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Covid-19 é tema principal da cerimônia pelos 120 anos do IOC

Evento contou com painel sobre apresentações clínicas e opções de tratamento da doença. Depoimentos de pesquisadores, intelectuais e artistas foram exibidos durante evento
Por Lucas Rocha e Kadu Cayres27/05/2020 - Atualizado em 17/03/2021

:: Especial: IOC 120 anos

Em meio a buscas por respostas para a pandemia de Covid-19, enfermidade que colocou o mundo em alerta, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) comemorou, na última segunda-feira (25/05), 120 anos de atividades ininterruptas na interface entre ciência e saúde pública, celebrados de forma compartilhada com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

A programação especial do dia, realizada por videoconferência devido ao distanciamento social recomendado pelas autoridades de saúde, contou com uma exibição do hino nacional interpretada pela cravista e pesquisadora brasileira, Rosana Lanzelotte, e com as palestras ‘Diferentes tratamentos para pacientes com Covid-19’ e ‘Os diferentes fenótipos da Covid-19’, ministradas, respectivamente, pelo cientista Paolo Pelosi, da Universidade de Gênova, na tália, e pela pesquisadora Patricia Rocco, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sob a mediação do pesquisador do IOC Marcelo Pelajo.

Durante a solenidade, foram exibidos depoimentos em vídeo de pesquisadores, intelectuais e artistas – entre eles, Renato Cordeiro (pesquisador emérito da Fiocruz), Frei Betto (escritor e frade dominicano), Luiz Davidovich (presidente da Academia Brasileira de Ciências), Ildeu Moreira (presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e Fernanda Montenegro (atriz) – parabenizando o Instituto e a Fiocruz pelo aniversário.

Em videoconferência, debate reuniu o vice-diretor de Ensino, Informação e Comunicação, Marcelo Alves Pinto; o moderador do painel, Marcelo Pelajo; a vice-diretora de Desenvolvimento Institucional e Gestão, Wania Santiago; o professor da Universidade de Gênova Paolo Pelosi; a vice-diretora de Laboratórios de Referência e Coleções Biológicas Elizabeth Rangel e a pesquisadora da UFRJ Patricia Rocco. Foto: Reprodução

Na abertura da cerimônia, o diretor do IOC, José Paulo Gagliardi Leite, comparou o início da trajetória do Instituto ao atual cenário de enfrentamento da emergência sanitária imposta pelo novo coronavírus. “A criação da instituição tem início no combate à peste bubônica, liderado pelo nosso patrono Oswaldo Cruz. 120 anos depois, a história se repete na união de esforços para debelar a pandemia de Covid-19. O SARS-CoV-2, vírus de dimensão nanométrica, nos infecta acarretando um processo fisiopatológico ainda não totalmente elucidado, mas que precisamos conhecer para obtermos as ferramentas científicas necessárias para a prevenção vacinal, o controle farmacológico, clínico e epidemiológico. Até o momento, o distanciamento social é a única ação disponível e, mesmo assim, já perdemos milhares de vidas. Desta forma, façamos um minuto de silêncio em respeito a essas vidas interrompidas”, pediu.

Gagliardi salientou, ainda, que faz parte do compromisso do Instituto a geração de conhecimento científico voltada para a preservação de vidas e busca de respostas que ajudem o Sistema Único de Saúde brasileiro. “Como profissionais e servidores na área de saúde pública, nosso trabalho é direcionado para a sustentabilidade de um sistema de saúde público e universal. Graças à competência e dedicação de trabalhadores e alunos, superamos as dificuldades cotidianas. Portanto, em nome de toda a Diretoria do IOC, quero agradecer a essas pessoas e afirmar que seguiremos contribuindo com excelência e lisura para a formação de futuras gerações”, concluiu.

Presente à cerimônia, a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, disse que relembrar a trajetória do IOC significa, para a Fundação, reafirmar sua missão institucional. “Neste momento de pandemia, em que precisamos mobilizar nosso conhecimento, nossa energia e solidariedade para ações públicas, é muito importante reafirmar que esta instituição, patrimônio da sociedade brasileira, coloca o seu conhecimento científico a serviço do SUS, um dos pilares no enfrentamento desta emergência sanitária, assim como a ciência, a tecnologia e a inovação. Espero que no aniversário de 121 anos, possamos comemorar a descoberta da vacina contra a Covid-19”, declarou.

