Mosquitos coletados em quatro bairros foram submetidos a testes laboratoriais usando duas linhagens do vÃrus que circulam na cidade
Pesquisa realizada pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) aponta que os mosquitos Culex quinquefasciatus do Rio de Janeiro não possuem competência vetorial para transmitir as linhagens locais do vÃrus Zika. A participação desta espécie (popularmente conhecida como pernilongo ou muriçoca) no ciclo de transmissão da doença é uma das hipóteses investigadas para explicar a rápida disseminação do vÃrus Zika pelo paÃs. Para comparação, também foram estudados mosquitos Aedes aegypti, constatando-se, em contraste, sua alta capacidade de transmissão do patógeno. Estas evidências cientÃficas reforçam que as estratégias de controle de Zika devem permanecer focadas no Aedes aegypti, principal vetor do vÃrus nas Américas. O Instituto Pasteur de Paris é parceiro do estudo, publicado na revista cientÃfica ‘Plos Neglected Tropical DiseasesÂ’.
Foto: VinÃcius Ferreira

Integrante do Laboratório analisa placas de cultura de células inoculadas com amostras de saliva de mosquitos Aedes aegypti (superior) e Culex quinquefasciatus (inferior). Enquanto a placa superior evidencia a destruição das células pelo vÃrus Zika, na placa inferior não houve dano.
De janeiro a março de 2016, o Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do IOC coletou ovos e larvas de Culex quinquefasciatus em quatro bairros da cidade do Rio de Janeiro: Manguinhos e Triagem, na Zona Norte, Jacarepaguá, na Zona Oeste, e Copacabana, na Zona Sul. Os ovos e larvas foram levados para o laboratório e, quando atingiram a fase de mosquitos adultos, foram separados em gaiolas. Em seguida, foram alimentados com sangue infectado com o vÃrus Zika. Para isso, foram usadas duas linhagens locais do vÃrus, isoladas, em janeiro, pelo Laboratório de Biologia Molecular de FlavivÃrus do IOC, a partir de amostras de pacientes do Rio de Janeiro. “Utilizamos mosquitos coletados diretamente em campo e linhagens do vÃrus circulantes na cidade na mesma época para que o resultado pudesse ser o mais fiel possÃvel à realidade do Rio de Janeiro”, explica Ricardo Lourenço, chefe do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários e coordenador do estudo. Metodologia
Cerca de 30 mosquitos de cada gaiola foram analisados aos 7, aos 14 e aos 21 dias após a alimentação com sangue infectado. Foram testadas as seguintes partes do corpo: abdômen/tórax (onde estão localizados o estômago, onde o sangue se aloja logo após a alimentação, e as glândulas salivares do mosquito), cabeça (para verificar se ocorreu disseminação do vÃrus no corpo do mosquito depois da ingestão) e saliva (para verificar a possibilidade de transmissão do vÃrus durante a picada). As amostras de abdômen/tórax e cabeça foram analisadas por meio de duas técnicas: RT-PCR em tempo real e a inoculação em cultura de células Vero (derivadas de rim de macacos), um método amplamente usado em estudos sobre atividade viral no caso da famÃlia dos flavivÃrus, à qual pertencem os vÃrus Zika e dengue. Enquanto a técnica de RT-PCR em tempo real é capaz de detectar e quantificar o material genético do vÃrus, a metodologia de análise em células Vero é recomendada para identificar se o vÃrus está ativo (capaz de causar infecção em vertebrados). Em relação à s amostras de saliva, foi usada apenas a técnica de inoculação em células Vero, uma vez que o baixo volume de saliva expelida pelo vetor não permitiria a aplicação de uma segunda técnica.
