Partícula do vírus Oropouche registrada em microscopia eletrônica de transmissão. Foto: Débora Ferreira Barreto Vieira/IOC
Para combater um microrganismo capaz de gerar um problema de saúde pública, é preciso conhecê-lo. Através da microscopia eletrônica de transmissão, uma pesquisa recém-publicada pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) avançou no entendimento do vírus Oropouche.
Em laboratório, os cientistas isolaram o patógeno a partir da amostra de um paciente, infectaram células e registraram, em imagens inéditas amplificadas em cerca de 50 mil vezes, como ocorre o processo de infecção.
Divulgada na revista científica ‘Viruses’, a pesquisa é a primeira a caracterizar a ultraestrutura de uma cepa do vírus Oropouche pertencente à linhagem associada aos casos recentes no Brasil, chamada de OROV BR-2015-2024.
O isolamento do vírus foi realizado pelo Laboratório de Morfologia e Morfogênese Viral do IOC, a partir da amostra de um paciente diagnosticado com febre Oropouche em Piraí, no Vale do Paraíba fluminense, em 2024.
A amostra foi cedida pelo Laboratório de Arbovírus e Vírus Hemorrágicos do IOC, que colaborou com o estudo, sendo responsável pelo diagnóstico do caso e sequenciamento genético do vírus.
Arte: Jefferson Mendes
Acesse as imagens em alta resolução aqui.
A coordenadora da pesquisa e chefe do Laboratório de Morfologia e Morfogênese Viral, Débora Ferreira Barreto Vieira, explica que a ultraestrutura compreende aspectos que só podem ser visualizados com ferramentas de alta magnificação.
“Utilizando a microscopia eletrônica de transmissão, foi possível observar com maior resolução eventos associados à replicação viral, incluindo modificações na célula infectada e observação das próprias partículas do vírus Oropouche”, aponta Débora, que ressalta a importância do estudo da cepa atual.
“Essa análise permite avaliar potenciais alterações associadas à linhagem viral em circulação e às condições do surto recente, fornecendo dados atualizados e mais representativos para a compreensão da patogênese e da dinâmica viral no contexto contemporâneo”, completa.
Imagens do vírus Oropouche foram captadas na Plataforma de Microscopia Eletrônica Rudolf Barth, do IOC. Foto: Rudson Amorim
Os registros mostram, em detalhes, a partícula viral, que mede cerca de 80 nanômetros, e os compartimentos das células onde o patógeno se replica.
O vírus Oropouche aparece aderido à membrana celular, na etapa inicial da infeção; no interior do citoplasma das células; em vesículas nas quais há partículas virais com diferentes graus de maturação; e no interior do complexo de Golgi, organela que atua na distribuição de proteínas no interior da célula e participa da síntese de outros vírus da ordem Bunyavirales, da qual o Oropouche faz parte.
Evidenciando o avanço dos danos celulares ao longo do tempo de infecção, observam-se alterações em diversas estruturas e aparecimento de corpos apoptóticos, que são um tipo de fragmento que se desprende das células quando o vírus ou as lesões causadas por ele desencadeiam o mecanismo de morte celular programada.
“É importante compreender o ciclo replicativo do Oropouche nas células porque isso pode se relacionar com a evolução da doença. Por exemplo, observamos muitas vesículas intra e extra-celulares, que podem ser um mecanismo do vírus para escapar das defesas do sistema imune”, comenta Ana Luisa Teixeira de Almeida, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical do IOC e autora da pesquisa.
Protocolos estabelecidos serão aplicados em novos estudos sobre o patógeno. Foto: Rudson Amorim
Além de ampliar os dados disponíveis, o trabalho estabeleceu metodologias que podem contribuir para o avanço do conhecimento.
O estudo confirmou que células Vero, derivadas de rim de macaco e muito usadas na virologia, são um bom modelo para ensaios com Oropouche. Também padronizou a técnica para titulação do patógeno nessas células, um procedimento aplicado para quantificar o volume de partículas virais infectivas.
Em pesquisas anteriores, outros grupos de cientistas tinham realizado experimentos sobre o Oropouche com uma linhagem celular chamada HeLa, que é derivada de células tumorais humanas.
“Verificamos que as células Vero são suscetíveis ao Oropouche e que o vírus consegue se replicar de forma eficiente nessas células, alcançando altas titulações. Como essa linhagem celular é classicamente utilizada em análises sobre arbovírus, como dengue, isso facilita novas pesquisas e comparações”, explica Igor Pinto Silva da Costa, mestrando do Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical do IOC e autor do estudo.