“Parabéns à comunidade do IOC e ao povo brasileiro, que é dono desse patrimônio. Que a história desses 120 anos nos guie sempre, especialmente nos desafios dessa pandemia”, afirmou o chefe do Laboratório de Patologia do IOC, Marcelo Pelajo, na abertura do painel sobre Covid-19.

Diferentes fenótipos da Covid-19

A pesquisadora Patricia Rocco, médica e chefe do Laboratório de Investigação Pulmonar do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destacou que a infecção pelo Sars-Cov-2 pode apresentar diferentes manifestações clínicas e afetar outros órgãos além dos pulmões, como o cérebro, o coração e os rins.

Patricia Rocco disse que o Sars-CoV-2 não deve ser considerado como vírus respiratório, pois atinge outros órgãos como cérebro, coração e rins. Foto: Reprodução

Segundo a especialista, a infecção acontece principalmente pelo nariz e pela boca. No organismo, o novo coronavírus se liga aos receptores de uma enzima chamada conversora de angiotensina 2. Esses receptores se localizam em diferentes células e, no caso dos pulmões, estão principalmente na célula epitelial tipo 2. “Dentro da célula, o vírus acarreta uma resposta inflamatória extremamente intensa, local e sistêmica. Essa resposta pode ser atenuada em alguns indivíduos e em outros não”, explicou.

Na apresentação, Patricia destacou aspectos relacionados ao agravamento da resposta inflamatória que provoca a internação de cerca de 10 a 20% dos pacientes em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). Segundo a médica, os pacientes admitidos nas UTIs podem apresentar três fenótipos, com manifestações clínicas distintas.

Contribuição para o manejo da doença

Para explicar os diferentes fenótipos, a pesquisadora apresentou três imagens de tomografia computadorizada de pacientes. No fenótipo 1, destacou a presença de alterações vasculares que podem levar à insuficiência de oxigenação do sangue, chamada de hipoxemia. "Nesse quadro, os alvéolos pulmonares apresentam pouca alteração, por isso, há também baixa alteração na mecânica pulmonar", explicou. De acordo com a pesquisadora, o uso inadequado da ventilação nesses casos pode causar lesões nos pulmões. Ela apontou que uma das alternativas para melhorar a oxigenação é colocar os pacientes de barriga para baixo, em posição prona.

O fenótipo 2, que também apresenta hipoxemia, é caracterizado principalmente pela distribuição heterogênea de colapso pulmonar, um fenômeno conhecido como atelectasia. O fenótipo 3, por sua vez, apresenta acumulação acentuada de líquido nos pulmões, o chamado edema pulmonar, e reúne características semelhantes às da Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), quadro de insuficiência respiratória, devido a uma intensa resposta inflamatória pulmonar. Além do uso da ventilação específica nos casos de SDRA, a pesquisadora sugeriu a adoção da posição prona, para melhorar a hipoxemia, ou a técnica de oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO).

A pesquisadora reforçou que o manejo dos pacientes deve levar em consideração os diferentes fenótipos apresentados. "Sugerimos a adoção de uma estratégia ventilatória personalizada. Os médicos devem fazer tomografia computadorizada de tórax e avaliar a mecânica pulmonar. A hipoxemia por si só não determina a terapia que deve ser adotada. Alterações de coagulação têm impacto grave no prognóstico", afirmou. Ela acrescentou que o tratamento precisa ser individualizado, com base nos riscos de sangramento e trombose.

Patricia defendeu a ideia de que o Sars-CoV-2 não seja considerado um vírus respiratório, devido à observação de comprometimento em outros órgãos, como cérebro, coração e rins. "Pesquisadores do Brasil e do mundo precisam entender melhor a fisiopatologia da disfunção orgânica múltipla, para o desenvolvimento de novas terapias e o tratamento individualizado desses pacientes", concluiu.

Opções terapêuticas

“O tratamento mais importante que encontramos foi tentar evitar a disseminação da doença fora do hospital, usando máscaras e distanciamento social. Acho que esses são os tratamentos mais efetivos para a Covid-19”, afirmou o professor de anestesia e terapia intensiva e diretor da unidade de anestesia e terapia intensiva do Hospital Policlínico San Martino, da Universidade de Gênova, na Itália, Paolo Pelosi, ao iniciar sua palestra sobre as opções terapêuticas atuais para o agravo.