Foto: Josué Damacena

Em detalhe, placas com amostras de saliva de mosquitos Aedes aegypti (direita) e Culex quinquefasciatus (esquerda) inoculadas em células Vero. Enquanto a placa da direita evidencia a destruição das células Vero pelo vÃrus Zika proveniente de Aedes, na placa da esquerda não há demonstração de infecção viral
Resultados
Foram mais de mil amostras analisadas, referentes a 392 mosquitos. Somente em dois exemplares de mosquitos Culex quinquefasciatus, provenientes dos bairros de Triagem e Manguinhos, foi detectada infecção inicial no abdômen/tórax, no perÃodo de 14 dias após a alimentação com sague infectado, e nenhuma partÃcula viral foi identificada na cabeça e nem na saliva desses mesmos mosquitos. “O achado indica que o vÃrus Zika não consegue se disseminar completamente pelo corpo do Culex quinquefasciatus. Logo, os dados mostram que o inseto não é capaz de transmitir o patógeno, uma vez que não há presença de partÃculas infectantes do vÃrus na saliva que possam ser expelidas no momento da picada e infectar um ser humano”, explica Lourenço. Para uma análise comparativa, os mesmos protocolos foram usados para testar mosquitos Aedes aegypti também do Rio de Janeiro, provenientes dos bairros da Urca, na Zona Sul, e de Paquetá, ilha situada na BaÃa de Guanabara. Os resultados foram completamente distintos: enquanto as taxas de infecção no abdômen/tórax entre os Culex quinquefasciatus foram mÃnimas (apenas dois exemplares, após 14 dias de alimentação com sangue infectado), altos Ãndices de infecção no abdômen/tórax foram verificados entre 85% a 97% dos Aedes aegypti testados após 14 e 21 dias da alimentação com sangue infectado, independentemente da linhagem do vÃrus Zika usada no experimento. “Chegamos a detectar Aedes que em apenas sete dias após a alimentação já apresentavam infecção no abdômen/tórax”, enfatiza Ricardo. Se, nos Culex quinquefasciatus, não foram observadas partÃculas virais na saliva em nenhum perÃodo de tempo após a alimentação com sangue infectado, mais de 90% dos Aedes apresentaram vÃrus ativo na saliva 14 dias após a alimentação. “Pouco é sabido sobre o vÃrus zika e sua interação com o organismo do mosquito. É possÃvel que a combinação entre as variações genéticas dos vÃrus e as variações genéticas dos mosquitos, ao longo de sua distribuição territorial, impacte na competência para a transmissão. O que podemos dizer é que, com base em amostras representativas tanto para os mosquitos quanto para o vÃrus Zika, no Rio de Janeiro, os resultados, até o momento, apontam que o foco para o controle da doença, no Brasil e em áreas endêmicas nas Américas, deve permanecer na eliminação de criadouros do mosquito Aedes aegypti”, avalia o pesquisador. Parceira do estudo, a pesquisadora Anna-Bella Failloux, chefe da unidade de Arboviroses e Insetos Vetores do Instituto Pasteur de Paris, ressalta a importância do resultado. “O trabalho em conjunto com a equipe do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários está nos permitindo, mais uma vez, contribuir diante de uma emergência de saúde mundial. Essa colaboração ocorre no contexto da rede internacional dos Institutos Pasteur, que conta com 33 unidades em diversos paÃses e da qual o Instituto Oswaldo Cruz e a Fiocruz fazem parte”, acrescenta a cientista.
