Entre 2017 e 2019, uma epidemia de febre amarela assolou diversas regiões do país. No Rio de Janeiro, por exemplo, após quase 80 anos sem registros da doença, 289 pessoas foram infectadas e outras 93 morreram. Publicado na revista científica ‘Parasites and Vectors’, um estudo liderado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em parceria com o Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG) revela características importantes desse surto, que podem contribuir para o planejamento de ações de vigilância e controle do agravo.
A pesquisa cruza dados sobre infecções humanas, de primatas e de vetores com análises das populações de insetos e características da paisagem no estado. De forma inédita, o trabalho revela que 90% dos casos de febre amarela humana foram registrados a uma distância de, no máximo, 25 km de um macaco ou mosquito infectado, sendo que 70% dos registros ocorreram em um raio de 11 km de um primata ou vetor com infecção – uma distância compatível com o alcance de voo dos mosquitos Haemagogus, identificados como os principais transmissores da doença na epidemia.
Segundo os autores do estudo, os dados podem ser a base para ações estratégicas de controle do agravo. “Os números indicam que iniciativas para garantir a vacinação em um raio de 25 km do local do achado de um primata ou vetor infectado podem prevenir 90% dos casos humanos da doença. Essa informação é valiosa no momento de concentrar esforços para conter a febre amarela”, afirma o pesquisador do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do IOC e coordenador do estudo, Ricardo Lourenço de Oliveira.
Com ampla base de dados, pesquisa mapeou locais de infecção de pessoas, macacos e vetores, populações de mosquitos e tipos de paisagem no RJ. Imagem: Filipe Abreu e colaboradores
Os achados reforçam ainda a importância da vigilância de epizootias no combate à doença. “Para prevenir surtos, é preciso manter a cobertura vacinal alta nas áreas onde há indicação e realizar a vigilância de primatas e mosquitos com muita atenção. Sempre que um macaco é encontrado morto, deve ser feita a coleta de amostras do animal e de vetores no local para investigar a circulação do vírus da febre amarela”, destaca o primeiro autor do estudo, Filipe Abreu, professor do IFNMG e doutor em Biologia Parasitária pelo IOC.
Considerando que muitos municípios ainda não contam com estrutura adequada para a análise de insetos, os pesquisadores lembram que o Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do IOC atua como Serviço de Referência em Vigilância Entomológica em Febre Amarela, realizando identificação de vetores e diagnóstico da infecção nos vetores. A unidade também fornece suporte para investigações sobre a transmissão da febre amarela e capacitação para identificação taxonômica, coleta e transporte dos insetos.
Além do IOC e do IFNMG, a pesquisa contou com a colaboração do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT/Fiocruz) e da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES/RJ). No IOC, participaram os Laboratórios de Mosquitos Transmissores de Hematozoários e de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios.
O mapeamento realizado pelos cientistas mostra que a maior parte das infecções no Rio de Janeiro se concentrou em dois tipos de paisagem: grandes florestas, que ocorrem na região da Baía da Ilha Grande e na Serra do Mar, e áreas rurais entremeadas por fragmentos florestais, que são encontradas nas regiões do Médio Paraíba e Centro-Sul fluminense.
O estudo aponta ainda duas características das populações de vetores associadas a maior circulação do vírus da febre amarela: a alta abundância dos Haemagogus e a baixa diversidade de espécies de mosquitos.
Os dados ajudam a compreender os contextos de maior risco para a febre amarela no estado. No ciclo silvestre da doença, macacos infectados são picados por mosquitos, que adquirem o vírus e o transmitem para outros macacos. Os casos de infecção humana ocorrem quando as pessoas são, acidentalmente, picadas pelos insetos contaminados.