Paolo Pelosi afirmou que tratamento da Covid-19 precisa visar não apenas o vírus, mas também o processo inflamatório e os distúrbios de coagulação. Foto: Reprodução

Além de estudos científicos, o intensivista relatou a experiência no Hospital San Martino, onde o primeiro paciente infectado pelo novo coronavírus foi internado em 29 de fevereiro, apenas uma semana depois das primeiras internações na Lombardia, epicentro da epidemia italiana. No pico da doença, a unidade precisou dobrar o número de leitos de terapia intensiva, chegando a 70. Nas enfermarias, 300 pacientes foram internados com suporte ventilatório não invasivo.

Pelosi reforçou o caráter sistêmico da Covid-19, apontando que muitos pacientes na UTI necessitavam não apenas de ventilação mecânica, mas também de diálise e circulação extracorpórea. “Tratamos o desconhecido. Algo inimaginável e fora de qualquer conhecimento anterior”, afirmou, comentando a dificuldade de iniciar ensaios clínicos randomizados no primeiro momento da epidemia. “No começo, foi difícil realizar estudos, e o uso compassivo de drogas ‘off label’ [fora das indicações previstas na bula] ocorreu em escala nunca vista antes. Essa é uma questão que precisaremos discutir no futuro”, apontou.

Abordagem múltipla

Entre as opções terapêuticas disponíveis, Pelosi abordou fármacos com potencial de atuação sobre o novo coronavírus, como os antimaláricos cloroquina e hidroxicloroquina e os antivirias lopinavir e ritonavir, usados no tratamento do HIV, e remdesivir, desenvolvido para terapia do ebola. Considerando os estudos publicados até o momento, o intensivista apontou que apenas o remdesivir apresentou benefícios, mas com limitações. “No ensaio randomizado, foi capaz de reduzir o tempo para recuperação, mas não teve impacto significativo na mortalidade. É um medicamento que pode ser considerado na fase inicial. Porém, não tem efeito em pacientes críticos. Alguns estudos não encontraram o mesmo benefício. Além disso, é muito caro, o que limita a sua aplicação mesmo na Itália”, ponderou.

Ainda com o objetivo de inativar o vírus, Pelosi citou estudos sobre administração de plasma de pacientes que se recuperaram da Covdi-19. Segundo ele, embora os anticorpos de convalescentes possam conter a doença, existem grandes desafios como a dificuldade de preparação do plasma e o risco de transmissão de patógenos.

No arsenal atualmente disponível para enfrentar a doença, o especialista destacou compostos que têm como alvo o processo de inflamação e as alterações de coagulação desencadeados pela infecção. De acordo com Pelosi, o alto nível de uma substância inflamatória, chamada de interleucina-6 (IL-6), pode ser considerado como preditor para agravamento da Covid-19 e análises do tecido pulmonar de pacientes indicam que a inflamação exacerbada no início da doença é seguida por um intenso processo de fibrose, que pode afetar grande parte do órgão. Dados ainda não publicados do Hospital San Martino sugerem que a administração precoce de anti-inflamatórios corticoesteróides associados ao medicamento tocilizumabe, que inibe a IL-6, pode reduzir a mortalidade em pacientes internados.

“Nossos dados indicam que devemos começar cedo com mediadores anti-inflamatórios. Esperamos que estudos randomizados confirmem isso”, afirmou Pelosi, apontando também resultados preliminares positivos com o fármaco anankira, usado no tratamento da artrite reumatoide. Além disso, o intensivista ressaltou a relevância do tratamento com anticoagulantes. “É preciso ter um protocolo para controle de coagulação. Em nosso hospital, a heparina funcionou bem e tivemos baixo índice de trombose em nossos pacientes. Diferentemente de outros grupos, registramos casos menores de hemorragia e nenhum paciente morreu disso”, relatou.

Pelosi caracterizou o novo coronavírus como uma ‘serial killer’ e afirmou que não acredita que um único fármaco possa controlar a doença sistêmica em pacientes graves. “Estávamos procurando uma cura milagrosa para essa doença, mas infelizmente não temos isso. Temos somente meios para ganhar tempo. A Covid-19 requer paciência dos médicos e profissionais de saúde”, avaliou.

