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Doença de Chagas: passado, presente e futuro

Quarto encontro do 7º Ciclo Carlos Chagas de Palestras discutiu contexto histórico da descrição do agravo e importância da preservação da memória
Por Maíra Menezes17/10/2019 - Atualizado em 26/03/2021

Cento e dez anos depois, os debates desencadeados pela descoberta da doença de Chagas apontam questões importantes para compreender o presente e pensar o futuro, tanto em relação ao agravo quanto ao exercício da atividade científica no Brasil. Com a participação da cientista social Simone Kropf, pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), e da historiadora Aline Lacerda, chefe do Departamento de Arquivo e Documentação da COC, a sessão de encerramento do 7º Ciclo Carlos Chagas de Palestras, realizada no dia 12 de julho, discutiu o contexto histórico da enfermidade e importância da preservação da memória. Considerando o marco de onze décadas da descrição do ciclo da doença, o evento contou com quatro sessões este ano, realizadas entre abril e julho, de forma integrada ao Centro de Estudos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). 

A discussão sobre a perspectiva histórica da doença encerrou o 7º Ciclo Carlos Chagas de Palestras, que marcou os 110 anos da descrição do agravo. Foto: Gutemberg Brito

A pesquisadora Joseli Lannes, chefe do Laboratório de Biologia das Interações, que organizou o Ciclo em parceria com a pesquisadora Marli Lima, chefe do Laboratório de Ecoepidemiologia da Doença de Chagas, apontou a importância de múltiplos olhares sobre o agravo. “Nos quatro encontros, conseguimos abordar os aspectos biomédicos e sociais, os desafios para o futuro e a perspectiva histórica, apresentando diferentes visões sobre a doença”, afirmou Joseli, ressaltando ainda a necessidade de aumentar a visibilidade para manter a enfermidade na agenda da ciência e da saúde pública. “Este ano, tivemos, finalmente, a declaração oficial de 14 de abril como Dia Mundial da Doença de Chagas. Esperamos que a data estimule ainda mais o debate sobre a infecção, que tem grande impacto na população brasileira”, afirmou.

A declaração do Dia Mundial aconteceu em maio, durante 72ª Assembleia Mundial da Saúde, que reuniu delegações de todos os estados-membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) em Genebra, na Suíça. A decisão ocorreu após intensa mobilização de pacientes, com apoio de pesquisadores e profissionais da área da saúde [saiba mais aqui].

Doença do Brasil

Simone Kropf apontou que a doença de Chagas foi apresentada, desde o início, como um problema científico e social. Considerando o contexto histórico do país, que passava por um período de intensa modernização no começo do século XX, a descrição do agravo expôs a face do Brasil rural, marcado pela miséria e pela ausência do poder público. “Essa é uma denúncia que Carlos Chagas faz em todos os seus pronunciamentos, ressaltando a importância de olhar para o interior”, destacou a pesquisadora.

Segundo Simone Kropf, a descoberta da doença de Chagas desencadeou um debate científico permeado por questões políticas e pessoais. Foto: Gutemberg Brito

A descrição do ciclo da doença, juntamente com a identificação do parasito causador da infecção, batizado como Trypanosoma cruzi em homenagem a Oswaldo Cruz; e do inseto vetor, popularmente conhecido como barbeiro, foi um elemento fundamental para o reconhecimento da competência científica do Instituto Oswaldo Cruz e da ciência brasileira, resultando em premiações nacionais e internacionais. Ao mesmo tempo, como ocorre naturalmente no processo de evolução do conhecimento científico, o evento foi alvo de controvérsias.

Segundo Simone, houve um intenso debate científico permeado por questões políticas e pessoais, que ganhou a imprensa e mobilizou a sociedade. “Afranio Peixoto [que apresentou, na Academia Nacional de Medicina, os principais questionamentos sobre aspectos clínicos, distribuição geográfica e autoria da descoberta] era contrário à ideia de criação da especialidade de medicina tropical no Brasil porque isso reforçaria estereótipos europeus em relação ao país. Já Carlos Chagas dizia que a especialidade nos permitiria estudar e combater os nossos problemas. Peixoto também considerava que a caracterização do Brasil como um imenso hospital era um exagero, que afugentava imigrantes e investidores, enquanto Chagas afirmava que não se poderia tapar o sol com a peneira”, pontuou Simone.

Além da atuação como pesquisador, diretor do Instituto Oswaldo Cruz e diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), Simone destacou as lições que Chagas deixou como professor. “Quando se tornou catedrático de Medicina Tropical da Universidade do Brasil, em 1926, ele afirmou, em seu discurso, que os estudantes deveriam ser formados para tratar não apenas as doenças dos grandes centros em suas clínicas privadas, mas as endemias rurais, que atingem a população pobre do país. É uma lição que permanece atual para todos os estudantes”, declarou.