Foto: Josué Damacena

A partir dos resultados, os pesquisadores Ricardo Lourenço e Anna Bella Failloux consideram que o combate à Zika deve ter como foco os criadouros do mosquito Aedes aegypti
Inseto vetor
Para determinar que a transmissão de uma doença é realizada por uma determinada espécie de inseto vetor é necessário realizar duas constatações. Além de comprovar em laboratório que este vetor é capaz de transmitir o vÃrus, por meio de testes que avaliam a capacidade de transmissão, é necessário localizar na natureza exemplares desta espécie que estejam infectados com o vÃrus (o que é chamada de infecção natural). Há mais de um ano, a equipe liderada por Lourenço coleta mosquitos em localidades onde foram identificados casos de Zika, no Estado do Rio de Janeiro. Dos mais de mil mosquitos adultos capturados, cerca da metade era da espécie Aedes aegypti e a outra de Culex quinquefasciatus. A partir desse trabalho, um resultado inédito foi divulgado em maio de 2016, quando, pela primeira vez no Brasil e na América do Sul, mosquitos Aedes aegypti naturalmente infectados com o vÃrus Zika foram identificados. Por meio da técnica de RT-PCR em tempo real foi possÃvel identificar a presença do material genético do vÃrus Zika. Quando comparado com amostras de vÃrus circulantes em humanos no Rio de Janeiro, foi constatada similaridade genética superior a 99%. Nenhum mosquito Culex quinquefasciatus foi encontrado com infecção natural do vÃrus Zika ao longo das coletas realizadas até o momento. “Este é um trabalho antigo, que realizamos há mais de uma década, incialmente com foco em dengue, e, mais recentemente, ampliado para Zika e chikungunya”, diz Lourenço, acrescentando que as coletas continuam. Outros estudos sobre o Culex
A capacidade de determinado mosquito vetor para transmitir um agente patogênico pode variar de acordo com combinações especÃficas da linhagem viral e do genótipo do inseto. No caso do vÃrus Zika, diversas iniciativas estão empenhadas em investigar esta associação, considerando mosquitos de diferentes regiões e vÃrus que circularam em locais e momentos distintos. Estudo realizado por pesquisadores na Fiocruz Pernambuco, divulgado em julho, detectou a presença natural do vÃrus Zika em mosquitos Culex quinquefasciatus coletados na cidade do Recife. O mesmo grupo anunciou que, durante experimentos de competência vetorial realizados em laboratório, a partir do terceiro dia após a alimentação artificial dos mosquitos, a presença do vÃrus foi verificada nas glândulas salivares de mosquitos Culex quinquefasciatus, usando-se a técnica de microscopia eletrônica. Também foi observada, pela técnica de RT-PCR quantitativa, a presença do vÃrus na saliva expelida pelos mosquitos infectados. No estudo de infecção laboratorial, os mosquitos foram infectados oralmente com a linhagem ZIKU BRPE243/2015 do vÃrus Zika. Estudos adicionais estão em andamento. No México, após ampla varredura, pesquisadores da Universidade do Texas Medical Branch, dos Estados Unidos, identificaram somente mosquitos Aedes aegypti naturalmente infectados com o vÃrus Zika. Nenhum mosquito Culex quinquefasciatus foi encontrado naturalmente infectado. O artigo foi publicado no ‘The Journal of Infectious DiseasesÂ’. Já especialistas da Universidade de Wisconsin, também dos Estados Unidos, constataram, após testes laboratoriais realizados com a linhagem asiática do Zika, que mosquitos da espécie Culex pipiens são incapazes de transmitir o vÃrus, ao passo que Aedes aegypti testados simultaneamente foram competentes para transmitir o vÃrus. A pesquisa foi publicada no periódico ‘Emerging Infectious DiseasesÂ’. Ambos os achados foram divulgados em julho. Em agosto, outro grupo de especialistas da Universidade do Texas Medical Branch divulgou estudo mostrando que mosquitos Aedes aegypti apresentaram eficiência vetorial para transmissão do vÃrus, diferentemente dos insetos da espécie Culex quinquefasciatus, que foram incapazes de transmitir. No processo de infecção experimental, foram usadas linhagens do vÃrus Zika isoladas em 2010, no Camboja. Os dados