Assista à integra da cerimônia

Relevância da pesquisa científica

No debate realizado após as palestras, os pesquisadores discutiram, entre outros temas, os riscos identificados em pesquisas que avaliam a eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina para tratamento da Covid-19. Na última sexta-feira, um estudo observacional com 96 mil pacientes publicado na revista ‘The Lancet’ apontou maior mortalidade e ocorrência de arritmias nos indivíduos que receberam os medicamentos. Nesta segunda, a Organização Mundial da Saúde (OMS) informou a suspensão temporária do braço dedicado aos fármacos no estudo Solidariedade, ensaio multicêntrico randomizado promovido pela entidade. O objetivo é avaliar os dados de segurança até o momento para decidir sobre a continuidade da pesquisa.

Pelosi e Patricia destacaram a necessidade de levar em conta a dose e o momento de administração da cloroquina e da hidroxicloroquina nas diferentes pesquisas em andamento. Os especialistas consideraram que pode ser prematuro abandonar as pesquisas sobre as substâncias. “A alta dose é um risco e, provavelmente, temos que usar doses menores. O ‘timming’ também é muito importante. O estudo da ‘The Lancet’ considerou início do tratamento logo após a hospitalização, mas não em estado crítico. Não sabemos se os medicamentos teriam que ser administrados muito antes. É algo que deve ser reavaliado em ensaios randomizados”, disse Pelosi. “Acho que para abandonar uma droga devemos ser muito cuidadosos, especialmente para essa doença”, acrescentou.

“A dose média da metanálise publicada na ‘The Lancet’ é muito superior à dose que deveria ser usada de forma segura e estudos observacionais não têm como selecionar o perfil de pacientes que recebem os fármacos. Precisamos ter estudos randomizados, duplo-cegos, controlados por placebo, com doses menores, com acompanhamento de eletrocardiograma, em unidade hospitalar, excluindo pacientes de risco. Se houver estratificação, conseguiremos entender qual medicação vai atuar em cada grupo. Não acredito que haja uma medicação geral para qualquer paciente com Covid-19. Devemos estar atentos a isso em relação a qualquer medicação que vem sendo estudada”, complementou Patricia.

Os fatores de risco para agravamento da doença também foram debatidos, especialmente no contexto de relaxamento de medidas de distanciamento social. “Em cidades que pretendem abrir, não são só os idosos que devem continuar em casa, mas quem tem fatores de risco, como diabetes, hipertensão, doenças renais e obesidade. Temos que focar nesses pacientes independentemente da idade”, afirmou Patricia. “É o que chamo de comorbidades muito pequenas. São pessoas que têm estilos de vida normais. Mas mesmo que seja um só desses fatores, já há maior risco de complicação”, apontou Patricia.

O rápido avanço do conhecimento sobre a Covid-19 e a necessidade de buscar as melhores alternativas para os pacientes foram ressaltados no encerramento do evento. “Nós devemos pegar a experiências de países que estão à nossa frente na pandemia, como Itália, França e China, para tentarmos fazer o certo. Vamos tentar fazer com que esse paciente que está numa fase precoce ou que tem uma pneumonia leve não evolua necessitando de UTI. É isso que nós, que somos cientistas e médicos, estamos fazendo diariamente. Nós, diuturnamente, estamos pensando como melhorar a qualidade de vida desses pacientes, como evitar o óbito”, disse Patricia.

Pelosi enfatizou que a doença exige esforços também fora dos hospitais. “De um lado, precisamos evitar a transmissão para prevenir as internações. De outro, temos que acompanhar os pacientes após a alta, porque é possível que os danos causados pelo novo coronavírus, como a fibrose pulmonar, sejam muito graves”, disse o intensivista.

O moderador da mesa ressaltou o papel da colaboração científica no enfrentamento do agravo. “No dia do aniversário do IOC, olhamos para nossa história e para os exemplos do passado. Há pouco tempo essa doença não existia e todo o conhecimento é fruto de um desenvolvimento agudo. A cooperação científica é o que nos fazer chegar a uma vacina e a tratar bem os pacientes. A ciência mostrará o caminho”, afirmou Pelajo. “Parabéns a todos do nosso Instituto e da nossa Fundação”, concluiu.

