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Ampliação no conhecimento do vírus da dengue

Estudo contemplado com menção honrosa no Prêmio Capes de Tese 2019, na categoria Ciências Biológicas III, analisa dispersão e características genéticas do sorotipo 1 do vírus dengue no Brasil e nas Américas
Por Lucas Rocha03/10/2019 - Atualizado em 22/03/2021

A vigilância dos vírus transmitidos por insetos (arbovírus), como dengue, Zika e febre amarela, é uma das principais estratégias para o monitoramento da propagação de cepas virais que podem apresentar maior potencial de infecção. A medida permite, ainda, avaliar o impacto dos vírus em circulação no caso de possíveis surtos. A bióloga Fernanda de Bruycker Nogueira, recém-doutora do Programa de Pós-graduação Stricto sensu em Biologia Parasitária do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), desenvolveu um amplo estudo que contribui para a vigilância do vírus da dengue.

Orientada pela pesquisadora Flavia Barreto dos Santos, do Laboratório de Imunologia Viral do IOC, a tese apresenta um panorama sobre as rotas de introdução e dispersão do vírus no Brasil e nas Américas, e reúne descobertas genéticas obtidas através de análises de caracterização molecular. O trabalho intitulado ‘História evolutiva, caracterização e vigilância molecular das diferentes linhagens do vírus dengue tipo 1 no Brasil’ foi contemplado com a menção honrosa pelo Prêmio Capes de Tese 2019, na categoria Ciências Biológicas III.

Pesquisadora do Laboratório de Flavivírus do IOC, Fernanda Nogueira participou de evento científico São Paulo School of Advanced Science in Arbovirology (Foto: Divulgação)

“Eu me sinto muito honrada em ter feito parte e ter podido contribuir com um conhecimento mais aprofundado das variantes do vírus da dengue, um arbovírus que circula há mais de 30 anos no país. É a valorização de um trabalho desenvolvido em equipe”, comemorou Fernanda. “O reconhecimento da Capes é ímpar, não só para o aluno como para o orientador. Diante das dificuldades que sempre encontramos, é gratificante e mostra como o incentivo à ciência, faz a diferença, principalmente se aplicado eficaz e criteriosamente”, complementou Flavia.

Caracterização de linhagens

Análises de sequências genéticas de 48 amostras, representando cepas isoladas entre 1986 e 2011 no Brasil, permitiram a caracterização molecular do sorotipo 1 do vírus da dengue circulante no país. A investigação revelou que todos os vírus analisados pertenciam ao genótipo V, porém agrupados em diferentes linhagens. Os dados apontaram maior proximidade entre duas linhagens (chamadas no estudo de 1a e 1b) com o DENV-1 de origem latino-americana, e o mesmo para a linhagem 2 em relação aos vírus de origem asiática. A diferenciação entre as linhagens foi associada a substituições de aminoácidos observadas na proteína E do vírus.
Segundo o estudo, modificações nessa proteína podem estar relacionadas a alterações na imunogenicidade – capacidade de estimular a produção de anticorpos, além de influenciar na replicação viral, na patogenicidade da doença e na determinação de características da interação patógeno-hospedeiro.

“A caracterização molecular e genética dos arbovírus é de suma importância. Mutações pontuais no genoma são suficientes para uma maior virulência, por exemplo, ou até mesmo para a adaptação do vírus a um vetor em particular. Além disso, a circulação de diferentes genótipos do vírus da dengue podem ter impactos distintos na população”, ressaltou Flavia.

Origem e dispersão

Em uma segunda etapa, a tese aprofunda o conhecimento da dinâmica do genótipo V do DENV-1, o mais prevalente no continente americano. A reconstrução do histórico evolutivo desse genótipo nas Américas foi realizada com a aplicação de abordagens filogenéticas e filogeográficas. Foram considerados dados de mais de 800 sequências genéticas, originárias de 46 países, abrangendo um período aproximado de 50 anos.

O estudo apontou que a diversidade genética do genótipo V do DENV-1 resultou de duas introduções independentes no continente americano a partir da Índia, por volta do início dos anos 1970 e início dos anos 1980. As análises estimam que a primeira cepa tenha sido introduzida nas Pequenas Antilhas, no Caribe. A região se tornou fonte de várias linhagens do DENV-1, que se espalharam pelas Américas durante as décadas de 1970 e 1980. “É de grande relevância investigar o papel dos países na manutenção e dispersão deste vírus para o restante do continente americano. Esse conhecimento é crucial para a compreensão da ocorrência de epidemias e estabelecimento de estratégias de controle”, pontua Flavia.