foram disponibilizados no site da instituição. Pesquisadores da Kansas University testaram a capacidade de transmissão de Zika por mosquitos Culex quinquefasciatus e Culex pipiens coletados nas localidades de Vero Beach, na Flórida, de Anderson, na Califórnia, e de Ewing, em Nova Jersey, todas nos Estados Unidos. Os mosquitos foram alimentados com sangue infectado com a linhagem asiática do vÃrus Zika, isolado em 2015, de um paciente de Porto Rico. No artigo, publicado em agosto na revista cientÃfica ‘Vector-Borne and Zoonotic DiseasesÂ’, foi demonstrado que a probabilidade de transmissão do vÃrus pelas espécies é baixa. Embora a infecção e disseminação do Zika tenha sido detectada nas três populações de mosquitos imediatamente após a alimentação, a detecção viral não foi confirmada pelo método de RT-PCR em nenhuma das populações aos 7 e aos 14 dias após a infecção, indicando que o patógeno não chegou à s glândulas salivares. Em estudo publicado em setembro no periódico europeu ‘EurosurveillanceÂ’, pesquisadores do Instituto Pasteur em colaboração com o Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do IOC, constataram que mosquitos Culex quinquefasciatus, da Califórnia, nos Estados Unidos, e Culex pipiens, de Tabarka, na TunÃsia, não são competentes para transmitir a linhagem asiática do vÃrus Zika, a mesma que circula no Brasil. A conclusão veio após dois diferentes testes. Além da alimentação oral com sangue infectado com o vÃrus Zika isolado em 2014, na Nova Caledônia, os especialistas inocularam uma alta taxa de vÃrus diretamente no tórax dos mosquitos. Mesmo com a infecção forçada, de forma a ‘pularÂ’ a passagem do vÃrus pelo estômago, não foi observada a presença de vÃrus infectante na saliva expelida pelos mosquitos. Logo, não houve eficiência para transmissão. Na mesma edição da ‘EurosurveillanceÂ’, uma pesquisa realizada na Itália apontou que mosquitos Culex pipiens coletados no paÃs não são capazes de transmitir o vÃrus Zika. De forma comparativa, a competência vetorial dos mosquitos Aedes aegypti – coletados no México e mantidos em uma colônia em laboratório – foi confirmada no trabalho. Os mosquitos foram alimentados com sangue infectado por vÃrus Zika da linhagem asiática, a mesma que circula nas Américas. Em análises realizadas três, sete, 10, 14, 20 e 24 dias após a alimentação, nenhum mosquito Culex pipiens apresentou vÃrus disseminado pelo organismo ou na saliva. Já entre mosquitos Aedes aegypti, a disseminação do Zika no organismo e a presença de partÃculas virais na saliva foram detectadas a partir de sete dias após a infecção. A investigação foi realizada por cientistas do Istituto Superiore di Sanità e do European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC). Mosquitos Culex annulirostris, Culex Sitiens e Culex Quinquefasciatus, além das espécies Aedes Aegypti, Aedes notoscriptus, Aedes vigilax e Aedes procax, todos de Queensland, na Austrália, foram submetidos a testes laboratoriais para avaliação das taxas de infecção, disseminação e capacidade de transmissão do vÃrus Zika, 14 dias após serem alimentados com sangue infectado com a linhagem asiática do patógeno. Os resultados demonstraram que não houve infecção nas espécies Culex annulirostris e Culex Sitiens. Nos mosquitos Culex quinquefasciatus houve uma baixa taxa de infecção, no entanto, o vÃrus não conseguiu se disseminar pelo corpo do inseto e chegar à s glândulas salivares. As espécies Aedes notoscriptus, Aedes procax e Aedes vigilax apresentaram taxas de infecção de 50%, mas não foram capazes de transmitir o Zika. Por outro lado, nos mosquitos do gênero Aedes aegypti as taxas de infecção e de transmissão foram de 57% e 27%, respectivamente. Os resultados confirmam o Aedes aegypti como o vetor mais provável de Zika na Austrália. As análises foram realizadas por pesquisadores do Public Health Virology, Forensic and Scientific Services e publicado na edição de setembro da revista cientÃfica 'Plos Neglected Tropical Diseases'. Reportagem: VinÃcius Ferreira e Cristiane Albuquerque 06/09/2016 - atualizado em 27/09/2016.