Evento contou com painel sobre apresentações clínicas e opções de tratamento da doença. Depoimentos de pesquisadores, intelectuais e artistas foram exibidos durante evento
Por: 
lucas
kadu

:: Especial: IOC 120 anos

Em meio a buscas por respostas para a pandemia de Covid-19, enfermidade que colocou o mundo em alerta, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) comemorou, na última segunda-feira (25/05), 120 anos de atividades ininterruptas na interface entre ciência e saúde pública, celebrados de forma compartilhada com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

A programação especial do dia, realizada por videoconferência devido ao distanciamento social recomendado pelas autoridades de saúde, contou com uma exibição do hino nacional interpretada pela cravista e pesquisadora brasileira, Rosana Lanzelotte, e com as palestras ‘Diferentes tratamentos para pacientes com Covid-19’ e ‘Os diferentes fenótipos da Covid-19’, ministradas, respectivamente, pelo cientista Paolo Pelosi, da Universidade de Gênova, na tália, e pela pesquisadora Patricia Rocco, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sob a mediação do pesquisador do IOC Marcelo Pelajo.

Durante a solenidade, foram exibidos depoimentos em vídeo de pesquisadores, intelectuais e artistas – entre eles, Renato Cordeiro (pesquisador emérito da Fiocruz), Frei Betto (escritor e frade dominicano), Luiz Davidovich (presidente da Academia Brasileira de Ciências), Ildeu Moreira (presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e Fernanda Montenegro (atriz) – parabenizando o Instituto e a Fiocruz pelo aniversário.

Em videoconferência, debate reuniu o vice-diretor de Ensino, Informação e Comunicação, Marcelo Alves Pinto; o moderador do painel, Marcelo Pelajo; a vice-diretora de Desenvolvimento Institucional e Gestão, Wania Santiago; o professor da Universidade de Gênova Paolo Pelosi; a vice-diretora de Laboratórios de Referência e Coleções Biológicas Elizabeth Rangel e a pesquisadora da UFRJ Patricia Rocco. Foto: Reprodução

Na abertura da cerimônia, o diretor do IOC, José Paulo Gagliardi Leite, comparou o início da trajetória do Instituto ao atual cenário de enfrentamento da emergência sanitária imposta pelo novo coronavírus. “A criação da instituição tem início no combate à peste bubônica, liderado pelo nosso patrono Oswaldo Cruz. 120 anos depois, a história se repete na união de esforços para debelar a pandemia de Covid-19. O SARS-CoV-2, vírus de dimensão nanométrica, nos infecta acarretando um processo fisiopatológico ainda não totalmente elucidado, mas que precisamos conhecer para obtermos as ferramentas científicas necessárias para a prevenção vacinal, o controle farmacológico, clínico e epidemiológico. Até o momento, o distanciamento social é a única ação disponível e, mesmo assim, já perdemos milhares de vidas. Desta forma, façamos um minuto de silêncio em respeito a essas vidas interrompidas”, pediu.

Gagliardi salientou, ainda, que faz parte do compromisso do Instituto a geração de conhecimento científico voltada para a preservação de vidas e busca de respostas que ajudem o Sistema Único de Saúde brasileiro. “Como profissionais e servidores na área de saúde pública, nosso trabalho é direcionado para a sustentabilidade de um sistema de saúde público e universal. Graças à competência e dedicação de trabalhadores e alunos, superamos as dificuldades cotidianas. Portanto, em nome de toda a Diretoria do IOC, quero agradecer a essas pessoas e afirmar que seguiremos contribuindo com excelência e lisura para a formação de futuras gerações”, concluiu.

Presente à cerimônia, a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, disse que relembrar a trajetória do IOC significa, para a Fundação, reafirmar sua missão institucional. “Neste momento de pandemia, em que precisamos mobilizar nosso conhecimento, nossa energia e solidariedade para ações públicas, é muito importante reafirmar que esta instituição, patrimônio da sociedade brasileira, coloca o seu conhecimento científico a serviço do SUS, um dos pilares no enfrentamento desta emergência sanitária, assim como a ciência, a tecnologia e a inovação. Espero que no aniversário de 121 anos, possamos comemorar a descoberta da vacina contra a Covid-19”, declarou.