A pesquisadora Débora Barreto (ao centro) ao lado dos pós-graduandos Ana Luisa de Almeida e Igor da Costa. Autores do estudo destacam que conhecimento sobre o processo de replicação do vírus Oropouche pode contribuir para busca de terapias. Foto: Rudson Amorim
A partir do modelo estabelecido, os pesquisadores devem investigar o passo-a-passo da infecção com diferentes técnicas de microscopia, incluindo a microscopia eletrônica de varredura por feixe de íons focalizados (FIB), que permite construir modelos tridimensionais das estruturas envolvidas no processo.
“Nosso objetivo é caracterizar o ciclo replicativo do vírus da forma mais completa e didática possível. Isso contribui para a busca de terapias antivirais, que não estão disponíveis para o Oropouche e são ainda mais relevantes considerando o avanço desse vírus no Brasil e novas evidências que apontam para possibilidade de transmissão vertical e de impacto no sistema nervoso central”, ressalta Débora.
Com histórico de surtos na região amazônica, o vírus Oropouche passou a ser detectado na maior parte do Brasil em 2024. Este ano, até 18 de agosto, foram registrados cerca de 11.900 casos em 19 estados, incluindo cinco óbitos confirmados e dois em investigação, segundo o Ministério da Saúde.
O vírus é transmitido pela picada do inseto Culicoides paraensis, popularmente conhecido como maruim ou mosquito-pólvora.
A febre Oropouche tem sintomas como febre alta, dor de cabeça intensa, dor muscular, náusea e diarreia, que são comuns em outras arboviroses, como a dengue. O diagnóstico é feito com base na avaliação clínica, epidemiológica e laboratorial.
Não existe tratamento específico contra o vírus, mas os pacientes devem procurar atendimento médico para acompanhamento e tratamento sintomático, além de fazer repouso.
Entre as medidas para prevenir a doença são indicadas: evitar ou minimizar o contato com maruins, usar roupas que cubram o corpo ao entrar em áreas infestadas, manter terrenos e locais de criação de animais limpos e colocar telas de malha fina em portas e janelas.
Confira orientações de especialistas e outras pesquisas sobre Oropouche realizadas pelo IOC aqui.
*Artigo:
de Almeida, A.L.T.; da Costa, I.P.S.; Garcia, M.D.d.N.; da Silva, M.A.N.; Lazzaro, Y.G.; de Filippis, A.M.B.; Nogueira, F.d.B.; Barreto-Vieira, D.F. Oropouche virus: isolation and ultrastructural characterization from a human case sample from Rio de Janeiro, Brazil, using an in vitro system. Viruses 2025, 17, 373. https://doi.org/10.3390/v17030373
Partícula do vírus Oropouche registrada em microscopia eletrônica de transmissão. Foto: Débora Ferreira Barreto Vieira/IOC
Para combater um microrganismo capaz de gerar um problema de saúde pública, é preciso conhecê-lo. Através da microscopia eletrônica de transmissão, uma pesquisa recém-publicada pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) avançou no entendimento do vírus Oropouche.
Em laboratório, os cientistas isolaram o patógeno a partir da amostra de um paciente, infectaram células e registraram, em imagens inéditas amplificadas em cerca de 50 mil vezes, como ocorre o processo de infecção.
Divulgada na revista científica ‘Viruses’, a pesquisa é a primeira a caracterizar a ultraestrutura de uma cepa do vírus Oropouche pertencente à linhagem associada aos casos recentes no Brasil, chamada de OROV BR-2015-2024.
O isolamento do vírus foi realizado pelo Laboratório de Morfologia e Morfogênese Viral do IOC, a partir da amostra de um paciente diagnosticado com febre Oropouche em Piraí, no Vale do Paraíba fluminense, em 2024.
A amostra foi cedida pelo Laboratório de Arbovírus e Vírus Hemorrágicos do IOC, que colaborou com o estudo, sendo responsável pelo diagnóstico do caso e sequenciamento genético do vírus.
Arte: Jefferson Mendes
Acesse as imagens em alta resolução aqui.
A coordenadora da pesquisa e chefe do Laboratório de Morfologia e Morfogênese Viral, Débora Ferreira Barreto Vieira, explica que a ultraestrutura compreende aspectos que só podem ser visualizados com ferramentas de alta magnificação.
“Utilizando a microscopia eletrônica de transmissão, foi possível observar com maior resolução eventos associados à replicação viral, incluindo modificações na célula infectada e observação das próprias partículas do vírus Oropouche”, aponta Débora, que ressalta a importância do estudo da cepa atual.
“Essa análise permite avaliar potenciais alterações associadas à linhagem viral em circulação e às condições do surto recente, fornecendo dados atualizados e mais representativos para a compreensão da patogênese e da dinâmica viral no contexto contemporâneo”, completa.
Imagens do vírus Oropouche foram captadas na Plataforma de Microscopia Eletrônica Rudolf Barth, do IOC. Foto: Rudson Amorim
Os registros mostram, em detalhes, a partícula viral, que mede cerca de 80 nanômetros, e os compartimentos das células onde o patógeno se replica.