Mosquitos coletados em quatro bairros foram submetidos a testes laboratoriais usando duas linhagens do vÃrus que circulam na cidade
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Pesquisa realizada pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) aponta que os mosquitos Culex quinquefasciatus do Rio de Janeiro não possuem competência vetorial para transmitir as linhagens locais do vÃrus Zika. A participação desta espécie (popularmente conhecida como pernilongo ou muriçoca) no ciclo de transmissão da doença é uma das hipóteses investigadas para explicar a rápida disseminação do vÃrus Zika pelo paÃs. Para comparação, também foram estudados mosquitos Aedes aegypti, constatando-se, em contraste, sua alta capacidade de transmissão do patógeno. Estas evidências cientÃficas reforçam que as estratégias de controle de Zika devem permanecer focadas no Aedes aegypti, principal vetor do vÃrus nas Américas. O Instituto Pasteur de Paris é parceiro do estudo, publicado na revista cientÃfica ‘Plos Neglected Tropical DiseasesÂ’.
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Foto: VinÃcius Ferreira

Integrante do Laboratório analisa placas de cultura de células inoculadas com amostras de saliva de mosquitos Aedes aegypti (superior) e Culex quinquefasciatus (inferior). Enquanto a placa superior evidencia a destruição das células pelo vÃrus Zika, na placa inferior não houve dano.
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De janeiro a março de 2016, o Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do IOC coletou ovos e larvas de Culex quinquefasciatus em quatro bairros da cidade do Rio de Janeiro: Manguinhos e Triagem, na Zona Norte, Jacarepaguá, na Zona Oeste, e Copacabana, na Zona Sul. Os ovos e larvas foram levados para o laboratório e, quando atingiram a fase de mosquitos adultos, foram separados em gaiolas. Em seguida, foram alimentados com sangue infectado com o vÃrus Zika. Para isso, foram usadas duas linhagens locais do vÃrus, isoladas, em janeiro, pelo Laboratório de Biologia Molecular de FlavivÃrus do IOC, a partir de amostras de pacientes do Rio de Janeiro. “Utilizamos mosquitos coletados diretamente em campo e linhagens do vÃrus circulantes na cidade na mesma época para que o resultado pudesse ser o mais fiel possÃvel à realidade do Rio de Janeiro”, explica Ricardo Lourenço, chefe do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários e coordenador do estudo. Metodologia
Cerca de 30 mosquitos de cada gaiola foram analisados aos 7, aos 14 e aos 21 dias após a alimentação com sangue infectado. Foram testadas as seguintes partes do corpo: abdômen/tórax (onde estão localizados o estômago, onde o sangue se aloja logo após a alimentação, e as glândulas salivares do mosquito), cabeça (para verificar se ocorreu disseminação do vÃrus no corpo do mosquito depois da ingestão) e saliva (para verificar a possibilidade de transmissão do vÃrus durante a picada). As amostras de abdômen/tórax e cabeça foram analisadas por meio de duas técnicas: RT-PCR em tempo real e a inoculação em cultura de células Vero (derivadas de rim de macacos), um método amplamente usado em estudos sobre atividade viral no caso da famÃlia dos flavivÃrus, à qual pertencem os vÃrus Zika e dengue. Enquanto a técnica de RT-PCR em tempo real é capaz de detectar e quantificar o material genético do vÃrus, a metodologia de análise em células Vero é recomendada para identificar se o vÃrus está ativo (capaz de causar infecção em vertebrados). Em relação à s amostras de saliva, foi usada apenas a técnica de inoculação em células Vero, uma vez que o baixo volume de saliva expelida pelo vetor não permitiria a aplicação de uma segunda técnica.