Estudo apontou características sobre a diversidade genética do sorotipo 1 do vírus da dengue, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti (Foto: Josué Damacena)

Segundo a investigação, a maior parte dessas linhagens parece extinta durante a década de 1990, exceto uma que persistiu na Venezuela e se espalhou para outros países americanos. Já uma segunda linhagem do genótipo V, também de origem indiana, provavelmente foi introduzida nas Pequenas Antilhas no início dos anos 1980 e permaneceu quase indetectada por cerca de 15 anos, até ser introduzida, em meados da década de 1990, na região Norte do Brasil, de onde se espalhou para outras regiões do país.

“Os resultados demonstram que diferentes regiões geográficas desempenharam papeis na manutenção e na disseminação do genótipo V do DENV-1 nas Américas ao longo do tempo”, explica Fernanda. “Linhagens se originaram, disseminaram e desapareceram no continente com dinâmicas diferentes. O fenômeno de substituição de linhagem através de sucessivos surtos epidêmicos do vírus dengue tipo 1 tem sido uma característica comum na maioria dos países americanos”, acrescenta.

Vigilância continuada

A pesquisa prosseguiu com realização da vigilância molecular continuada do período posterior à reemergência, entre 2012 e 2016. Análises filogenéticas confirmaram a presença continuada do genótipo V e a cocirculação de três linhagens distintas. Já as análises filogeográficas destacaram dois padrões regionais: um deles relaciona as linhagens das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste do Brasil a ancestrais da Argentina, enquanto o outro sugere uma rota de introdução na região Norte do país partindo da Venezuela.

A tese destaca, ainda, a importância do estudo da coinfecção por diferentes sorotipos do vírus da dengue. O trabalho descreve a detecção e caracterização molecular de um caso de coinfecção pelos vírus dengue tipo 1 e tipo 4, a partir de uma amostra isolada no Rio de Janeiro, durante a epidemia de 2012. No período, DENV-1 e DENV-4 cocircularam no país, causando um elevado número de casos. O estudo ressalta que, embora as consequências de uma coinfecção no curso da doença para o paciente ainda sejam desconhecidas, a caracterização da coinfecção reforça o papel da vigilância virológica e entomológica.

Estudo contemplado com menção honrosa no Prêmio Capes de Tese 2019, na categoria Ciências Biológicas III, analisa dispersão e características genéticas do sorotipo 1 do vírus dengue no Brasil e nas Américas
Por: 
lucas

A vigilância dos vírus transmitidos por insetos (arbovírus), como dengue, Zika e febre amarela, é uma das principais estratégias para o monitoramento da propagação de cepas virais que podem apresentar maior potencial de infecção. A medida permite, ainda, avaliar o impacto dos vírus em circulação no caso de possíveis surtos. A bióloga Fernanda de Bruycker Nogueira, recém-doutora do Programa de Pós-graduação Stricto sensu em Biologia Parasitária do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), desenvolveu um amplo estudo que contribui para a vigilância do vírus da dengue.

Orientada pela pesquisadora Flavia Barreto dos Santos, do Laboratório de Imunologia Viral do IOC, a tese apresenta um panorama sobre as rotas de introdução e dispersão do vírus no Brasil e nas Américas, e reúne descobertas genéticas obtidas através de análises de caracterização molecular. O trabalho intitulado ‘História evolutiva, caracterização e vigilância molecular das diferentes linhagens do vírus dengue tipo 1 no Brasil’ foi contemplado com a menção honrosa pelo Prêmio Capes de Tese 2019, na categoria Ciências Biológicas III.

Pesquisadora do Laboratório de Flavivírus do IOC, Fernanda Nogueira participou de evento científico São Paulo School of Advanced Science in Arbovirology (Foto: Divulgação)

“Eu me sinto muito honrada em ter feito parte e ter podido contribuir com um conhecimento mais aprofundado das variantes do vírus da dengue, um arbovírus que circula há mais de 30 anos no país. É a valorização de um trabalho desenvolvido em equipe”, comemorou Fernanda. “O reconhecimento da Capes é ímpar, não só para o aluno como para o orientador. Diante das dificuldades que sempre encontramos, é gratificante e mostra como o incentivo à ciência, faz a diferença, principalmente se aplicado eficaz e criteriosamente”, complementou Flavia.