O vírus Oropouche aparece aderido à membrana celular, na etapa inicial da infeção; no interior do citoplasma das células; em vesículas nas quais há partículas virais com diferentes graus de maturação; e no interior do complexo de Golgi, organela que atua na distribuição de proteínas no interior da célula e participa da síntese de outros vírus da ordem Bunyavirales, da qual o Oropouche faz parte.
Evidenciando o avanço dos danos celulares ao longo do tempo de infecção, observam-se alterações em diversas estruturas e aparecimento de corpos apoptóticos, que são um tipo de fragmento que se desprende das células quando o vírus ou as lesões causadas por ele desencadeiam o mecanismo de morte celular programada.
“É importante compreender o ciclo replicativo do Oropouche nas células porque isso pode se relacionar com a evolução da doença. Por exemplo, observamos muitas vesículas intra e extra-celulares, que podem ser um mecanismo do vírus para escapar das defesas do sistema imune”, comenta Ana Luisa Teixeira de Almeida, doutoranda do Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical do IOC e autora da pesquisa.
Protocolos estabelecidos serão aplicados em novos estudos sobre o patógeno. Foto: Rudson Amorim
Além de ampliar os dados disponíveis, o trabalho estabeleceu metodologias que podem contribuir para o avanço do conhecimento.
O estudo confirmou que células Vero, derivadas de rim de macaco e muito usadas na virologia, são um bom modelo para ensaios com Oropouche. Também padronizou a técnica para titulação do patógeno nessas células, um procedimento aplicado para quantificar o volume de partículas virais infectivas.
Em pesquisas anteriores, outros grupos de cientistas tinham realizado experimentos sobre o Oropouche com uma linhagem celular chamada HeLa, que é derivada de células tumorais humanas.
“Verificamos que as células Vero são suscetíveis ao Oropouche e que o vírus consegue se replicar de forma eficiente nessas células, alcançando altas titulações. Como essa linhagem celular é classicamente utilizada em análises sobre arbovírus, como dengue, isso facilita novas pesquisas e comparações”, explica Igor Pinto Silva da Costa, mestrando do Programa de Pós-graduação em Medicina Tropical do IOC e autor do estudo.
A pesquisadora Débora Barreto (ao centro) ao lado dos pós-graduandos Ana Luisa de Almeida e Igor da Costa. Autores do estudo destacam que conhecimento sobre o processo de replicação do vírus Oropouche pode contribuir para busca de terapias. Foto: Rudson Amorim
A partir do modelo estabelecido, os pesquisadores devem investigar o passo-a-passo da infecção com diferentes técnicas de microscopia, incluindo a microscopia eletrônica de varredura por feixe de íons focalizados (FIB), que permite construir modelos tridimensionais das estruturas envolvidas no processo.
“Nosso objetivo é caracterizar o ciclo replicativo do vírus da forma mais completa e didática possível. Isso contribui para a busca de terapias antivirais, que não estão disponíveis para o Oropouche e são ainda mais relevantes considerando o avanço desse vírus no Brasil e novas evidências que apontam para possibilidade de transmissão vertical e de impacto no sistema nervoso central”, ressalta Débora.
Com histórico de surtos na região amazônica, o vírus Oropouche passou a ser detectado na maior parte do Brasil em 2024. Este ano, até 18 de agosto, foram registrados cerca de 11.900 casos em 19 estados, incluindo cinco óbitos confirmados e dois em investigação, segundo o Ministério da Saúde.
O vírus é transmitido pela picada do inseto Culicoides paraensis, popularmente conhecido como maruim ou mosquito-pólvora.
A febre Oropouche tem sintomas como febre alta, dor de cabeça intensa, dor muscular, náusea e diarreia, que são comuns em outras arboviroses, como a dengue. O diagnóstico é feito com base na avaliação clínica, epidemiológica e laboratorial.
Não existe tratamento específico contra o vírus, mas os pacientes devem procurar atendimento médico para acompanhamento e tratamento sintomático, além de fazer repouso.
Entre as medidas para prevenir a doença são indicadas: evitar ou minimizar o contato com maruins, usar roupas que cubram o corpo ao entrar em áreas infestadas, manter terrenos e locais de criação de animais limpos e colocar telas de malha fina em portas e janelas.
Confira orientações de especialistas e outras pesquisas sobre Oropouche realizadas pelo IOC aqui.
*Artigo:
de Almeida, A.L.T.; da Costa, I.P.S.; Garcia, M.D.d.N.; da Silva, M.A.N.; Lazzaro, Y.G.; de Filippis, A.M.B.; Nogueira, F.d.B.; Barreto-Vieira, D.F. Oropouche virus: isolation and ultrastructural characterization from a human case sample from Rio de Janeiro, Brazil, using an in vitro system. Viruses 2025, 17, 373. https://doi.org/10.3390/v17030373
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)