“Parabéns à comunidade do IOC e ao povo brasileiro, que é dono desse patrimônio. Que a história desses 120 anos nos guie sempre, especialmente nos desafios dessa pandemia”, afirmou o chefe do Laboratório de Patologia do IOC, Marcelo Pelajo, na abertura do painel sobre Covid-19.

Diferentes fenótipos da Covid-19

A pesquisadora Patricia Rocco, médica e chefe do Laboratório de Investigação Pulmonar do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destacou que a infecção pelo Sars-Cov-2 pode apresentar diferentes manifestações clínicas e afetar outros órgãos além dos pulmões, como o cérebro, o coração e os rins.

Patricia Rocco disse que o Sars-CoV-2 não deve ser considerado como vírus respiratório, pois atinge outros órgãos como cérebro, coração e rins. Foto: Reprodução

Segundo a especialista, a infecção acontece principalmente pelo nariz e pela boca. No organismo, o novo coronavírus se liga aos receptores de uma enzima chamada conversora de angiotensina 2. Esses receptores se localizam em diferentes células e, no caso dos pulmões, estão principalmente na célula epitelial tipo 2. “Dentro da célula, o vírus acarreta uma resposta inflamatória extremamente intensa, local e sistêmica. Essa resposta pode ser atenuada em alguns indivíduos e em outros não”, explicou.

Na apresentação, Patricia destacou aspectos relacionados ao agravamento da resposta inflamatória que provoca a internação de cerca de 10 a 20% dos pacientes em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). Segundo a médica, os pacientes admitidos nas UTIs podem apresentar três fenótipos, com manifestações clínicas distintas.

Contribuição para o manejo da doença

Para explicar os diferentes fenótipos, a pesquisadora apresentou três imagens de tomografia computadorizada de pacientes. No fenótipo 1, destacou a presença de alterações vasculares que podem levar à insuficiência de oxigenação do sangue, chamada de hipoxemia. "Nesse quadro, os alvéolos pulmonares apresentam pouca alteração, por isso, há também baixa alteração na mecânica pulmonar", explicou. De acordo com a pesquisadora, o uso inadequado da ventilação nesses casos pode causar lesões nos pulmões. Ela apontou que uma das alternativas para melhorar a oxigenação é colocar os pacientes de barriga para baixo, em posição prona.

O fenótipo 2, que também apresenta hipoxemia, é caracterizado principalmente pela distribuição heterogênea de colapso pulmonar, um fenômeno conhecido como atelectasia. O fenótipo 3, por sua vez, apresenta acumulação acentuada de líquido nos pulmões, o chamado edema pulmonar, e reúne características semelhantes às da Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA), quadro de insuficiência respiratória, devido a uma intensa resposta inflamatória pulmonar. Além do uso da ventilação específica nos casos de SDRA, a pesquisadora sugeriu a adoção da posição prona, para melhorar a hipoxemia, ou a técnica de oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO).

A pesquisadora reforçou que o manejo dos pacientes deve levar em consideração os diferentes fenótipos apresentados. "Sugerimos a adoção de uma estratégia ventilatória personalizada. Os médicos devem fazer tomografia computadorizada de tórax e avaliar a mecânica pulmonar. A hipoxemia por si só não determina a terapia que deve ser adotada. Alterações de coagulação têm impacto grave no prognóstico", afirmou. Ela acrescentou que o tratamento precisa ser individualizado, com base nos riscos de sangramento e trombose.

Patricia defendeu a ideia de que o Sars-CoV-2 não seja considerado um vírus respiratório, devido à observação de comprometimento em outros órgãos, como cérebro, coração e rins. "Pesquisadores do Brasil e do mundo precisam entender melhor a fisiopatologia da disfunção orgânica múltipla, para o desenvolvimento de novas terapias e o tratamento individualizado desses pacientes", concluiu.

Opções terapêuticas

“O tratamento mais importante que encontramos foi tentar evitar a disseminação da doença fora do hospital, usando máscaras e distanciamento social. Acho que esses são os tratamentos mais efetivos para a Covid-19”, afirmou o professor de anestesia e terapia intensiva e diretor da unidade de anestesia e terapia intensiva do Hospital Policlínico San Martino, da Universidade de Gênova, na Itália, Paolo Pelosi, ao iniciar sua palestra sobre as opções terapêuticas atuais para o agravo.