Caracterização de linhagens

Análises de sequências genéticas de 48 amostras, representando cepas isoladas entre 1986 e 2011 no Brasil, permitiram a caracterização molecular do sorotipo 1 do vírus da dengue circulante no país. A investigação revelou que todos os vírus analisados pertenciam ao genótipo V, porém agrupados em diferentes linhagens. Os dados apontaram maior proximidade entre duas linhagens (chamadas no estudo de 1a e 1b) com o DENV-1 de origem latino-americana, e o mesmo para a linhagem 2 em relação aos vírus de origem asiática. A diferenciação entre as linhagens foi associada a substituições de aminoácidos observadas na proteína E do vírus.
Segundo o estudo, modificações nessa proteína podem estar relacionadas a alterações na imunogenicidade – capacidade de estimular a produção de anticorpos, além de influenciar na replicação viral, na patogenicidade da doença e na determinação de características da interação patógeno-hospedeiro.

“A caracterização molecular e genética dos arbovírus é de suma importância. Mutações pontuais no genoma são suficientes para uma maior virulência, por exemplo, ou até mesmo para a adaptação do vírus a um vetor em particular. Além disso, a circulação de diferentes genótipos do vírus da dengue podem ter impactos distintos na população”, ressaltou Flavia.

Origem e dispersão

Em uma segunda etapa, a tese aprofunda o conhecimento da dinâmica do genótipo V do DENV-1, o mais prevalente no continente americano. A reconstrução do histórico evolutivo desse genótipo nas Américas foi realizada com a aplicação de abordagens filogenéticas e filogeográficas. Foram considerados dados de mais de 800 sequências genéticas, originárias de 46 países, abrangendo um período aproximado de 50 anos.

O estudo apontou que a diversidade genética do genótipo V do DENV-1 resultou de duas introduções independentes no continente americano a partir da Índia, por volta do início dos anos 1970 e início dos anos 1980. As análises estimam que a primeira cepa tenha sido introduzida nas Pequenas Antilhas, no Caribe. A região se tornou fonte de várias linhagens do DENV-1, que se espalharam pelas Américas durante as décadas de 1970 e 1980. “É de grande relevância investigar o papel dos países na manutenção e dispersão deste vírus para o restante do continente americano. Esse conhecimento é crucial para a compreensão da ocorrência de epidemias e estabelecimento de estratégias de controle”, pontua Flavia.

Estudo apontou características sobre a diversidade genética do sorotipo 1 do vírus da dengue, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti (Foto: Josué Damacena)

Segundo a investigação, a maior parte dessas linhagens parece extinta durante a década de 1990, exceto uma que persistiu na Venezuela e se espalhou para outros países americanos. Já uma segunda linhagem do genótipo V, também de origem indiana, provavelmente foi introduzida nas Pequenas Antilhas no início dos anos 1980 e permaneceu quase indetectada por cerca de 15 anos, até ser introduzida, em meados da década de 1990, na região Norte do Brasil, de onde se espalhou para outras regiões do país.

“Os resultados demonstram que diferentes regiões geográficas desempenharam papeis na manutenção e na disseminação do genótipo V do DENV-1 nas Américas ao longo do tempo”, explica Fernanda. “Linhagens se originaram, disseminaram e desapareceram no continente com dinâmicas diferentes. O fenômeno de substituição de linhagem através de sucessivos surtos epidêmicos do vírus dengue tipo 1 tem sido uma característica comum na maioria dos países americanos”, acrescenta.

Vigilância continuada

A pesquisa prosseguiu com realização da vigilância molecular continuada do período posterior à reemergência, entre 2012 e 2016. Análises filogenéticas confirmaram a presença continuada do genótipo V e a cocirculação de três linhagens distintas. Já as análises filogeográficas destacaram dois padrões regionais: um deles relaciona as linhagens das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste do Brasil a ancestrais da Argentina, enquanto o outro sugere uma rota de introdução na região Norte do país partindo da Venezuela.

A tese destaca, ainda, a importância do estudo da coinfecção por diferentes sorotipos do vírus da dengue. O trabalho descreve a detecção e caracterização molecular de um caso de coinfecção pelos vírus dengue tipo 1 e tipo 4, a partir de uma amostra isolada no Rio de Janeiro, durante a epidemia de 2012. No período, DENV-1 e DENV-4 cocircularam no país, causando um elevado número de casos. O estudo ressalta que, embora as consequências de uma coinfecção no curso da doença para o paciente ainda sejam desconhecidas, a caracterização da coinfecção reforça o papel da vigilância virológica e entomológica.

Edição: 
Vinicius Ferreira

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)