos multiusuários estimulada pela FAPESP. Também em relação aos investimentos de alto custo, Brito reforçou a necessidade de definir os alvos de recursos de forma estratégica, defendendo que é preferível um número menor de projetos, porém com maior capacidade de se alcançar os objetivos finais, em detrimento da pulverização de investimentos em um número ampliado de iniciativas que não poderiam contribuir de forma tão expressiva.

Sobre o Núcleo de Estudos Avançados do IOC

O Núcleo de Estudos Avançados retomou suas atividades em setembro de 2017. Para retomada da iniciativa, criada há quase 15 anos, foi escolhido um tema de grande apelo na atualidade: ‘Ética e assédio na ciência e boas práticas na pesquisa’. Confira a entrevista com o coordenador do Núcleo e a cobertura das edições anteriores.

Edição: 
Raquel Aguiar

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)