As mudanças no financiamento internacional da saúde e os rumos do combate à Aids foram debatidos por especialistas no segundo dia (5/12) do 4º Ato do Simpósio IOC Jubileu 125 anos.
Em sessão conjunta ao Centro de Estudos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), a palestra ‘Uma análise crítica das tendências de financiamento internacional para atividades em HIV e Aids’ também marcou o Dia Mundial de Luta contra a Aids, comemorado em 1º de dezembro.
A resposta internacional ao Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), que durante décadas foi exemplo de mobilização global e solidariedade entre países, vive hoje uma crise profunda, marcada pela diminuição de doações para programas que, historicamente, financiaram as ações de prevenção e tratamento.
O diagnóstico foi apresentado pelo sociólogo Richard Parker, professor emérito da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e visitante da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que ministrou a palestra.
Assista ao evento na íntegra:
Com transmissão ao vivo pelo Canal IOC, o encontro foi mediado pelo pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Kenneth Camargo Jr, e ainda contou com a participação da pesquisadora do Laboratório de Educação em Ambiente e Saúde, Simone Monteiro, e da vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Marly Marques da Cruz.
Abrindo o evento, a diretora do IOC, Tania Araujo-Jorge, comemorou a eliminação da transmissão vertical do HIV — de mães para filhos — como um problema de saúde pública no Brasil, resultado de políticas públicas de prevenção, diagnóstico e cuidado.
Para ela, esse marco nacional torna o debate sobre financiamento internacional ainda mais urgente, a fim de garantir que os avanços obtidos aqui se mantenham e possam ser ampliados nos próximos anos.
De acordo com a UNAIDS, cerca de 40,8 milhões de pessoas em todo o mundo vivem com HIV. No Brasil, o número estimado é de aproximadamente 1 milhão.
Identificada no início da década de 1980, a Aids rapidamente se consolidou como uma das maiores emergências sanitárias da história contemporânea.
A ausência de tratamento eficaz nos primeiros anos de epidemia expôs desigualdades profundas e provocou forte estigmatização das populações mais afetadas, ao mesmo tempo em que impulsionou o surgimento de movimentos sociais e redes comunitárias que transformaram a forma de fazer saúde pública no mundo.
Segundo Parker, o período foi marcado por mobilizações globais, que reuniram governos, pesquisadores, organizações sem fins lucrativos e a sociedade civil em torno de um objetivo comum.
Essa articulação histórica contribuiu para ampliar o acesso a medicamentos antirretrovirais, que transformaram o HIV em uma doença crônica controlável.

Apesar dos avanços conquistados nas últimas décadas, o pesquisador destacou que os desafios atuais são de outra natureza, marcados pela diminuição do financiamento internacional e por um cenário político global desfavorável às políticas de saúde pública.
“A Organização das Nações Unidas [ONU] e a UNAIDS anunciam há quase dez anos o fim próximo da Aids, mas hoje parece que estamos vivendo mais o fim da resposta global frente à pandemia do que o fim da própria Aids”, apontou Parker.
De acordo com o pesquisador, muitos dos principais doadores internacionais recuaram do campo do HIV/Aids nos últimos anos.
Fundos tradicionais, antes mantidos por grandes fundações filantrópicas, reduziram ou encerraram suas atividades na área.
Ao mesmo tempo, instituições que desempenharam papel decisivo nas décadas de 1990 e 2000 — como a Fundação Ford e o Banco Mundial — deixaram de apoiar projetos voltados especificamente para a epidemia, encerrando suas linhas de financiamento.
Com essa retirada progressiva, o cenário passou a depender cada vez mais de poucos financiadores, especialmente fundações privadas e empresas farmacêuticas sediadas nos Estados Unidos.
A concentração aumentou tanto que dois doadores passaram a responder por mais da metade de todos os recursos privados destinados à luta contra o HIV no mundo. No âmbito governamental, a tendência foi semelhante.
“Os outros países doadores foram diminuindo sua contribuição ao longo dos anos 2010. O orçamento ficou estável porque a contribuição do governo americano subiu, chegando a concentrar cerca de 70% dos recursos internacionais.”, contou.
Esse modelo de financiamento, concentrado majoritariamente nos Estados Unidos, deixou toda a estrutura global de enfrentamento ao HIV exposta a instabilidades políticas e econômicas — uma fragilidade que, segundo Parker, acabou se confirmando.
“Com quase dois terços ou três quartos de todo o dinheiro para a saúde global concentrados nos Estados Unidos, criamos uma ‘tempestade perfeita’ caso algo desse errado no país”, explicou.
A ‘tempestade perfeita’ começou a ganhar forma com a pandemia de Covid-19. Segundo Parker, a crise sanitária mundial deslocou a atenção política e financeira do HIV/Aids, interrompendo iniciativas, atrasando repasses e reduzindo significativamente a visibilidade do tema na agenda internacional.