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Foto: Josué Damacena

Em detalhe, placas com amostras de saliva de mosquitos Aedes aegypti (direita) e Culex quinquefasciatus (esquerda) inoculadas em células Vero. Enquanto a placa da direita evidencia a destruição das células Vero pelo vÃrus Zika proveniente de Aedes, na placa da esquerda não há demonstração de infecção viral
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Resultados
Foram mais de mil amostras analisadas, referentes a 392 mosquitos. Somente em dois exemplares de mosquitos Culex quinquefasciatus, provenientes dos bairros de Triagem e Manguinhos, foi detectada infecção inicial no abdômen/tórax, no perÃodo de 14 dias após a alimentação com sague infectado, e nenhuma partÃcula viral foi identificada na cabeça e nem na saliva desses mesmos mosquitos. “O achado indica que o vÃrus Zika não consegue se disseminar completamente pelo corpo do Culex quinquefasciatus. Logo, os dados mostram que o inseto não é capaz de transmitir o patógeno, uma vez que não há presença de partÃculas infectantes do vÃrus na saliva que possam ser expelidas no momento da picada e infectar um ser humano”, explica Lourenço. Para uma análise comparativa, os mesmos protocolos foram usados para testar mosquitos Aedes aegypti também do Rio de Janeiro, provenientes dos bairros da Urca, na Zona Sul, e de Paquetá, ilha situada na BaÃa de Guanabara. Os resultados foram completamente distintos: enquanto as taxas de infecção no abdômen/tórax entre os Culex quinquefasciatus foram mÃnimas (apenas dois exemplares, após 14 dias de alimentação com sangue infectado), altos Ãndices de infecção no abdômen/tórax foram verificados entre 85% a 97% dos Aedes aegypti testados após 14 e 21 dias da alimentação com sangue infectado, independentemente da linhagem do vÃrus Zika usada no experimento. “Chegamos a detectar Aedes que em apenas sete dias após a alimentação já apresentavam infecção no abdômen/tórax”, enfatiza Ricardo. Se, nos Culex quinquefasciatus, não foram observadas partÃculas virais na saliva em nenhum perÃodo de tempo após a alimentação com sangue infectado, mais de 90% dos Aedes apresentaram vÃrus ativo na saliva 14 dias após a alimentação. “Pouco é sabido sobre o vÃrus zika e sua interação com o organismo do mosquito. É possÃvel que a combinação entre as variações genéticas dos vÃrus e as variações genéticas dos mosquitos, ao longo de sua distribuição territorial, impacte na competência para a transmissão. O que podemos dizer é que, com base em amostras representativas tanto para os mosquitos quanto para o vÃrus Zika, no Rio de Janeiro, os resultados, até o momento, apontam que o foco para o controle da doença, no Brasil e em áreas endêmicas nas Américas, deve permanecer na eliminação de criadouros do mosquito Aedes aegypti”, avalia o pesquisador. Parceira do estudo, a pesquisadora Anna-Bella Failloux, chefe da unidade de Arboviroses e Insetos Vetores do Instituto Pasteur de Paris, ressalta a importância do resultado. “O trabalho em conjunto com a equipe do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários está nos permitindo, mais uma vez, contribuir diante de uma emergência de saúde mundial. Essa colaboração ocorre no contexto da rede internacional dos Institutos Pasteur, que conta com 33 unidades em diversos paÃses e da qual o Instituto Oswaldo Cruz e a Fiocruz fazem parte”, acrescenta a cientista.