Acervo fotográfico

A importância de Carlos Chagas na história do IOC se reflete nos arquivos sob guarda da COC. No arquivo institucional, apenas Oswaldo Cruz e Chagas contam com séries especiais de imagens. Fotografias do cientista também são encontradas no Arquivo Carlos Chagas, doado pela família à instituição. Segundo Aline Lacerda, os dois acervos têm tamanho semelhante, com 255 registros na série Carlos Chagas do Arquivo IOC e 253 no Arquivo Pessoal. Além disso, ambos reúnem fotografias que mostram a atuação profissional, como pesquisador, diretor do IOC e do DNSP, e a vida pessoal do cientista. “Carlos Chagas não foi uma pessoa que colecionou muitas fotografias. No Arquivo Pessoal, o maior volume de fotos é como gestor da ciência e da saúde pública. De sua atuação como pesquisador, há imagens, sobretudo, do período em Lassance (MG), onde ele identificou a doença de Chagas”, apontou a pesquisadora.

Aline Lacerda destacou a presença de diversas versões das imagens de Carlos Chagas no acervo, evidenciando seu alto valor simbólico. Foto: Gutemberg Brito

Entre os registros apresentados na palestra estavam uma foto do cientista com a filha no castelo de Manguinhos; uma imagem com a família em frente ao navio após a chegada de uma viagem aos Estados Unidos; e outra do pesquisador observando uma criança, na cidade de Lassance, com o vagão de trem que servia como laboratório ao fundo. “As imagens atomizadas podem ser vistas como pequenas janelas que fazem chegar a um mundo que aconteceu. Mas nos arquivos não existe apenas a visão atomizada. É no conjunto que podemos obter os dados de sentido que não estão em dada imagem”, comentou Aline.

A presença de diversas versões das fotos do cientista no acervo, com diferentes retoques e recortes, foi destacada na palestra. De acordo com a historiadora, as imagens evidenciam o valor simbólico de Carlos Chagas para a instituição. “O IOC produzia e explorava muito os retratos de seus dois mitos fundadores: Oswaldo Cruz e Carlos Chagas”, observou Aline, lembrando que, pela sua relevância, o Arquivo Carlos Chagas, incluindo fotografias e documentos, integra o Programa Memória do Mundo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Divulgação científica

A sessão do Ciclo Carlos Chagas de Palestras contou ainda com a apresentação de uma cartilha produzida pelo Laboratório de Biodiversidade Entomológica para identificação de espécies de triatomíneos transmissores da doença de Chagas no Nordeste do Brasil. “O objetivo é reunir informações disponíveis em artigos científicos, incluindo dados de distribuição geográfica e características-chave para identificação, de forma acessível para os profissionais dos serviços de saúde, professores e estudantes”, afirmou a pesquisadora Jane Costa, curadora da Coleção Entomológica do IOC. A publicação está disponível para download.

Quarto encontro do 7º Ciclo Carlos Chagas de Palestras discutiu contexto histórico da descrição do agravo e importância da preservação da memória
Por: 
maira

Cento e dez anos depois, os debates desencadeados pela descoberta da doença de Chagas apontam questões importantes para compreender o presente e pensar o futuro, tanto em relação ao agravo quanto ao exercício da atividade científica no Brasil. Com a participação da cientista social Simone Kropf, pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), e da historiadora Aline Lacerda, chefe do Departamento de Arquivo e Documentação da COC, a sessão de encerramento do 7º Ciclo Carlos Chagas de Palestras, realizada no dia 12 de julho, discutiu o contexto histórico da enfermidade e importância da preservação da memória. Considerando o marco de onze décadas da descrição do ciclo da doença, o evento contou com quatro sessões este ano, realizadas entre abril e julho, de forma integrada ao Centro de Estudos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). 

A discussão sobre a perspectiva histórica da doença encerrou o 7º Ciclo Carlos Chagas de Palestras, que marcou os 110 anos da descrição do agravo. Foto: Gutemberg Brito

A pesquisadora Joseli Lannes, chefe do Laboratório de Biologia das Interações, que organizou o Ciclo em parceria com a pesquisadora Marli Lima, chefe do Laboratório de Ecoepidemiologia da Doença de Chagas, apontou a importância de múltiplos olhares sobre o agravo. “Nos quatro encontros, conseguimos abordar os aspectos biomédicos e sociais, os desafios para o futuro e a perspectiva histórica, apresentando diferentes visões sobre a doença”, afirmou Joseli, ressaltando ainda a necessidade de aumentar a visibilidade para manter a enfermidade na agenda da ciência e da saúde pública. “Este ano, tivemos, finalmente, a declaração oficial de 14 de abril como Dia Mundial da Doença de Chagas. Esperamos que a data estimule ainda mais o debate sobre a infecção, que tem grande impacto na população brasileira”, afirmou.

A declaração do Dia Mundial aconteceu em maio, durante 72ª Assembleia Mundial da Saúde, que reuniu delegações de todos os estados-membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) em Genebra, na Suíça. A decisão ocorreu após intensa mobilização de pacientes, com apoio de pesquisadores e profissionais da área da saúde [saiba mais aqui].