No RJ, áreas com maior incidência de febre amarela em pessoas e macacos têm grandes florestas ou mosaicos de fragmentos florestais e pastagens. Imagem: Filipe Abreu e colaboradores
Segundo os cientistas, nas áreas rurais fluminenses com maior índice de casos de febre amarela, a paisagem é composta por pequenas florestas em topos de morros, cercadas por pastagens. Além da proximidade entre os trabalhadores rurais e a mata, a baixa biodiversidade contribui para a disseminação da doença.
“Observamos que essas áreas têm pouca variedade de mosquitos e muitos Haemagogus. Isso pode ser explicado pela baixa oferta de determinados tipos de criadouros, como bromélias, sem prejudicar a oferta de ocos de árvore, que são o criadouro preferido dos Haemagogus, o que favorece essa espécie. Quando as pessoas se aproximam dos fragmentos florestais, geralmente durante atividades agropecuárias, podem ficar expostos às picadas ”, aponta Filipe.
Nas grandes florestas, os Haemagogus encontram-se ‘diluídos’ em meio à grande diversidade de insetos. Porém, o número de macacos é grande e a doença se espalha facilmente. As infecções humanas ocorrem principalmente em áreas turísticas.
“Essas florestas têm muitos macacos e, eventualmente, têm seres humanos em atividades de lazer. Mas não é preciso entrar na mata para ser picado. Como os mosquitos voam por até 11 km, as pessoas podem ser picadas no quintal de casa, nas proximidades da floresta”, afirma Ricardo.
A pesquisa contou com uma ampla base de dados. As coletas de mosquitos foram realizadas antes, durante e depois da epidemia no Rio de Janeiro. Entre 2015 e 2019, os pesquisadores percorreram 84 pontos do estado, capturando mais de 17 mil mosquitos, de 89 espécies.
Durante a epidemia, os cientistas estabeleceram uma rede de voluntários que, ao avistarem um macaco doente ou morto, informavam aos especialistas, que coletavam amostras dos animais e mosquitos nesses locais. Em laboratório, análises moleculares foram realizadas para identificar a infecção pelo vírus da febre amarela.
Pesquisadores contaram com apoio de voluntários para coletar amostras de primatas e mosquitos em áreas de mata durante a epidemia. Foto: Filipe AbreuTodo o trabalho foi realizado em parceria com o Ministério da Saúde e Secretarias estadual e municipais de Saúde, contribuindo para o enfrentamento da epidemia. Para a pesquisa, os cientistas contaram com a colaboração dos órgãos públicos, que informam o local provável de infecção dos casos de febre amarela humana e em primatas registrados no estado.
“O Rio de Janeiro pode ser considerado um observatório para compreender a dinâmica da febre amarela. Depois de tanto tempo, o vírus encontrou um território virgem, onde os macacos não tinham anticorpos, e se espalhou. Como o estado é pequeno e nós coletamos muitas informações, podemos tirar um aprendizado disso”, ressalta Ricardo.
Desde que a febre amarela alcançou a Mata Atlântica, estudos realizados pelos cientistas do IOC em parceria com outras unidades da Fiocruz levaram a resultados importantes para o enfrentamento da doença. Entre outros achados, os pesquisadores conseguiram caracterizar o genoma do vírus que alcançou o litoral do Sudeste, apontar as rotas de dispersão do patógeno na região e identificar os principais vetores da febre amarela na epidemia.
No Rio de Janeiro, o último caso de febre amarela foi registrado em um macaco em janeiro de 2019. Porém, os pesquisadores alertam que a doença não acabou. “O vírus da febre amarela circula em ondas, que começam na Região Amazônica. Desde os anos 2000, vemos que essas ondas avançam cada vez mais para o Leste e o Sul. A linhagem que atingiu o Rio de Janeiro entre 2017 e 2019 ainda está em circulação na Região Sul do país e já há sinais de uma nova onda causando mortes de macacos em Minas Gerais. Portanto, temos que nos manter alertas”, enfatiza Ricardo.