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Foto: Josué Damacena

A partir dos resultados, os pesquisadores Ricardo Lourenço e Anna Bella Failloux consideram que o combate à Zika deve ter como foco os criadouros do mosquito Aedes aegypti
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Inseto vetor
Para determinar que a transmissão de uma doença é realizada por uma determinada espécie de inseto vetor é necessário realizar duas constatações. Além de comprovar em laboratório que este vetor é capaz de transmitir o vÃrus, por meio de testes que avaliam a capacidade de transmissão, é necessário localizar na natureza exemplares desta espécie que estejam infectados com o vÃrus (o que é chamada de infecção natural). Há mais de um ano, a equipe liderada por Lourenço coleta mosquitos em localidades onde foram identificados casos de Zika, no Estado do Rio de Janeiro. Dos mais de mil mosquitos adultos capturados, cerca da metade era da espécie Aedes aegypti e a outra de Culex quinquefasciatus. A partir desse trabalho, um resultado inédito foi divulgado em maio de 2016, quando, pela primeira vez no Brasil e na América do Sul, mosquitos Aedes aegypti naturalmente infectados com o vÃrus Zika foram identificados. Por meio da técnica de RT-PCR em tempo real foi possÃvel identificar a presença do material genético do vÃrus Zika. Quando comparado com amostras de vÃrus circulantes em humanos no Rio de Janeiro, foi constatada similaridade genética superior a 99%. Nenhum mosquito Culex quinquefasciatus foi encontrado com infecção natural do vÃrus Zika ao longo das coletas realizadas até o momento. “Este é um trabalho antigo, que realizamos há mais de uma década, incialmente com foco em dengue, e, mais recentemente, ampliado para Zika e chikungunya”, diz Lourenço, acrescentando que as coletas continuam. Outros estudos sobre o Culex
A capacidade de determinado mosquito vetor para transmitir um agente patogênico pode variar de acordo com combinações especÃficas da linhagem viral e do genótipo do inseto. No caso do vÃrus Zika, diversas iniciativas estão empenhadas em investigar esta associação, considerando mosquitos de diferentes regiões e vÃrus que circularam em locais e momentos distintos. Estudo realizado por pesquisadores na Fiocruz Pernambuco, divulgado em julho, detectou a presença natural do vÃrus Zika em mosquitos Culex quinquefasciatus coletados na cidade do Recife. O mesmo grupo anunciou que, durante experimentos de competência vetorial realizados em laboratório, a partir do terceiro dia após a alimentação artificial dos mosquitos, a presença do vÃrus foi verificada nas glândulas salivares de mosquitos Culex quinquefasciatus, usando-se a técnica de microscopia eletrônica. Também foi observada, pela técnica de RT-PCR quantitativa, a presença do vÃrus na saliva expelida pelos mosquitos infectados. No estudo de infecção laboratorial, os mosquitos foram infectados oralmente com a linhagem ZIKU BRPE243/2015 do vÃrus Zika. Estudos adicionais estão em andamento. No México, após ampla varredura, pesquisadores da Universidade do Texas Medical Branch, dos Estados Unidos, identificaram somente mosquitos Aedes aegypti naturalmente infectados com o vÃrus Zika. Nenhum mosquito Culex quinquefasciatus foi encontrado naturalmente infectado. O artigo foi publicado no ‘The Journal of Infectious DiseasesÂ’. Já especialistas da Universidade de Wisconsin, também dos Estados Unidos, constataram, após testes laboratoriais realizados com a linhagem asiática do Zika, que mosquitos da espécie Culex pipiens são incapazes de transmitir o vÃrus, ao passo que Aedes aegypti testados simultaneamente foram competentes para transmitir o vÃrus. A pesquisa foi publicada no periódico ‘Emerging Infectious DiseasesÂ’. Ambos os achados foram divulgados em julho. Em agosto, outro grupo de especialistas da Universidade do Texas Medical Branch divulgou estudo mostrando que mosquitos Aedes aegypti apresentaram eficiência vetorial para transmissão do vÃrus, diferentemente dos insetos da espécie Culex quinquefasciatus, que foram incapazes de transmitir. No processo de infecção experimental, foram usadas linhagens do vÃrus Zika isoladas em 2010, no Camboja. Os dados