Paolo Pelosi afirmou que tratamento da Covid-19 precisa visar não apenas o vírus, mas também o processo inflamatório e os distúrbios de coagulação. Foto: Reprodução

Além de estudos científicos, o intensivista relatou a experiência no Hospital San Martino, onde o primeiro paciente infectado pelo novo coronavírus foi internado em 29 de fevereiro, apenas uma semana depois das primeiras internações na Lombardia, epicentro da epidemia italiana. No pico da doença, a unidade precisou dobrar o número de leitos de terapia intensiva, chegando a 70. Nas enfermarias, 300 pacientes foram internados com suporte ventilatório não invasivo.

Pelosi reforçou o caráter sistêmico da Covid-19, apontando que muitos pacientes na UTI necessitavam não apenas de ventilação mecânica, mas também de diálise e circulação extracorpórea. “Tratamos o desconhecido. Algo inimaginável e fora de qualquer conhecimento anterior”, afirmou, comentando a dificuldade de iniciar ensaios clínicos randomizados no primeiro momento da epidemia. “No começo, foi difícil realizar estudos, e o uso compassivo de drogas ‘off label’ [fora das indicações previstas na bula] ocorreu em escala nunca vista antes. Essa é uma questão que precisaremos discutir no futuro”, apontou.

Abordagem múltipla

Entre as opções terapêuticas disponíveis, Pelosi abordou fármacos com potencial de atuação sobre o novo coronavírus, como os antimaláricos cloroquina e hidroxicloroquina e os antivirias lopinavir e ritonavir, usados no tratamento do HIV, e remdesivir, desenvolvido para terapia do ebola. Considerando os estudos publicados até o momento, o intensivista apontou que apenas o remdesivir apresentou benefícios, mas com limitações. “No ensaio randomizado, foi capaz de reduzir o tempo para recuperação, mas não teve impacto significativo na mortalidade. É um medicamento que pode ser considerado na fase inicial. Porém, não tem efeito em pacientes críticos. Alguns estudos não encontraram o mesmo benefício. Além disso, é muito caro, o que limita a sua aplicação mesmo na Itália”, ponderou.

Ainda com o objetivo de inativar o vírus, Pelosi citou estudos sobre administração de plasma de pacientes que se recuperaram da Covdi-19. Segundo ele, embora os anticorpos de convalescentes possam conter a doença, existem grandes desafios como a dificuldade de preparação do plasma e o risco de transmissão de patógenos.

No arsenal atualmente disponível para enfrentar a doença, o especialista destacou compostos que têm como alvo o processo de inflamação e as alterações de coagulação desencadeados pela infecção. De acordo com Pelosi, o alto nível de uma substância inflamatória, chamada de interleucina-6 (IL-6), pode ser considerado como preditor para agravamento da Covid-19 e análises do tecido pulmonar de pacientes indicam que a inflamação exacerbada no início da doença é seguida por um intenso processo de fibrose, que pode afetar grande parte do órgão. Dados ainda não publicados do Hospital San Martino sugerem que a administração precoce de anti-inflamatórios corticoesteróides associados ao medicamento tocilizumabe, que inibe a IL-6, pode reduzir a mortalidade em pacientes internados.

“Nossos dados indicam que devemos começar cedo com mediadores anti-inflamatórios. Esperamos que estudos randomizados confirmem isso”, afirmou Pelosi, apontando também resultados preliminares positivos com o fármaco anankira, usado no tratamento da artrite reumatoide. Além disso, o intensivista ressaltou a relevância do tratamento com anticoagulantes. “É preciso ter um protocolo para controle de coagulação. Em nosso hospital, a heparina funcionou bem e tivemos baixo índice de trombose em nossos pacientes. Diferentemente de outros grupos, registramos casos menores de hemorragia e nenhum paciente morreu disso”, relatou.

Pelosi caracterizou o novo coronavírus como uma ‘serial killer’ e afirmou que não acredita que um único fármaco possa controlar a doença sistêmica em pacientes graves. “Estávamos procurando uma cura milagrosa para essa doença, mas infelizmente não temos isso. Temos somente meios para ganhar tempo. A Covid-19 requer paciência dos médicos e profissionais de saúde”, avaliou.