Embora os recursos não tenham desaparecido por completo, houve uma pausa abrupta no fluxo de investimentos. Ao mesmo tempo, países mais ricos concentraram esforços em suas próprias respostas à Covid, o que deixou nações de baixa e média renda ainda mais desassistidas nas ações de prevenção e tratamento do HIV/Aids.
De acordo com o pesquisador, o quadro se agravou com a reeleição de Donald Trump em 2025, cujas decisões impactaram diretamente os principais pilares da saúde global.
Dentre as primeiras medidas do presidente estadunidense, destacou-se a saída dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS), o fechamento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e cortes substanciais no Plano de Emergência do Presidente dos Estados Unidos para o Alívio da Aids (PEPFAR) e no UNAIDS.
Para o sociólogo, as consequências das medidas anunciadas pelo governo Trump são severas e imediatas, ainda que sua implementação definitiva dependa de longas disputas políticas e judiciais nos Estados Unidos.
O impacto também chega ao Brasil. Programas mantidos com financiamento estadunidense foram rapidamente atingidos, como o ‘A Hora é Agora’, que sofreu cortes e restrições operacionais. Parker lembrou que, embora o país tenha consolidado políticas próprias, não está isolado dos efeitos das crises externas.
“O Brasil não é uma ilha. Em um mundo globalizado, não há como deixar de ser afetado por crises externas”, afirmou.
Na sequência, Kenneth Camargo Jr. ampliou o debate ao conectar o enfraquecimento da resposta global ao HIV com transformações políticas e econômicas das últimas décadas. Para ele, a ascensão de governos conservadores e a crise do multilateralismo — que enfraquece instituições como a ONU e a OMS — têm impacto direto na capacidade dos países de manter políticas sustentáveis de saúde.
“Criou-se um campo fértil para a reemergência da extrema-direita em escala global, e sua agenda ideológica choca de frente com qualquer política de enfrentamento de pandemia, especialmente no caso da Aids”, observou.
Apesar das incertezas, os especialistas reforçaram que a história da resposta ao HIV/Aids mostra que transformações profundas só ocorreram quando governos, pesquisadores e sociedade civil atuaram juntos.
Nesse contexto, a retração internacional e as crises políticas recentes não apenas impõem novos obstáculos, mas também colocam diante da comunidade global a chance — e a responsabilidade — de reconstruir alianças e renovar compromissos.
Para Kenneth, essa reconstrução passa, necessariamente, pelo protagonismo do Sul Global. Países como o Brasil precisam assumir a liderança na defesa do acesso universal a medicamentos, na cooperação internacional em saúde e na construção de respostas solidárias.
As mudanças no financiamento internacional da saúde e os rumos do combate à Aids foram debatidos por especialistas no segundo dia (5/12) do 4º Ato do Simpósio IOC Jubileu 125 anos.
Em sessão conjunta ao Centro de Estudos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), a palestra ‘Uma análise crítica das tendências de financiamento internacional para atividades em HIV e Aids’ também marcou o Dia Mundial de Luta contra a Aids, comemorado em 1º de dezembro.
A resposta internacional ao Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), que durante décadas foi exemplo de mobilização global e solidariedade entre países, vive hoje uma crise profunda, marcada pela diminuição de doações para programas que, historicamente, financiaram as ações de prevenção e tratamento.
O diagnóstico foi apresentado pelo sociólogo Richard Parker, professor emérito da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e visitante da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que ministrou a palestra.
Assista ao evento na íntegra:
Com transmissão ao vivo pelo Canal IOC, o encontro foi mediado pelo pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Kenneth Camargo Jr, e ainda contou com a participação da pesquisadora do Laboratório de Educação em Ambiente e Saúde, Simone Monteiro, e da vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Marly Marques da Cruz.
Abrindo o evento, a diretora do IOC, Tania Araujo-Jorge, comemorou a eliminação da transmissão vertical do HIV — de mães para filhos — como um problema de saúde pública no Brasil, resultado de políticas públicas de prevenção, diagnóstico e cuidado.
Para ela, esse marco nacional torna o debate sobre financiamento internacional ainda mais urgente, a fim de garantir que os avanços obtidos aqui se mantenham e possam ser ampliados nos próximos anos.
De acordo com a UNAIDS, cerca de 40,8 milhões de pessoas em todo o mundo vivem com HIV. No Brasil, o número estimado é de aproximadamente 1 milhão.
Identificada no início da década de 1980, a Aids rapidamente se consolidou como uma das maiores emergências sanitárias da história contemporânea.
A ausência de tratamento eficaz nos primeiros anos de epidemia expôs desigualdades profundas e provocou forte estigmatização das populações mais afetadas, ao mesmo tempo em que impulsionou o surgimento de movimentos sociais e redes comunitárias que transformaram a forma de fazer saúde pública no mundo.
Segundo Parker, o período foi marcado por mobilizações globais, que reuniram governos, pesquisadores, organizações sem fins lucrativos e a sociedade civil em torno de um objetivo comum.
Essa articulação histórica contribuiu para ampliar o acesso a medicamentos antirretrovirais, que transformaram o HIV em uma doença crônica controlável.