Doença do Brasil

Simone Kropf apontou que a doença de Chagas foi apresentada, desde o início, como um problema científico e social. Considerando o contexto histórico do país, que passava por um período de intensa modernização no começo do século XX, a descrição do agravo expôs a face do Brasil rural, marcado pela miséria e pela ausência do poder público. “Essa é uma denúncia que Carlos Chagas faz em todos os seus pronunciamentos, ressaltando a importância de olhar para o interior”, destacou a pesquisadora.

Segundo Simone Kropf, a descoberta da doença de Chagas desencadeou um debate científico permeado por questões políticas e pessoais. Foto: Gutemberg Brito

A descrição do ciclo da doença, juntamente com a identificação do parasito causador da infecção, batizado como Trypanosoma cruzi em homenagem a Oswaldo Cruz; e do inseto vetor, popularmente conhecido como barbeiro, foi um elemento fundamental para o reconhecimento da competência científica do Instituto Oswaldo Cruz e da ciência brasileira, resultando em premiações nacionais e internacionais. Ao mesmo tempo, como ocorre naturalmente no processo de evolução do conhecimento científico, o evento foi alvo de controvérsias.

Segundo Simone, houve um intenso debate científico permeado por questões políticas e pessoais, que ganhou a imprensa e mobilizou a sociedade. “Afranio Peixoto [que apresentou, na Academia Nacional de Medicina, os principais questionamentos sobre aspectos clínicos, distribuição geográfica e autoria da descoberta] era contrário à ideia de criação da especialidade de medicina tropical no Brasil porque isso reforçaria estereótipos europeus em relação ao país. Já Carlos Chagas dizia que a especialidade nos permitiria estudar e combater os nossos problemas. Peixoto também considerava que a caracterização do Brasil como um imenso hospital era um exagero, que afugentava imigrantes e investidores, enquanto Chagas afirmava que não se poderia tapar o sol com a peneira”, pontuou Simone.

Além da atuação como pesquisador, diretor do Instituto Oswaldo Cruz e diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), Simone destacou as lições que Chagas deixou como professor. “Quando se tornou catedrático de Medicina Tropical da Universidade do Brasil, em 1926, ele afirmou, em seu discurso, que os estudantes deveriam ser formados para tratar não apenas as doenças dos grandes centros em suas clínicas privadas, mas as endemias rurais, que atingem a população pobre do país. É uma lição que permanece atual para todos os estudantes”, declarou.

Acervo fotográfico

A importância de Carlos Chagas na história do IOC se reflete nos arquivos sob guarda da COC. No arquivo institucional, apenas Oswaldo Cruz e Chagas contam com séries especiais de imagens. Fotografias do cientista também são encontradas no Arquivo Carlos Chagas, doado pela família à instituição. Segundo Aline Lacerda, os dois acervos têm tamanho semelhante, com 255 registros na série Carlos Chagas do Arquivo IOC e 253 no Arquivo Pessoal. Além disso, ambos reúnem fotografias que mostram a atuação profissional, como pesquisador, diretor do IOC e do DNSP, e a vida pessoal do cientista. “Carlos Chagas não foi uma pessoa que colecionou muitas fotografias. No Arquivo Pessoal, o maior volume de fotos é como gestor da ciência e da saúde pública. De sua atuação como pesquisador, há imagens, sobretudo, do período em Lassance (MG), onde ele identificou a doença de Chagas”, apontou a pesquisadora.

Aline Lacerda destacou a presença de diversas versões das imagens de Carlos Chagas no acervo, evidenciando seu alto valor simbólico. Foto: Gutemberg Brito

Entre os registros apresentados na palestra estavam uma foto do cientista com a filha no castelo de Manguinhos; uma imagem com a família em frente ao navio após a chegada de uma viagem aos Estados Unidos; e outra do pesquisador observando uma criança, na cidade de Lassance, com o vagão de trem que servia como laboratório ao fundo. “As imagens atomizadas podem ser vistas como pequenas janelas que fazem chegar a um mundo que aconteceu. Mas nos arquivos não existe apenas a visão atomizada. É no conjunto que podemos obter os dados de sentido que não estão em dada imagem”, comentou Aline.

A presença de diversas versões das fotos do cientista no acervo, com diferentes retoques e recortes, foi destacada na palestra. De acordo com a historiadora, as imagens evidenciam o valor simbólico de Carlos Chagas para a instituição. “O IOC produzia e explorava muito os retratos de seus dois mitos fundadores: Oswaldo Cruz e Carlos Chagas”, observou Aline, lembrando que, pela sua relevância, o Arquivo Carlos Chagas, incluindo fotografias e documentos, integra o Programa Memória do Mundo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Divulgação científica

A sessão do Ciclo Carlos Chagas de Palestras contou ainda com a apresentação de uma cartilha produzida pelo Laboratório de Biodiversidade Entomológica para identificação de espécies de triatomíneos transmissores da doença de Chagas no Nordeste do Brasil. “O objetivo é reunir informações disponíveis em artigos científicos, incluindo dados de distribuição geográfica e características-chave para identificação, de forma acessível para os profissionais dos serviços de saúde, professores e estudantes”, afirmou a pesquisadora Jane Costa, curadora da Coleção Entomológica do IOC. A publicação está disponível para download.

Edição: 
Vinicius Ferreira

Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)