foram disponibilizados no site da instituição. Pesquisadores da Kansas University testaram a capacidade de transmissão de Zika por mosquitos Culex quinquefasciatus e Culex pipiens coletados nas localidades de Vero Beach, na Flórida, de Anderson, na Califórnia, e de Ewing, em Nova Jersey, todas nos Estados Unidos. Os mosquitos foram alimentados com sangue infectado com a linhagem asiática do vÃrus Zika, isolado em 2015, de um paciente de Porto Rico. No artigo, publicado em agosto na revista cientÃfica ‘Vector-Borne and Zoonotic DiseasesÂ’, foi demonstrado que a probabilidade de transmissão do vÃrus pelas espécies é baixa. Embora a infecção e disseminação do Zika tenha sido detectada nas três populações de mosquitos imediatamente após a alimentação, a detecção viral não foi confirmada pelo método de RT-PCR em nenhuma das populações aos 7 e aos 14 dias após a infecção, indicando que o patógeno não chegou à s glândulas salivares. Em estudo publicado em setembro no periódico europeu ‘EurosurveillanceÂ’, pesquisadores do Instituto Pasteur em colaboração com o Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do IOC, constataram que mosquitos Culex quinquefasciatus, da Califórnia, nos Estados Unidos, e Culex pipiens, de Tabarka, na TunÃsia, não são competentes para transmitir a linhagem asiática do vÃrus Zika, a mesma que circula no Brasil. A conclusão veio após dois diferentes testes. Além da alimentação oral com sangue infectado com o vÃrus Zika isolado em 2014, na Nova Caledônia, os especialistas inocularam uma alta taxa de vÃrus diretamente no tórax dos mosquitos. Mesmo com a infecção forçada, de forma a ‘pularÂ’ a passagem do vÃrus pelo estômago, não foi observada a presença de vÃrus infectante na saliva expelida pelos mosquitos. Logo, não houve eficiência para transmissão. Na mesma edição da ‘EurosurveillanceÂ’, uma pesquisa realizada na Itália apontou que mosquitos Culex pipiens coletados no paÃs não são capazes de transmitir o vÃrus Zika. De forma comparativa, a competência vetorial dos mosquitos Aedes aegypti – coletados no México e mantidos em uma colônia em laboratório – foi confirmada no trabalho. Os mosquitos foram alimentados com sangue infectado por vÃrus Zika da linhagem asiática, a mesma que circula nas Américas. Em análises realizadas três, sete, 10, 14, 20 e 24 dias após a alimentação, nenhum mosquito Culex pipiens apresentou vÃrus disseminado pelo organismo ou na saliva. Já entre mosquitos Aedes aegypti, a disseminação do Zika no organismo e a presença de partÃculas virais na saliva foram detectadas a partir de sete dias após a infecção. A investigação foi realizada por cientistas do Istituto Superiore di Sanità e do European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC). Mosquitos Culex annulirostris, Culex Sitiens e Culex Quinquefasciatus, além das espécies Aedes Aegypti, Aedes notoscriptus, Aedes vigilax e Aedes procax, todos de Queensland, na Austrália, foram submetidos a testes laboratoriais para avaliação das taxas de infecção, disseminação e capacidade de transmissão do vÃrus Zika, 14 dias após serem alimentados com sangue infectado com a linhagem asiática do patógeno. Os resultados demonstraram que não houve infecção nas espécies Culex annulirostris e Culex Sitiens. Nos mosquitos Culex quinquefasciatus houve uma baixa taxa de infecção, no entanto, o vÃrus não conseguiu se disseminar pelo corpo do inseto e chegar à s glândulas salivares. As espécies Aedes notoscriptus, Aedes procax e Aedes vigilax apresentaram taxas de infecção de 50%, mas não foram capazes de transmitir o Zika. Por outro lado, nos mosquitos do gênero Aedes aegypti as taxas de infecção e de transmissão foram de 57% e 27%, respectivamente. Os resultados confirmam o Aedes aegypti como o vetor mais provável de Zika na Austrália. As análises foram realizadas por pesquisadores do Public Health Virology, Forensic and Scientific Services e publicado na edição de setembro da revista cientÃfica 'Plos Neglected Tropical Diseases'. Reportagem: VinÃcius Ferreira e Cristiane Albuquerque 06/09/2016 - atualizado em 27/09/2016.
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Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)