Entre 2017 e 2019, uma epidemia de febre amarela assolou diversas regiões do país. No Rio de Janeiro, por exemplo, após quase 80 anos sem registros da doença, 289 pessoas foram infectadas e outras 93 morreram. Publicado na revista científica ‘Parasites and Vectors’, um estudo liderado pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) em parceria com o Instituto Federal do Norte de Minas Gerais (IFNMG) revela características importantes desse surto, que podem contribuir para o planejamento de ações de vigilância e controle do agravo.
A pesquisa cruza dados sobre infecções humanas, de primatas e de vetores com análises das populações de insetos e características da paisagem no estado. De forma inédita, o trabalho revela que 90% dos casos de febre amarela humana foram registrados a uma distância de, no máximo, 25 km de um macaco ou mosquito infectado, sendo que 70% dos registros ocorreram em um raio de 11 km de um primata ou vetor com infecção – uma distância compatível com o alcance de voo dos mosquitos Haemagogus, identificados como os principais transmissores da doença na epidemia.
Segundo os autores do estudo, os dados podem ser a base para ações estratégicas de controle do agravo. “Os números indicam que iniciativas para garantir a vacinação em um raio de 25 km do local do achado de um primata ou vetor infectado podem prevenir 90% dos casos humanos da doença. Essa informação é valiosa no momento de concentrar esforços para conter a febre amarela”, afirma o pesquisador do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do IOC e coordenador do estudo, Ricardo Lourenço de Oliveira.
Com ampla base de dados, pesquisa mapeou locais de infecção de pessoas, macacos e vetores, populações de mosquitos e tipos de paisagem no RJ. Imagem: Filipe Abreu e colaboradores
Os achados reforçam ainda a importância da vigilância de epizootias no combate à doença. “Para prevenir surtos, é preciso manter a cobertura vacinal alta nas áreas onde há indicação e realizar a vigilância de primatas e mosquitos com muita atenção. Sempre que um macaco é encontrado morto, deve ser feita a coleta de amostras do animal e de vetores no local para investigar a circulação do vírus da febre amarela”, destaca o primeiro autor do estudo, Filipe Abreu, professor do IFNMG e doutor em Biologia Parasitária pelo IOC.
Considerando que muitos municípios ainda não contam com estrutura adequada para a análise de insetos, os pesquisadores lembram que o Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do IOC atua como Serviço de Referência em Vigilância Entomológica em Febre Amarela, realizando identificação de vetores e diagnóstico da infecção nos vetores. A unidade também fornece suporte para investigações sobre a transmissão da febre amarela e capacitação para identificação taxonômica, coleta e transporte dos insetos.
Além do IOC e do IFNMG, a pesquisa contou com a colaboração do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (ICICT/Fiocruz) e da Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES/RJ). No IOC, participaram os Laboratórios de Mosquitos Transmissores de Hematozoários e de Biologia e Parasitologia de Mamíferos Silvestres Reservatórios.
O mapeamento realizado pelos cientistas mostra que a maior parte das infecções no Rio de Janeiro se concentrou em dois tipos de paisagem: grandes florestas, que ocorrem na região da Baía da Ilha Grande e na Serra do Mar, e áreas rurais entremeadas por fragmentos florestais, que são encontradas nas regiões do Médio Paraíba e Centro-Sul fluminense.
O estudo aponta ainda duas características das populações de vetores associadas a maior circulação do vírus da febre amarela: a alta abundância dos Haemagogus e a baixa diversidade de espécies de mosquitos.
Os dados ajudam a compreender os contextos de maior risco para a febre amarela no estado. No ciclo silvestre da doença, macacos infectados são picados por mosquitos, que adquirem o vírus e o transmitem para outros macacos. Os casos de infecção humana ocorrem quando as pessoas são, acidentalmente, picadas pelos insetos contaminados.