Assista à integra da cerimônia

Relevância da pesquisa científica

No debate realizado após as palestras, os pesquisadores discutiram, entre outros temas, os riscos identificados em pesquisas que avaliam a eficácia da cloroquina e da hidroxicloroquina para tratamento da Covid-19. Na última sexta-feira, um estudo observacional com 96 mil pacientes publicado na revista ‘The Lancet’ apontou maior mortalidade e ocorrência de arritmias nos indivíduos que receberam os medicamentos. Nesta segunda, a Organização Mundial da Saúde (OMS) informou a suspensão temporária do braço dedicado aos fármacos no estudo Solidariedade, ensaio multicêntrico randomizado promovido pela entidade. O objetivo é avaliar os dados de segurança até o momento para decidir sobre a continuidade da pesquisa.

Pelosi e Patricia destacaram a necessidade de levar em conta a dose e o momento de administração da cloroquina e da hidroxicloroquina nas diferentes pesquisas em andamento. Os especialistas consideraram que pode ser prematuro abandonar as pesquisas sobre as substâncias. “A alta dose é um risco e, provavelmente, temos que usar doses menores. O ‘timming’ também é muito importante. O estudo da ‘The Lancet’ considerou início do tratamento logo após a hospitalização, mas não em estado crítico. Não sabemos se os medicamentos teriam que ser administrados muito antes. É algo que deve ser reavaliado em ensaios randomizados”, disse Pelosi. “Acho que para abandonar uma droga devemos ser muito cuidadosos, especialmente para essa doença”, acrescentou.

“A dose média da metanálise publicada na ‘The Lancet’ é muito superior à dose que deveria ser usada de forma segura e estudos observacionais não têm como selecionar o perfil de pacientes que recebem os fármacos. Precisamos ter estudos randomizados, duplo-cegos, controlados por placebo, com doses menores, com acompanhamento de eletrocardiograma, em unidade hospitalar, excluindo pacientes de risco. Se houver estratificação, conseguiremos entender qual medicação vai atuar em cada grupo. Não acredito que haja uma medicação geral para qualquer paciente com Covid-19. Devemos estar atentos a isso em relação a qualquer medicação que vem sendo estudada”, complementou Patricia.

Os fatores de risco para agravamento da doença também foram debatidos, especialmente no contexto de relaxamento de medidas de distanciamento social. “Em cidades que pretendem abrir, não são só os idosos que devem continuar em casa, mas quem tem fatores de risco, como diabetes, hipertensão, doenças renais e obesidade. Temos que focar nesses pacientes independentemente da idade”, afirmou Patricia. “É o que chamo de comorbidades muito pequenas. São pessoas que têm estilos de vida normais. Mas mesmo que seja um só desses fatores, já há maior risco de complicação”, apontou Patricia.

O rápido avanço do conhecimento sobre a Covid-19 e a necessidade de buscar as melhores alternativas para os pacientes foram ressaltados no encerramento do evento. “Nós devemos pegar a experiências de países que estão à nossa frente na pandemia, como Itália, França e China, para tentarmos fazer o certo. Vamos tentar fazer com que esse paciente que está numa fase precoce ou que tem uma pneumonia leve não evolua necessitando de UTI. É isso que nós, que somos cientistas e médicos, estamos fazendo diariamente. Nós, diuturnamente, estamos pensando como melhorar a qualidade de vida desses pacientes, como evitar o óbito”, disse Patricia.

Pelosi enfatizou que a doença exige esforços também fora dos hospitais. “De um lado, precisamos evitar a transmissão para prevenir as internações. De outro, temos que acompanhar os pacientes após a alta, porque é possível que os danos causados pelo novo coronavírus, como a fibrose pulmonar, sejam muito graves”, disse o intensivista.

O moderador da mesa ressaltou o papel da colaboração científica no enfrentamento do agravo. “No dia do aniversário do IOC, olhamos para nossa história e para os exemplos do passado. Há pouco tempo essa doença não existia e todo o conhecimento é fruto de um desenvolvimento agudo. A cooperação científica é o que nos fazer chegar a uma vacina e a tratar bem os pacientes. A ciência mostrará o caminho”, afirmou Pelajo. “Parabéns a todos do nosso Instituto e da nossa Fundação”, concluiu.

Edição: 
Vinicius Ferreira

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)