Apesar dos avanços conquistados nas últimas décadas, o pesquisador destacou que os desafios atuais são de outra natureza, marcados pela diminuição do financiamento internacional e por um cenário político global desfavorável às políticas de saúde pública.
“A Organização das Nações Unidas [ONU] e a UNAIDS anunciam há quase dez anos o fim próximo da Aids, mas hoje parece que estamos vivendo mais o fim da resposta global frente à pandemia do que o fim da própria Aids”, apontou Parker.
De acordo com o pesquisador, muitos dos principais doadores internacionais recuaram do campo do HIV/Aids nos últimos anos.
Fundos tradicionais, antes mantidos por grandes fundações filantrópicas, reduziram ou encerraram suas atividades na área.
Ao mesmo tempo, instituições que desempenharam papel decisivo nas décadas de 1990 e 2000 — como a Fundação Ford e o Banco Mundial — deixaram de apoiar projetos voltados especificamente para a epidemia, encerrando suas linhas de financiamento.
Com essa retirada progressiva, o cenário passou a depender cada vez mais de poucos financiadores, especialmente fundações privadas e empresas farmacêuticas sediadas nos Estados Unidos.
A concentração aumentou tanto que dois doadores passaram a responder por mais da metade de todos os recursos privados destinados à luta contra o HIV no mundo. No âmbito governamental, a tendência foi semelhante.
“Os outros países doadores foram diminuindo sua contribuição ao longo dos anos 2010. O orçamento ficou estável porque a contribuição do governo americano subiu, chegando a concentrar cerca de 70% dos recursos internacionais.”, contou.
Esse modelo de financiamento, concentrado majoritariamente nos Estados Unidos, deixou toda a estrutura global de enfrentamento ao HIV exposta a instabilidades políticas e econômicas — uma fragilidade que, segundo Parker, acabou se confirmando.
“Com quase dois terços ou três quartos de todo o dinheiro para a saúde global concentrados nos Estados Unidos, criamos uma ‘tempestade perfeita’ caso algo desse errado no país”, explicou.
A ‘tempestade perfeita’ começou a ganhar forma com a pandemia de Covid-19. Segundo Parker, a crise sanitária mundial deslocou a atenção política e financeira do HIV/Aids, interrompendo iniciativas, atrasando repasses e reduzindo significativamente a visibilidade do tema na agenda internacional.
Embora os recursos não tenham desaparecido por completo, houve uma pausa abrupta no fluxo de investimentos. Ao mesmo tempo, países mais ricos concentraram esforços em suas próprias respostas à Covid, o que deixou nações de baixa e média renda ainda mais desassistidas nas ações de prevenção e tratamento do HIV/Aids.
De acordo com o pesquisador, o quadro se agravou com a reeleição de Donald Trump em 2025, cujas decisões impactaram diretamente os principais pilares da saúde global.
Dentre as primeiras medidas do presidente estadunidense, destacou-se a saída dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS), o fechamento da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e cortes substanciais no Plano de Emergência do Presidente dos Estados Unidos para o Alívio da Aids (PEPFAR) e no UNAIDS.
Para o sociólogo, as consequências das medidas anunciadas pelo governo Trump são severas e imediatas, ainda que sua implementação definitiva dependa de longas disputas políticas e judiciais nos Estados Unidos.
O impacto também chega ao Brasil. Programas mantidos com financiamento estadunidense foram rapidamente atingidos, como o ‘A Hora é Agora’, que sofreu cortes e restrições operacionais. Parker lembrou que, embora o país tenha consolidado políticas próprias, não está isolado dos efeitos das crises externas.
“O Brasil não é uma ilha. Em um mundo globalizado, não há como deixar de ser afetado por crises externas”, afirmou.
Na sequência, Kenneth Camargo Jr. ampliou o debate ao conectar o enfraquecimento da resposta global ao HIV com transformações políticas e econômicas das últimas décadas. Para ele, a ascensão de governos conservadores e a crise do multilateralismo — que enfraquece instituições como a ONU e a OMS — têm impacto direto na capacidade dos países de manter políticas sustentáveis de saúde.
“Criou-se um campo fértil para a reemergência da extrema-direita em escala global, e sua agenda ideológica choca de frente com qualquer política de enfrentamento de pandemia, especialmente no caso da Aids”, observou.
Apesar das incertezas, os especialistas reforçaram que a história da resposta ao HIV/Aids mostra que transformações profundas só ocorreram quando governos, pesquisadores e sociedade civil atuaram juntos.
Nesse contexto, a retração internacional e as crises políticas recentes não apenas impõem novos obstáculos, mas também colocam diante da comunidade global a chance — e a responsabilidade — de reconstruir alianças e renovar compromissos.
Para Kenneth, essa reconstrução passa, necessariamente, pelo protagonismo do Sul Global. Países como o Brasil precisam assumir a liderança na defesa do acesso universal a medicamentos, na cooperação internacional em saúde e na construção de respostas solidárias.
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)