No RJ, áreas com maior incidência de febre amarela em pessoas e macacos têm grandes florestas ou mosaicos de fragmentos florestais e pastagens. Imagem: Filipe Abreu e colaboradores
Segundo os cientistas, nas áreas rurais fluminenses com maior índice de casos de febre amarela, a paisagem é composta por pequenas florestas em topos de morros, cercadas por pastagens. Além da proximidade entre os trabalhadores rurais e a mata, a baixa biodiversidade contribui para a disseminação da doença.
“Observamos que essas áreas têm pouca variedade de mosquitos e muitos Haemagogus. Isso pode ser explicado pela baixa oferta de determinados tipos de criadouros, como bromélias, sem prejudicar a oferta de ocos de árvore, que são o criadouro preferido dos Haemagogus, o que favorece essa espécie. Quando as pessoas se aproximam dos fragmentos florestais, geralmente durante atividades agropecuárias, podem ficar expostos às picadas ”, aponta Filipe.
Nas grandes florestas, os Haemagogus encontram-se ‘diluídos’ em meio à grande diversidade de insetos. Porém, o número de macacos é grande e a doença se espalha facilmente. As infecções humanas ocorrem principalmente em áreas turísticas.
“Essas florestas têm muitos macacos e, eventualmente, têm seres humanos em atividades de lazer. Mas não é preciso entrar na mata para ser picado. Como os mosquitos voam por até 11 km, as pessoas podem ser picadas no quintal de casa, nas proximidades da floresta”, afirma Ricardo.
A pesquisa contou com uma ampla base de dados. As coletas de mosquitos foram realizadas antes, durante e depois da epidemia no Rio de Janeiro. Entre 2015 e 2019, os pesquisadores percorreram 84 pontos do estado, capturando mais de 17 mil mosquitos, de 89 espécies.
Durante a epidemia, os cientistas estabeleceram uma rede de voluntários que, ao avistarem um macaco doente ou morto, informavam aos especialistas, que coletavam amostras dos animais e mosquitos nesses locais. Em laboratório, análises moleculares foram realizadas para identificar a infecção pelo vírus da febre amarela.
Pesquisadores contaram com apoio de voluntários para coletar amostras de primatas e mosquitos em áreas de mata durante a epidemia. Foto: Filipe AbreuTodo o trabalho foi realizado em parceria com o Ministério da Saúde e Secretarias estadual e municipais de Saúde, contribuindo para o enfrentamento da epidemia. Para a pesquisa, os cientistas contaram com a colaboração dos órgãos públicos, que informam o local provável de infecção dos casos de febre amarela humana e em primatas registrados no estado.
“O Rio de Janeiro pode ser considerado um observatório para compreender a dinâmica da febre amarela. Depois de tanto tempo, o vírus encontrou um território virgem, onde os macacos não tinham anticorpos, e se espalhou. Como o estado é pequeno e nós coletamos muitas informações, podemos tirar um aprendizado disso”, ressalta Ricardo.
Desde que a febre amarela alcançou a Mata Atlântica, estudos realizados pelos cientistas do IOC em parceria com outras unidades da Fiocruz levaram a resultados importantes para o enfrentamento da doença. Entre outros achados, os pesquisadores conseguiram caracterizar o genoma do vírus que alcançou o litoral do Sudeste, apontar as rotas de dispersão do patógeno na região e identificar os principais vetores da febre amarela na epidemia.
No Rio de Janeiro, o último caso de febre amarela foi registrado em um macaco em janeiro de 2019. Porém, os pesquisadores alertam que a doença não acabou. “O vírus da febre amarela circula em ondas, que começam na Região Amazônica. Desde os anos 2000, vemos que essas ondas avançam cada vez mais para o Leste e o Sul. A linhagem que atingiu o Rio de Janeiro entre 2017 e 2019 ainda está em circulação na Região Sul do país e já há sinais de uma nova onda causando mortes de macacos em Minas Gerais. Portanto, temos que nos manter alertas”, enfatiza Ricardo.
Permitida a reprodução sem fins lucrativos do texto desde que citada a fonte (Comunicação / Instituto Oswaldo Cruz)